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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 128

Pior que eleições é não realizar eleições

Campanhas políticas são sórdidas, candidatos são desonestos. Mas a democracia continua a menos pior das opções

Theodore Dalrymple
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Eleições são cada vez mais tediosas nos países modernos porque parecem durar para sempre. Assim que alguém é eleito, essa pessoa começa a fazer campanha para a próxima eleição, assim como todas as pessoas ao seu redor ou que fazem oposição a ela. As eleições se tornaram uma condição permanente da humanidade.

Nem é preciso dizer que campanhas eleitorais não são necessariamente a melhor forma de descobrir a verdade sobre nada. O debate durante uma campanha consiste basicamente em acusar e contra-acusar, junto com uma forte dose de autopromoção.

As condições da vida política na democracia ocidental se tornaram tão terríveis que apenas um tipo de gente consegue ter êxito nela, e não necessariamente o melhor tipo de ser humano, para dizer o mínimo. Se você entra para a política de forma séria, toda a sua vida se torna uma espécie de investigação policial sobre o seu passado. E, como a maioria de nós tem coisas no passado que não gostaria que fossem reveladas ao olhar lascivo da multidão, apenas as pessoas com couro de rinoceronte, capazes de enfrentar ou tolerar revelações vergonhosas sobre si mesmas (em outras palavras: os imorais), conseguem avançar na política.

Isso só pode piorar nos próximos anos, uma vez que atualmente todo mundo deixa um rastro eletrônico da própria vida. Se eu, Deus me livre, entrasse para a política, ninguém poderia, graças a Deus, descobrir muito sobre mim quando eu tinha, digamos, 28 anos: não deixei rastro ou pelo menos nenhum rastro que não possa ser negado. No futuro, no entanto, vai haver muito pouca gente nessa grata posição, graças ao narcisismo em massa incitado pelas chamadas mídias sociais. Ou seja, a qualidade dos nossos notáveis políticos só pode piorar, e aqueles que entram para essa vida só serão cada vez mais imorais (a menos que sejam santos, mas santos não entram para a vida política). Cada palavra que uma pessoa já disse, cada pose que ela já fez serão filtradas por seus oponentes em busca de evidências de corrupção moral. Dessa forma, o descaramento será promovido junto com o puritanismo, uma combinação muito pouco atraente e favorável.

O topo do pau de sebo

Claro, ainda existem pessoas que não se exibem nas redes sociais, mas elas provavelmente não são o tipo que resulta em aspirantes a políticos. Cada vez mais, os políticos são o tipo de gente que precisa de uma plateia para existir, mesmo para si mesma. Essas figuras não são exatamente novas. Certa vez perguntaram a John Maynard Keynes, o famoso economista que conheceu pessoalmente David Lloyd George, primeiro-ministro britânico da época, o que ele achava que Lloyd George pensava quando estava por conta própria. “Quando Lloyd George está sozinho, não tem ninguém ali”, respondeu Keynes. Em outras palavras, tudo a respeito dele era uma performance: atrás da fachada havia outra fachada.

David Lloyd George, ex-primeiro-ministro britânico | Foto: Reprodução

Não sei se estou romantizando o passado, mas parece que os políticos se tornaram ainda mais vazios. Recebi a incumbência de resenhar as memórias do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron (claro, só concordei fazer isso pelo dinheiro), que tinham 700 páginas em uma fonte bem apertada.

Cada vez mais, os políticos são o tipo de gente que precisa de uma plateia para existir, mesmo para si mesma

Deve ser difícil escrever 700 páginas sem expressar um único pensamento interessante ou mesmo surpreendente, descrever crises como se fosse a tabela dos horários do trem, conhecer as pessoas mais poderosas do mundo sem notar nada de minimamente interessante ou significativo sobre elas, sem fazer um único comentário divertido, mas Cameron conseguiu, com folga. Ele não manifestou nenhum interesse cultural, e só se pode concluir que sua única característica excepcional era a ambição, uma avidez pelo cargo e os privilégios decorrentes dele. Porque ninguém chega ao topo do pau de sebo, por assim dizer, por acidente, sem ambição.

David Cameron, ex-primeiro-ministro britânico | Foto: Divulgação/Coroa Britânica

Então é natural que a população sinta desprezo pela classe política como um todo. Desconfio que algumas pessoas tenham entrado para a vida política com alguma convicção e um desejo de fazer o bem, mas elas logo caíram no esquecimento ou foram tragadas pelo atoleiro moral para que suas carreiras avançassem. Notei algo semelhante nos hospitais: quando um médico que pode ter sido da mais alta qualidade é cooptado pela administração, ele quase imediatamente começa a soar como um diretor. Começa a falar de uma forma completamente diferente da dos seres humanos normais, e menciona demitir pessoas da equipe, como se isso fosse a melhor coisa que poderia acontecer com elas.

Contenção da maldade

Mas o homem é um animal político, como Aristóteles comentou algum tempo atrás, e os políticos são bem parecidos com os pobres de acordo com o Evangelho: “Porquanto sempre os tendes convosco”. E, mesmo com as características comuns dos políticos — vaidade, exibicionismo, falsidade, ambição, narcisismo, desonestidade, egoísmo, cinismo e crueldade, para citar apenas algumas das menos atraentes —, existem sempre os melhores e os piores. Pelo menos no que diz respeito às políticas que promovem, se não às suas qualidades morais individuais.

E, mesmo que não houvesse nenhuma diferença entre eles, as eleições seriam uma coisa boa, porque a possibilidade de perder uma eleição deveria funcionar como algum tipo de contenção em sua maldade, mesmo que seja apenas pelo medo de serem descobertos. O fato de serem passíveis de substituição num futuro próximo deve conter um pouco sua tendência à megalomania, algo que um mandato ou o poder vitalício não fazem.

Eleições 2022: urna eletrônica promete ser mais rápida
Foto: Roberto Jayme/TSE

Por isso, a indiferença maciça ao campeonato político em uma democracia é perigosa, assim como o entusiasmo excessivo por ele. Nesse caso, porque o ódio pelos demais — pela oposição, por quem pensa diferente de você — é de longe a mais forte das emoções políticas. A alegria de prejudicar ou afrontar os outros é muito mais forte que o prazer de fazer o bem, pelo menos em uma escala geral.

Portanto, é preciso manter tanto nossa esperança quanto nosso desgosto dentro de certos limites. E é preciso votar em alguém, mesmo que, para isso, seja necessário tampar o nariz.

Leia também “O animal político”

9 comentários
  1. JOSE FERNANDO CHAIM
    JOSE FERNANDO CHAIM

    Muito bom!!!

  2. Daniel BG
    Daniel BG

    A verdade e a democracia são fundamentais para os eleitores na hora do voto (eis a questão válida levantada pelo presidente sobre as urnas eletrônicas que não podemos conferir os votos).
    Realmente, não é para qualquer um a “arte”de fazer política, mas os políticos que mentem são os piores, para não mencionar um judiciário se metendo na política.

  3. Sebastiao Márcio Monteiro
    Sebastiao Márcio Monteiro

    Traduziu em palavras tudo o que pensamos sobre os políticos. Perfeito!

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo artigo. Parabéns. Vide o que aconteceu no Chile, Colômbia, Argentina para ficar nesses exemplos. Nos dois primeiros países a abstenção da população elegeu esquerdopatas e no último também elegeu esquerdopata, mas não por abstenção e sim por burrice, estupidez e idiotice dos eleitores. Por isso, Bolsonaro 2022.

  5. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Adorei o texto

  6. Maria Cristina Cordeiro Batista
    Maria Cristina Cordeiro Batista

    Perfeito!

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Perfeito para esse mundo da política

  8. Pedro Henrique Pedrosa De Oliveira
    Pedro Henrique Pedrosa De Oliveira

    Perfeito!

  9. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Gosto muito de ler os seus textos, Sr. Theodore. O Senhor é 10.

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