Olhar o passado, em geral, só nos explica mesmo o que aconteceu no passado. Não resolve o presente, e é muito natural que seja assim mesmo, pois senão todos estaríamos vivendo sem problema nenhum há muito tempo, consertando tudo com as lições que aprendemos com os anos. Em todo caso, não dá para viver no presente como se a vida tivesse começado cinco minutos atrás. Há fatos do passado que é necessário conhecer. Há experiências que podem servir como boas lições. Há comparações que podem ser úteis. E há uma grande vantagem: as coisas que já aconteceram não podem mudar mais. Eis aí o tipo do alicerce firme.
Vale anotar, assim, que em pleno ano de 2019 o Brasil teve 780 mortos por H1N1 – ou seja, dez anos inteiros após a sua eclosão, a epidemia continuava matando gente no Brasil, e continuará, sem a menor dúvida, a matar esse ano. Alguém falou uma sílaba sobre isso? Não, ninguém falou nada. Mas falando ou não falando, há um fato que não muda: o H1N1 foi a pior doença transmitida por vírus que a humanidade conheceu em sua era moderna. Mais de 750 milhões de pessoas foram infectadas. Quase 300 mil morreram. Perto do H1N1 o coronavírus é um passeio.
O Brasil, até o dia de hoje, teve perto de 2.000 casos e 34 mortos – cerca de 5% das 780 vítimas fatais do H1N1 no país só em 2019, já em seu décimo ano de sobrevivência. É óbvio que o coronavírus ainda vai causar a morte de muitos idosos, quase sempre os que já são portadores de doenças graves. Escolha um número da sua fantasia: os infectologistas que não aparecem nas mesas redondas de televisão arriscam um total de 30.000 casos até o final (metade do que a Itália tem hoje), e entre 1.000 e 2.000 mortos.
Mas é óbvio, também, que são epidemias de naturezas diversas – sobretudo, no grau de mortalidade, que é dramaticamente mais brando no vírus atual. Faz toda a diferença. O número final de mortos no Brasil, que é o que importa no fim das contas, pode acabar sendo não muito maior que o número de gente que o H1N1 matou aqui mesmo só no ano passado. Pode ser um terço dos mortos na Itália, com uma população quatro vezes menor.
Epidemias virais têm ciclos de vida – aparecem, crescem mais ou menos rapidamente, estacionam, começam a regredir e desaparecem. É o que vai acontecer com o coronavírus; não é o confinamento, a quarentena e o fechamento disso ou daquilo que vai acabar com ele, e sim o seu ciclo de existência, calculado entre treze e catorze semanas após o primeiro caso. Aqui no Brasil isso seria em maio. Ou seja: a maioria das atenções deveria estar concentrada, do primeiro ao décimo lugar, na administração da doença, e não no marketing do isolamento.
A epidemia de zika, que ao contrário do coronavírus era transmitida não pelo contato, mas sim pela picada do mosquito, acabou matando 4.000 pessoas no Brasil, principalmente no Nordeste; as previsões era que matasse 40.000. Vamos com calma.
Muito boa reflexão. Quantos infectados por H1N1, HIV, dengue, chikungunya, zika entre outras, ainda teremos sem que sejam percebidos pelos governantes?