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bandeira Israel
Bandeira de Israel em Jerusalém | Foto: Shutterstock
Edição 189

A nação da solidariedade

A guerra contra o Hamas mobilizou todo o país na ajuda aos soldados e à população prejudicada pelos ataques terroristas

Eugenio Goussinsky
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Em Israel, mesmo quando não há qualquer guerra à vista, as pessoas se cumprimentam falando “shalom”, palavra que significa “paz”. Na linha de combate, na orla da praia, em quartéis, bares, escolas, locais religiosos. Esse é o desejo de norte a sul, seja nas cidades, no deserto, seja nas matas da Galileia. Dos pais para os filhos, para os amigos, até para os inimigos — até porque, quando houver paz, não haverá inimigos. Quando a paz não é possível, há uma frase que a complementa: “Am Yisrael Chai” (“O povo de Israel vive”). 

É a ela que, neste momento, o país mais uma vez recorre. Uma rede de solidariedade se formou, vinda de dentro e de fora de Israel, para que a nação não sucumba aos ataques do Hamas que começaram no dia 7 de outubro, quando foram assassinadas 1,4 mil pessoas.

A assistência cobre qualquer necessidade. Há entidades que fornecem desde casacos até utensílios para soldados, passando por comida para as cerimônias religiosas, refeições, auxílio nos enterros e tratamentos psicológicos. Advogados também têm se organizado para dar assistência jurídica no combate ao antissemitismo em todo o mundo.

“O trabalho da população tem sido intenso, com voluntários vindos de todas as partes do país”, diz o rabino Shai Graucher, da organização Chessed V’Rachamim (“Bondade e Compaixão”). “É muito importante estarmos todos juntos agora. E estamos. Israel está mais forte.”

Instituições judaicas no mundo todo, especialmente nos Estados Unidos, têm enviado mantimentos, medicamentos, equipamentos eletrônicos e dinheiro. Desde o primeiro ataque, foram arrecadados mais de US$ 2,3 milhões só pela Chessed V’Rachamim para serem destinados a familiares de vítimas ou pessoas que perderam suas casas.

Membros da comunidade do kibutz de Kfar Aza seguram faixas durante uma manifestação em apoio às famílias dos reféns detidos em Gaza, capturados no ataque mortal de 7 de outubro por terroristas do Hamas, em Tel Aviv, em Israel (2/11/2023) | Foto: Reuters/Ammar

Todo o esquema de ajuda nacional foi organizado em menos de dois dias. Espaços para convenções, salões, clubes e escolas, entre outros locais, foram preparados para se tornarem centros de distribuição. Milhares de pessoas se esbarram, andando de lá para cá, encaixotando produtos, fazendo triagem ou cadastrando voluntários.

“Rebbe” Graucher, como é chamado, também atua como empresário e vinha trabalhando na área de assistência desde antes da guerra. A preocupação dele era com o fato de a sociedade israelense estar, naquele período, mostrando-se desunida por questões políticas. “Menos importantes para o destino do país”, acredita.

Graucher diz que “o antissemitismo não vai vencer” e que o país tem recebido ajuda de todas as partes do planeta, “inclusive vindas do Brasil”. Segundo o rabino, os israelenses nascem com a consciência de que, mais do que governos, é a união que levanta um país. O patriotismo faz parte da identidade de cada israelense. Médicos aprendem desde cedo a cuidar de galinheiros. Agricultores se tornam cozinheiros. Engenheiros viram tutores de crianças. E por aí afora. 

Centenas de organizações mostraram que continuam eficientes em cobrir qualquer carência, enquanto mísseis caem em território israelense

Uma das prioridades de Israel foi criar uma indústria forte de alimentos para que o país não dependesse de nenhuma importação em momentos de urgência. Desde o nascimento, Israel sabe que precisa suprir as próprias necessidades emergenciais.

Momentos de união

Durante anos, essas práticas de solidariedade não precisaram ser utilizadas com tanta intensidade. A última vez que isso ocorreu nessa proporção foi nos anos 1970, quando o país enfrentou a Guerra do Yom Kippur.

Nos anos 1990, época de acordos de paz, Israel se inseriu no mercado internacional de tecnologia. Modernizou sua infraestrutura, e a população passou a se apegar mais aos bens materiais. 

Mas a guerra atual mostrou que a essência solidária do país não desapareceu. Desta vez, centenas de organizações mostraram que continuam eficientes em cobrir qualquer carência, enquanto mísseis caem em território israelense e soldados estão no campo de batalha.

Numa dessas organizações, a Lev Echad, com unidades em várias cidades, o brasileiro Henrique Kagan, de 56 anos, abriu mão de seu emprego para se tornar um dos milhares de voluntários. Morador de Haifa, ele atravessa o país, arcando com o custo do combustível com o próprio bolso, para ajudar soldados em abrigos. Muitos deles estão em pensões cedidas pelos proprietários.

Manifestantes pró-Israel protestam durante o conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, perto de Downing Street, em Londres, na Inglaterra (9/10/2023) | Foto: Reuters/Anna Gordon

Kagan foi até bases em Kriat Shmona, Galileia, Naharia e Haifa. Numa das vezes, levou chalás (pães judaicos) para a cerimônia do Shabat (sábado). Em outra, providenciou produtos de supermercado: ovos, pães, queijo.

“Em Kriat Shmona, que foi evacuada, levei caixas fechadas específicas para pessoas idosas, que permanecem na cidade”, disse. “Eles não têm nada. Nem para onde ir.”

A rotina voluntária é atribulada. O brasileiro também foi incumbido, pela central em Haifa, de deixar em uma base alimentos enviados pelas mães de soldados. “Também já deixei em outra base um montão de pizzas doadas por restaurantes de Haifa e dos arredores”, afirma.

Essa experiência tem sido um grande aprendizado. “Fui a um local perto de Naharia, era uma pousada”, conta. “Havia capacetes espalhados, roupas no chão, uma bagunça típica de jovens. Vi lá meninos que têm a idade da minha filha, e eles me trataram com muita gratidão.”

O clima de união, tão presente nas primeiras décadas desde a Independência, voltou a predominar. Israel parece estar voltando no tempo para poder olhar o futuro. Junto com o alerta, um estado de espírito de confiança emerge em cada canto.

“A solidariedade é geral; estamos ajudando no que é necessário, com o que cada um está precisando”, afirma Ami Dror, um empreendedor que coordena um centro de ajuda montado em Tel Aviv. O complexo tem escala industrial, com uma ala destinada a empacotar alimentos e utensílios, outra para distribuir brinquedos para crianças, e até um setor que auxilia, por meio do cruzamento de informações, na identificação dos mortos e na busca por desaparecidos nos ataques do Hamas.

“Temos recebido suporte de todas as partes do mundo”, conta. “Enviam de fora ou de dentro do país alimentos, medicamentos, acessórios militares e até produtos que compram em supermercados só para nos trazer.”

A trajetória de Dror como empresário ilustra como a ação voluntária acompanha Israel desde a origem. Uma das iniciativas visa a ajuda a países carentes, como Serra Leoa. Lá ele criou a primeira empresa de tecnologia do país africano, localizada na vila rural de Ponka. O projeto teve grande impacto social ao fornecer serviços tecnológicos terceirizados para empresas internacionais de tecnologia.

Dror é um símbolo de como a interação com outras nações se tornou uma prática comum para os israelenses. Desde os anos 1950, a nação judaica passou a ter como prioridade a parceria com países africanos. 

Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel | Foto: Wikimedia Commons

Em 1958, Golda Meir, então ministra das Relações Exteriores, retornou de uma visita ao continente sensibilizada com as dificuldades enfrentadas. A determinação dela em prestar auxílio possibilitou a criação de uma Agência Nacional para o Desenvolvimento da Cooperação Internacional, chamada Mashav, que presta ajuda humanitária ao redor do mundo. 

A entidade promove a transferência de conhecimento e de tecnologia, além do envio de materiais em busca do desenvolvimento de nações onde há carência e miséria. Também atua em situações de catástrofe.

Nos últimos anos, Israel auxiliou regiões vítimas de terremotos, furacões e desabamentos. Foi assim, por exemplo, com o envio de equipes para ajudar no resgate das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. Em setembro de 2023, depois do terremoto no Marrocos, país de maioria muçulmana, profissionais israelenses estavam presentes para ajudar no atendimento aos necessitados.

Participação do governo

No atual confronto com o Hamas, o povo mobilizado atua junto com o governo. E facilita o trabalho de ministérios, como o de Bem-Estar e Assuntos Sociais. A pasta organizou às pressas um programa para dar suporte às cerca de 200 mil pessoas que foram deslocadas no país.

Tanto no sul quanto no norte, os atritos com o Hezbollah fizeram o governo evacuar várias cidades fronteiriças. O governo financiou a hospedagem de 88 mil pessoas em hotéis que se disponibilizaram a recebê-las por custos módicos, quando não gratuitamente. “Foram criados setores de emergência em vários ministérios para atender os necessitados”, conta Rafael Erdreich, cônsul de Israel em São Paulo e na Região Sul do Brasil.

Auxílio às startups

As startups têm merecido especial atenção. O setor é em grande parte responsável pela inserção do país no mercado internacional. Representa 15% do Produto Interno Bruto (PIB) israelense, de US$ 495,7 bilhões em 2022, e é responsável por 14% dos empregos, de acordo com o Escritório Central de Estatísticas de Israel.

Cerca de 15% dos funcionários dessas empresas inovadoras foram convocados para as Forças de Defesa de Israel (FDI). Para que as empresas sobrevivessem, um lema passou a correr o país: “Vocês nos ajudaram, vamos ajudá-las agora”. 

O conhecido empresário de alta tecnologia Izhar Shay, por exemplo, perdeu o filho Yaron, morto em combate no dia 7 de outubro. Izhar iniciou uma campanha cujo objetivo é criar 1,4 mil startups no país, em homenagem às vítimas do terrorismo do Hamas.

“Estamos motivados a juntar os cacos e construir algo novo, mas está claro para nós que não voltaremos ao que era antes”, disse ao portal CTech. “A vida continuará ao lado da dolorosa consciência de que perdemos um filho tão querido para nós.”

Ao mesmo portal, Shlomi Ben Haim, CEO israelense da empresa JFrog que mora na Califórnia, decidiu voltar para Israel assim que a guerra começou. Lá estão 800 dos 1,5 mil funcionários da corporação. “Quando o conselho perguntou por que eu estava viajando para Israel, eu disse que precisava estar lá com nossos funcionários.”

“Desamparo” não é uma palavra que se encaixe na atual situação das startups. Foram criadas, também a toque de caixa, organizações como a Don’t Matter What. A missão é não deixar o setor sucumbir, para que a guerra não destrua a criatividade.

Livro Nação Empreendedora: O Milagre Econômico de Israel e o Que Ele nos Ensina, de Dan Senor e Saul Singer | Foto: Reprodução

“Há algo que o mundo precisa ouvir sobre a tecnologia israelense”, diz nas redes sociais o idealizador, Amit Levi. “Nós entregamos o produto, não importa o que aconteça.” Ele descreve como a corrente de apoio tem fortalecido o setor. “Nas últimas semanas, tem sido emocionante receber inúmeras mensagens de parceiros de negócios em todo o mundo, entrando em contato, verificando se está tudo bem e enviando suporte”, observa. “As pessoas costumam perguntar: ‘Como posso ajudar?’.”

Levi tem a resposta. A mesma de entidades como a Iron Nation, fundo emergencial para as startups. “Acredito que a resposta seja simples: nada, não mude nada”, explica. “Continue trabalhando conosco, continue investindo em nós, continue fazendo parceria conosco. É disso que precisamos agora.” Ele completa: “Em Israel, resiliência não é só um slogan.”

O professor Saul Singer — coautor do livro Nação Empreendedora: O Milagre Econômico de Israel e o Que Ele nos Ensina — costuma dizer que Israel é uma startup moldada pelo espírito de um povo. O que prevalece no país é o desejo e a necessidade de resistir. Em meio à tragédia da guerra, é preciso seguir em frente. Solidariedade, para o israelense, também é um empreendimento.

Leia também “Os irmãos Batista atacam de novo”

4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Espero um dia conhecer este grande país.

  2. Jenielson Sousa Lopes
    Jenielson Sousa Lopes

    Israel de pé é a prova de que o Deus da Bíblia é verdadeiro.

  3. Ana Raquel Melo de Lima e costa
    Ana Raquel Melo de Lima e costa

    Meu Deus,que exemplo de nação .

  4. lucia escobar faria travesso
    lucia escobar faria travesso

    Israel mostra os corpos dos mutilados pelo Hamas, mas o Hamas não mostra os “milhares de mortos”

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