Preparar a espuma em uma cumbuca de madeira, deslizar a lâmina da navalha no afiador de couro, cobrir o cliente com um grande pano branco e iniciar o serviço na cadeira de couro preto. Esse é o “ritual da vaidade” praticado pelo barbeiro Omar Leite, 82 anos, que trabalha desde a década de 1990 em um salão de beleza no Senado. Entra às 7 horas e vai embora perto das 15 horas, quando o movimento diminui. Ele perdeu a conta de quantos parlamentares já atendeu.
Entre os fregueses notáveis, há cinco ex-presidentes da República: Ernesto Geisel, João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. Dos chefes do Planalto, Leite tem um carinho especial por Geisel, Collor e Franco, em virtude da “simplicidade” que o barbeiro via neles, apesar dos clientes serem muito exigentes com a aparência. “Era bem recebido e tratado como alguém da família”, disse em voz mansa o homem de estatura baixa, com cabelos grisalhos que contrastam com o bigode milimetricamente aparado que ainda exibe alguns pelos negros. “Itamar, por exemplo, sempre mandava me buscar em seu carro particular, e nunca no oficial, para atendê-lo em casa.”
Ainda sobre políticos da velha guarda, Leite destaca como bons clientes os ex-senadores Pedro Simon (MDB-MG) e Ramez Tebet (MDB-MS), ex-presidente do Senado — esse último morreu em 2006. Entre os congressistas “mais novos”, Leite teceu elogios a Eduardo Girão (Novo-CE), descrito como um “homem de simplicidade extraordinária”, e Jorge Kajuru (PSB-RJ), dono de uma “sinceridade ímpar”.
O barbeiro se orgulha de saber de bastidores do poder que, se revelados em ano eleitoral, poderiam acabar com uma candidatura. “Vou levar tudo isso para o túmulo”, prometeu, ao mexer nos óculos pretos com lentes grossas e ajeitar a camisa polo cinza enquanto ensaia uma postura ereta. “Prefiro ater-me ao meu trabalho. Cheguei até aqui com seriedade e excelência. Meu ofício tem muita ética.” Leite sabe também de assuntos de segurança nacional da época do regime militar que ouvira da boca do general Golbery do Couto e Silva, então ministro da Casa Civil, enquanto cortava o cabelo de Geisel no Palácio do Planalto.
Entre outras histórias, o barbeiro lembrou de um calote que levou do senador mineiro Lauro Campos, já falecido, e à época filiado ao PT. “Quando terminei o serviço, e ele perguntou quanto era, sorri e brinquei que não custaria nada”, contou. “E não é que ele levou a sério?”
Outro episódio sobre dinheiro envolveu Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura e com fortuna avaliada em mais de R$ 1 bilhão. Por falta de cédulas, Leite não conseguiu dar o troco de R$ 5, pelo serviço prestado a Maggi, que disse que cobraria a diferença na próxima vez. “E ele cobrou no outro atendimento, semanas depois, mesmo sem eu lembrá-lo”, disse. “De todo modo, que Deus o enriqueça cada vez mais.”
Início da trajetória do barbeiro dos presidentes e parlamentares
Couto e Silva é o responsável pelo convite que levou Leite ao Planalto e ao posto de barbeiro oficial da Presidência. Ambos se conheceram no Hospital das Forças Armadas, onde Leite cumpria o dever de manter os cabelos de oficiais e médicos na risca. O barbeiro viu cumprir-se naquela proposta uma profecia que escutou aos 18 anos, quando era aprendiz, em Capinópolis (MG).
De acordo com Leite, um homem vestido de terno preto chegou de manhã e pediu para ser atendido. Inexperiente, Leite encarou o serviço até que a navalha cegou. “Eu não sabia muito o que estava fazendo”, admitiu. Ao perceber o amadorismo do rapaz, o próprio cliente deu jeito de afiar a lâmina da navalha e terminar o trabalho tranquilamente. Após pagar, colocou a mão direita no ombro do jovem ruborizado e disse: “Você pode chegar a ser o barbeiro número um do país”.
Leite nunca esqueceu daquelas palavras e decidiu se profissionalizar no ramo. Até então, não sabia direito o que queria da vida, desde que havia fugido da casa dos pais, em Patu (RN). Em pouco tempo, adquiriu experiência suficiente para cair nas graças da clientela da região.
Em 1970, o barbeiro não perdeu a oportunidade de morar em Brasília, onde trabalhou em vários lugares até chegar à unidade de saúde militar na qual conheceu Couto e Silva — sempre com a “profecia” em mente.
“Quando cheguei ao Planalto para atender Geisel, era como se estivesse vendo na cadeira o homem que conversou comigo muitos anos antes”, disse, ao mencionar que guarda até hoje a tesoura que usou na cabeça do então presidente.
Leite não tem ambição de cuidar das madeixas de algum político específico. Dá-se por satisfeito. “Já atendi as autoridades que queria do meu país”, disse. “Minha sensação é de realização e de dever cumprido.”
Leia também: “Profissões em extinção”, reportagem publicada na Edição 152 da Revista Oeste
Quem deu calote, mesmo??? ….depois não acreditam…