Na guerra do voto ‘impresso’, ninguém tem razão
(J. R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 19 de julho de 2021)
Nada chama mais atenção, na atual guerra movida pelo ministro Barroso e pelo resto do STF contra a adoção de alterações no atual sistema de voto eletrônico para as eleições de 2022, quanto a quantidade de perguntas não respondidas sobre o que, afinal, está acontecendo nessa história. O debate foi deturpado, brutalmente, com as repetidas declarações do presidente da República de que o voto eletrônico “puro”, como ele é hoje, leva à fraude na apuração; ele disse também que sem um novo sistema, mais seguro e verificável, não haverá eleições limpas no ano vem, e se não houver eleição limpa não haverá eleição nenhuma.
A primeira pergunta sem resposta vem daí: o que o presidente faria, na prática, para suspender as eleições caso o sistema não seja mudado? Coloca a tropa na rua, fecha o Congresso e o Supremo, baixa um Ato Institucional? E aí: de que jeito fica no governo? Bolsonaro diz, também, que foi vítima de fraude eleitoral. Quais as provas que têm disso? Já prometeu apresentá-las um monte de vezes, mas até agora não apresentou nada. Por quê?
Em matéria de perguntas não respondidas essas já seriam mais do que suficientes, mas o extraordinário nisso tudo é que o lado oposto também não consegue responder nada: defende o atual sistema como se ele fosse a criação mais perfeita da humanidade até hoje, mas não foi capaz até agora de trazer à discussão um único argumento sério em favor de qualquer dos pontos que declara essenciais para a sobrevivência da democracia no Brasil.
Uma dessas perguntas sem resposta, ou respondida com raciocínios de terceira categoria e com mentiras puras e simples é: por que o STF nega ao Congresso Nacional o direito de debater qualquer alteração no atual sistema de voto e apuração? Tudo bem que o ministro Barroso seja contra, como Bolsonaro é a favor — mas por que o Congresso não pode decidir sobre o assunto? Não adianta dizer que pode, porque não pode — tanto não pode que o ministro Barroso e acólitos se meteram diretamente em conversas com deputados para melar a discussão do projeto sobre o tema que tramita na Comissão de Justiça. O STF não quer, nem mesmo, que o assunto vá a plenário. De novo: por que os deputados não podem decidir a questão votando livremente sobre ela?
Por que não se pode pensar em nenhum aperfeiçoamento técnico para um sistema que está aí desde 1996? De lá para cá a tecnologia eletrônica mundial não descobriu nada que pudesse melhorar o processo? Por que Barroso diz que a mudança será caríssima — R$ 2 bilhões — quando só o fundo eleitoral que os políticos acabam de aprovar em seu favor é de R$ 6 bilhões — três vezes mais? Por que os ministros insistem em dizer que o voto auditável vai violar o sigilo eleitoral (os “coronéis” exigiriam do eleitor a apresentação do recibo impresso de como votaram), se nenhum eleitor vai levar recibo nenhum para casa? Como advertir dos perigos de “judicialização” das eleições se a Justiça Eleitoral, já hoje, vive soterrada com processos de candidatos, uns contra os outros?
Mais que tudo: se Lula já está com mais de “50% dos votos” nas pesquisas, e vai ganhar no primeiro turno segundo o DataFolha e seus subúrbios, por que esse desespero todo em segurar o sistema como ele está? O candidato do STF — foi o STF que reinventou a vida política de Lula, e lhe deu a candidatura de presente — não vai ganhar de qualquer jeito? Ou será que está havendo algum problema com a sua candidatura e os seus milhões de votos? Será que Bolsonaro achou um jeito de roubar a eleição por conta do “voto impresso”? De que jeito? Barroso realmente não pode acreditar numa coisa dessas, pode?
Uma coisa é certa: quando há muitas perguntas sem respostas, estão tentando dar um golpe em você.
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