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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 122

As crianças que chamamos de líderes

Elites “letradas” insistem em tentar corrigir problemas profundos com soluções superficiais

Donald J. Boudreaux
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As atitudes e as opiniões da chamada “elite” de hoje em dia — aqueles formadores de opinião que Deirdre McCloskey chama de “letrados” — são infantilizadas. A maioria dos jornalistas e redatores de boa parte das principais empresas de mídia e entretenimento, bem como os professores acadêmicos e intelectuais conhecidos, pensa, fala e escreve sobre a sociedade com a perspectiva de alunos do jardim de infância.

Essa triste verdade é disfarçada pela característica que os distingue das crianças: o virtuosismo verbal. No entanto, sob as palavras bonitas, as lindas expressões, as metáforas impressionantes e as alusões afetadas existe uma notória imaturidade de pensamento. Acredita-se que todo problema social e econômico tem uma solução, e essa solução é quase sempre superficial.

Ao contrário das crianças, os adultos entendem que viver bem começa com a aceitação da inevitabilidade das concessões. Ao contrário do que se diz por aí, não se pode “ter tudo”. Não se pode ter mais desta coisa a menos que você esteja disposto a ter menos daquela outra coisa. E o que vale para você como indivíduo vale para qualquer grupo de indivíduos. Os norte-americanos não podem ter um governo que aumente artificialmente o custo de produção e dos combustíveis à base de carbono a menos que estejam dispostos a pagar preços mais altos no posto de gasolina e, consequentemente, ter menos renda para gastar com outros produtos e serviços. Não podemos usar a fabricação de moeda para aliviar a dor dos lockdowns da covid-19 hoje sem enfrentar as dores maiores da inflação amanhã.

Algumas pessoas usam armas para matar pessoas? Sim, infelizmente. A “solução” superficial dos letrados para esse problema real é proibir armas

Enquanto as crianças batem seus pezinhos em sinal de protesto quando são confrontadas com a necessidade de fazer concessões, essas exigências são aceitas como naturais pelos adultos.

Não menos importante, os adultos, ao contrário das crianças, não são seduzidos pela superficialidade.

Preste muita atenção em como os letrados (que são na maioria, ainda que não exclusivamente, “progressistas”) propõem a “solução” de quase todo problema, real ou imaginário. Você vai descobrir que a “solução” proposta é superficial; ela está enraizada na suposição ingênua de que a realidade social para além do que é visível de imediato não existe ou não é afetada pelas tentativas de reorganizar os fenômenos da superfície. Na visão dos letrados, a única realidade que importa é a realidade que é fácil de enxergar e é aparentemente fácil de manipular com coerção. Portanto, as “soluções” propostas pelos letrados envolvem, simplesmente, rearranjar, ou tentar rearranjar, os fenômenos da superfície.

Algumas pessoas usam armas para matar pessoas? Sim, infelizmente. A “solução” superficial dos letrados para esse problema real é proibir armas. Algumas pessoas têm patrimônios consideravelmente maiores do que outras? Sim. A “solução” juvenil dos letrados para esse falso problema é taxar fortemente os ricos e transferir essa receita para os menos ricos. Alguns trabalhadores recebem salários baixos demais para sustentar uma família nos Estados Unidos de hoje? Sim. A “solução” simplista dos letrados a esse falso problema — “falso” porque a maioria dos trabalhadores que recebem pagamentos tão baixos não é chefe de família — é fazer o governo proibir salários abaixo de um mínimo estipulado.

Algumas pessoas lidam com danos consideráveis à sua casa, ou até a morte, em decorrência de furacões, secas e outros eventos climáticos severos? Sim. A “solução” preguiçosa dos letrados para esse problema real se concentra em fazer uma mudança climática por meio da redução de emissões de um elemento, o carbono, que hoje se acredita (de uma forma um tanto simplista) ter um grande impacto no clima.

O preço de muitos produtos e serviços “essenciais” aumenta substancialmente como consequência imediata de desastres naturais? Sim. A “solução” contraproducente dos letrados a esse falso problema — “contraproducente” e “falso” porque esses preços altos são um reflexo e um sinal das realidades econômicas subjacentes — é proibir que esses preços altos sejam cobrados e pagos. Quando pressões inflacionárias se acumulam por causa de um crescimento monetário excessivo, essas pressões são aliviadas na forma de um aumento de preços? Sem dúvida. A “solução” infantil ao problema muito real da inflação é colocar a culpa na ambição e aumentar a tributação dos lucros.

O vírus Sars-CoV-2 é contagioso e potencialmente perigoso para os humanos? Sim. A “solução” simplória para esse problema real é impedir à força que as pessoas se encontrem umas com as outras.

Muitos norte-americanos ainda não recebem uma educação de nível básico e médio de qualidade minimamente aceitável? Sim. A “solução” preguiçosa dos letrados para esse problema real é dar aumentos para os professores e gastar mais dinheiro com os administradores de escola.

A realidade social é vista como uma criança a veria: simples e fácil de manipular para conseguir realizar os desejos que motivam os manipuladores

Os trabalhadores norte-americanos perdem seus empregos quando os consumidores norte-americanos compram mais itens importados? Sim. A “solução” dos letrados é obstruir a capacidade dos consumidores de comprar produtos importados. Algumas pessoas são preconceituosas, agressivas e têm uma antipatia ou um medo irracionais de negros, gays, lésbicas e bissexuais? Sim. A “solução” dos letrados para esse problema real é proibir o “ódio” e forçar os preconceituosos a se comportarem como se não fossem preconceituosos.

Muitas pessoas que podem votar em eleições políticas deixam de fazê-lo? Sim. A “solução” favorecida por pelo menos parte dos letrados a esse falso problema —“falso” porque em uma sociedade livre cada pessoa tem o direito de se abster da participação política — é tornar o voto obrigatório.

A lista acima de “soluções” simplistas e superficiais para problemas reais e imaginários pode ser facilmente explicada.

Os letrados, confundindo palavras com realidade, supõem que o sucesso em descrever realidades que lhes sejam agradáveis prova que essas realidades imaginadas podem facilmente ser concretizadas apenas reorganizando os fenômenos relevantes da superfície. Membros dessa elite ignoram as consequências inesperadas. E menosprezam o fato de que muitas dessas realidades sociais e econômicas que eles abominam são resultado não da vilania ou de imperfeições que podem ser corrigidas, mas de concessões complexas feitas por incontáveis indivíduos.

A engenharia social parece factível apenas para as pessoas que, enxergando apenas relativamente poucos fenômenos da superfície, estão cegas para a surpreendente complexidade que está em constante atividade abaixo dela para criar esses fenômenos. Para elas, a realidade social é vista como uma criança a veria: simples e fácil de manipular para conseguir realizar os desejos que motivam os manipuladores.

Os grupos de letrados estão esmagadoramente cheios de pessoas simplórias que confundem sua felicidade com palavras e suas boas intenções com ideias sérias. Elas transmitem para si mesmas, e para o público desavisado, a aparência de serem pensadoras profundas enquanto raramente pensam com mais nuance e sofisticação do que se vê em todas as salas do jardim de infância.


Publicado originalmente em AIER

Donald J. Boudreaux é pesquisador sênior do Instituto Brownstone, professor de economia da Universidade George Mason, onde faz parte do Programa F.A. Hayek para Estudos Avançados de Filosofia, Política e Economia no Centro Mercatus. Sua pesquisa se concentra em comércio internacional e leis antitruste. Ele também escreve para o Café Hayek

Leia também “O pecado da brancura”

8 comentários
  1. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Excelente

  2. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Gostei dessa terminologia – os letrados- para referir-se a nossos onipresentes “ iluminados”, essa categoria que se sente no direito de nos impor suas ingênuas e irrealizáveis soluções. Vamos todos nos dar as mãos, fechar os olhos e cantar IMAGINE, de John Lennon, como alguém já disse com muita razão e sarcasmo. Assim solucionaremos tudo!

  3. Raul José De Abreu Sturari
    Raul José De Abreu Sturari

    Parabéns.
    Brilhante artigo.
    Os letrados querem implantar governos tirânicos para satisfazer seus desejos de moldar a sociedade como acreditam que ela deveria ser.
    São um enorme perigo para a democracia.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Parabéns. Infelizmente, essa praga desses letrados está se espalhando rapidamente pelo mundo ocidental.

  5. Andreia Rodrigues Gomes
    Andreia Rodrigues Gomes

    “Os letrados” propõem soluções simples para problemas complexos. Infantis, ingênuos, e para piorar, arrogantes.
    Parabéns pelo artigo.

  6. Atilio Alvares Monteiro
    Atilio Alvares Monteiro

    Ótima anáslise. É exatamente isso que se vê hoje, por todo lado que se olhe.

  7. Hans Staden
    Hans Staden

    Todo mundo sabe que os políticos de esquerda vivem no jardim da infância.

    Suas soluções nunca dão resultado, e no fim, são apenas engodo para disfarçar esquemas criminosos.

    Daremos nossa resposta mostrando a força do ensino superior da direita nas urnas em outibro, reelegendo o PR Bolsonaro.

    1. Dante Favilla
      Dante Favilla

      Gostei do seu pseudônimo!

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