Retomada econômica no Estado de São Paulo tem início com a reabertura de shoppings, bares e restaurantes — ainda em meio à “quarentena inteligente” imposta pelo governador João Doria
“Conseguindo se segurar”. Foi dessa forma que Marcelo Serrano, proprietário do Venuto Eatering Bar, resumiu a situação desde que fechou as portas de seu estabelecimento no final de março por conta do confinamento imposto pelo governador João Doria em todo o Estado de São Paulo. Com a reabertura — parcial — de bares e restaurantes liberada desde o dia 6 de julho em algumas regiões, Serrano voltou a trabalhar mas somente na parte do almoço.
Medição de temperatura antes de entrar, faixas para delimitar o distanciamento físico entre os clientes, distribuição de álcool gel e exigência de máscaras. Após 104 dias fechados, bares, restaurantes e salões de beleza da cidade tiveram que se adaptar para reabrir as portas na cidade de São Paulo. Além disso, os estabelecimentos precisam obedecer a um horário de funcionamento restrito – das 11h às 17h. Entretanto, de acordo com um estudo divulgado na última semana pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), mais da metade dos empresários do setor decidiu não abrir as portas. A entidade garante que 59% dos estabelecimentos permanecem fechados. Quando se leva em consideração apenas o nicho de bares, a rejeição à abertura somente até às 17 horas faz com que 80% dos negócios permaneçam fechados — ou focando apenas no delivery.
Durante os quase três meses em que o espaço físico ficou obrigatoriamente fechado, Serrano viu no serviço de entrega a possibilidade de manter ativo o seu negócio, inaugurado há quase um ano no bairro dos Jardins, área nobre da capital paulista.
“Casas maiores terão problemas”
Além de adaptar a cozinha para o atendimento de delivery, o dono do Venuto Eatering Bar se viu obrigado a tomar decisões que não gostaria. Primeiramente, afastou parte da equipe. Depois, colocou o time para tirar férias e, como último recurso para não ter de demitir, fez uso da regra que libera empresas a adotar redução de jornada (e consequentemente) de salário durante a pandemia. Admite, contudo, que conseguiu fazer isso porque a equipe de colaboradores já era pequena (conta, atualmente, com oito profissionais). “Casas maiores terão problemas, vão ter aluguel e demais contas integrais, mas o faturamento não será total”, analisa.
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O problema não se restringe a estabelecimentos maiores. Ambientes que focam na agitação noturna paulistana encontram mais dificuldades para reabrir. À frente de uma pizzaria, a Picco, localizada no bairro paulistano de Pinheiros, Luiz Affonso Mascella se vê impossibilitado de voltar a atender pessoalmente o público. Com isso, mantém as portas fechadas e segue investindo no delivery, serviço que, admite, era feito de forma “meia boca” antes do vírus chinês chegar em solo brasileiro. “Não é uma hora que a gente [pizzaria] estava acostumado a trabalhar”, diz, enfatizando estar com os “dois pés atrás” com a reabertura e que, por ora, consegue manter o negócio de pé devido a ajuda do governo, como ocorre com Marcelo Serrano, dono do Venuto. “Enquanto tem esse auxílio, a gente consegue manter uma certa segurança”, prossegue. Mascella está com três funcionários e segue pagando apenas parte do salário de quem está afastado do trabalho. Situação que o preocupa, revela, caso o programa governamental chegue ao fim sem que o faturamento volte ao patamar registrado antes da pandemia.
Diferentemente de Mascella, que fechou a pizzaria desde o começo do confinamento em São Paulo e ainda não aderiu à reabertura, Ruly Vieira nem teve a oportunidade de estrear seu mais novo projeto. Isso porque ele estava se preparando para inaugurar, em meados de março, o Beef Bar, uma franquia de restaurante originário do principado de Mônaco. Com a regra limitada a seis horas diárias e sem poder funcionar durante a noite, o empresário segue sem abrir o empreendimento. Nesse sentido, enfatiza que só pensará em abrir as portas quando “as pessoas realmente puderem” ir ao seu bar.
“No nosso caso não é nem abrir, é inaugurar”, diz Vieira a Oeste. “E queremos inaugurar para quando as pessoas estiverem saindo mais de casa”, prossegue o empresário, que por enquanto manteve toda a equipe do Beef Bar empregada. Na expectativa de estrear de fato no mercado, ele ressalta: aguardará a liberação para funcionar em um “horário decente”. “Esse [das 11 às 17 horas] é inviável para quem tem que pôr um bar para funcionar”, explica.
Demissões
Ruly Vieira mantém empregada a equipe prevista inicialmente para trabalhar no dia a dia do novo empreendimento, mas não conseguiu agir da mesma forma com o seu outro negócio no ramo gastronômico da cidade de São Paulo. Proprietário do Banana Café, ele teve que “infelizmente dispensar” alguns colaboradores. Com o estabelecimento fechado desde março, ele voltou a reabrir às sextas, aos sábados e aos domingos, já com equipe reduzida, o que está longe de ser o ideal para o negócio. Pelo estilo do serviço que oferecia antes da pandemia, o empresário conta que até o delivery não ajudou muito. “Quem pede comida em casa quer de um restaurante, não de um bar”, pontua.
Nas últimas semanas, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), houve empresa que chegou a dispensar de uma vez só cerca de 30% dos funcionários. Conforme divulgado pela entidade, a Coco Bambu, restaurante especializado em frutos do mar e com aproximadamente 40 unidades no país (sendo 13 espalhadas por municípios paulistas), demitiu no início de junho cerca de 1,5 mil colaboradores dos quase 7 mil que tinha. De meados de março ao começo de julho, o grupo só pode prestar serviço de delivery em todo o Estado de São Paulo.
Reabertura comprometida
Para o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, as restrições impostas pelo governo estadual prejudicaram a retomada das atividades. “Fomos obrigados a abrir somente até às 17 horas por causa da limitação do governador João Doria. Isso nos parece injusto e pouco racional”, contesta. Solmucci reforça que 70% do faturamento de bares se dá durante a faixa noturna. “Quando você limita também parte dessas vendas, deixa de fora todo o setor de bares e um conjunto enorme de restaurantes que só abrem à noite. A medida inviabiliza grande parte do setor”, avalia.
Com as limitações de funcionamento definidas por Doria, a reabertura não comprometeu apenas bares e restaurantes. Também afetou a retomada de lojas de shopping centers. Inicialmente, os centros comerciais receberam permissão para abrir somente quatro horas por dia. Na sequência do plano de flexibilização gradual do governo estadual, o horário foi estendido para 6 horas diárias. Mesmo assim, empresários dos setor registraram queda drástica de faturamento, quando comparado com os números pré-pandemia. De acordo com estudo divulgado em 30 de junho pela Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), 32% dos lojistas do Estado registraram queda de 90% do faturamento. Para quase a metade (41%), a queda ficou na casa dos 80%. Além disso, 24% dos empresários do setor viram o faturamento reduzir em 70%.
“Os prejuízos estimados estão em 35 bilhões de reais e só na grande São Paulo 10% das lojas não vão mais reabrir”
Diante de tal situação, o presidente da Alshop, Nabil Sahyoun, não cita diretamente o ocupante do Palácio dos Bandeirantes, mas critica as imposições que atingem os lojistas de shoppings. “A queda foi vertiginosa nas vendas, o que mostra o quanto o setor do comércio foi comprometido com a pandemia. Os prejuízos estimados estão em 35 bilhões de reais e só na grande São Paulo 10% das lojas não vão mais reabrir por falta de condições, o que irá aumentar o desemprego, além da queda da arrecadação. Os lojistas de shopping seguem protocolos rígidos e mesmo assim estão sujeitos a restrições que não valem para todos os setores”.
Prejuízos e perspectivas
Ao analisar os 100 dias de confinamento no Estado de São Paulo, de 24 de março a 30 de junho, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) apresentou dados nada animadores. A entidade estimou queda de 21,9% no faturamento no setor, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Em números absolutos, o recuo simboliza prejuízo na casa dos R$ 43,7 bilhões ao segmento paulista de comércio varejista. Com a reabertura, a instituição prevê que a queda de receita pode cessar, mas acredita que, com a alta do desemprego e a diminuição de rendas familiares, a retomada da economia será “bem lenta”.
“Lenta” também é a palavra utilizada pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) para se referir à retomada do segmento. Somente no Estado de São Paulo são 133 shoppings que foram reabertos e os responsáveis pela instituição afirmam que alguns desses estabelecimentos tiveram que abrir e fechar devido a decretos, gerando assim certa “instabilidade”. O setor, responsável por quase 3% do PIB brasileiro, gera cerca de 3 milhões de empregos diretos e indiretos. A entidade estima perdas no valor de R$ 25 bilhões durante a pandemia. Acredita, porém, em crescimento “gradual”, com direito a preservar a “saúde de todas as pessoas e mantendo a economia funcionando” — que é o que esperam Marcelo Serrano, Luiz Affonso Mascella, Ruly Vieira e tantos outros empreendedores baseados no Estado de São Paulo.
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Com entrevistas e colaboração de Roberta Ramos.
Viva Dória Tranca Rua.
Doria criminoso