O perigo do confinamento mental

Os efeitos colaterais do combate à epidemia também custarão vidas — e esse custo está sendo gerado agora

A FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas) emitiu um alerta sobre o risco de se chegar a uma escassez de alimentos por conta das paralisações mundiais. É um dos primeiros documentos significativos sobre as perspectivas reais de colapso planetário — e muitos outros virão. Aliás, já estão atrasados. É fundamental que projeções consistentes apareçam, trazendo a visão (grave) de futuro imediato que o mundo resolveu negligenciar. Deixar para pensar nisso quando a epidemia passar será tarde demais.

O alerta da FAO foi assinado em conjunto com a Organização Mundial do Comércio e com a OMS, que é a referência para as diretrizes contra o coronavírus — incluindo as medidas de distanciamento social. É, portanto, a constatação oficial de que é preciso aprimorar a equação entre confinamento e paralisação das atividades humanas, porque os efeitos colaterais do combate à epidemia também custarão vidas — e esse custo está sendo gerado agora.

O problema é que, antes da escassez de alimentos, o que começou a escassear foi a liberdade. Os que tentam trazer alternativa ao chamado isolamento horizontal — todo mundo em casa — são tratados como hereges. Ou assassinos, nas abordagens menos simpáticas. Se alguém sonhou com a criação de um tabu universal, esse sonho se realizou.

A verdade é que as autoridades na maior parte do mundo não se arriscam na avaliação de modelos de circulação restrita e controlada. Elas estão intimidadas pelo tabu.

Como chegamos a essa situação? Em primeiro lugar, pela epidemia de medo — que em parte é inevitável diante de uma ameaça real e disseminada à saúde de todos.

Mas o balanço entre o medo e o discernimento se perdeu na gritaria.

Fique em casa, cale a boca e fim de papo. O público sequer procura a separação entre as mortes causadas pelo coronavírus e aquelas em que ele não foi o fator letal. Os números vão sendo empilhados nas telas e acuando a todos em suas casas. Botar o pé na rua virou risco de vida.

O mundo vai ter que botar o pé na rua para não morrer de confinamento — e, como a FAO já começou a alertar, essa será uma morte lenta. E que mata muito mais gente, por muito mais tempo. Por isso é no mínimo estranho que os planos de circulação restrita — ou isolamento vertical — não estejam na mesa, mesmo para eventualmente serem reprovados. É o tabu.

O coronavírus não fica no ar. As medidas de distanciamento pessoal e higiene são conhecidas, assim como os grupos de risco. Seria necessário, naturalmente, um controle rigoroso contra aglomerações e aproximações, com uma ação implacável de bloqueio dos vulneráveis e sintomáticos — enfim, um novo estatuto de convivência dentro de uma economia de guerra. É difícil de operar? É. E daí?

A humanidade está trancada em casa.

Ela tem a obrigação de procurar a saída — de forma engenhosa e responsável. É um dever de sobrevivência.

Por que não partir para experiências-piloto em zonas pontuais onde a epidemia tem tido menos impacto? Por que não testar o isolamento vertical em poucas cidades selecionadas, com uma força-tarefa de segurança e saúde para organizar o cumprimento estrito das medidas de circulação e bloqueio do contágio, com monitoramento especial para os exames e os quadros de internação? São perguntas de um leigo tentando furar a patrulha do pensamento.

Essa patrulha não vem só do medo. Infelizmente, há os inconfessáveis surfistas da tragédia. Hoje nem tão inconfessáveis assim — depois que alguns perderam a inibição e passaram a afirmar publicamente que a epidemia será uma bem-vinda depuração política. Contando ninguém acredita. Ao menos são sinceros.

Esse novo e desinibido nazismo de boa aparência está de mãos dadas com tiranetes locais — que no Brasil são os mesmos que vinham tentando sabotar as reformas e a reconstrução nacional, movidos por seus fetiches eleitorais.

Na vida de um parasita, o surgimento de um vírus é como a chegada de um irmão.

Trata-se, portanto, da mesma sabotagem do último ano. Ela apenas ficou mais doente.

Gente honesta sendo algemada na rua, decreto proibindo carro de circular ou gente de se expressar, canetadas trancando vias e cadeias de produção — essas mesmas cujo bloqueio poderá levar à fome mundial, agora prevista pela FAO. E tem também plataformas proibindo e tirando do ar conteúdo que supostamente contraria as diretrizes de combate à epidemia, subestimando a capacidade de discernimento do público, até para poder execrar quem ele ache que deva execrar. A censura é o ovo da serpente.

No atual estado de paralisia geral, maio é longo prazo e agosto é futuro remoto. Se o mundo não se livrar agora do confinamento mental, a epidemia terá sido só o começo de uma tragédia bem maior.

 

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3 comentários Ver comentários

  1. Caro Guilherme Fiuza, inicialmente quero afirmar ao jornalista que não existe no nosso país quarentena horizontal em metade da população pobre que mora numa casa de cômodo único com um aglomerado de mais de 7 pessoas. Nas favelas do RJ, nos alagados de Recife e nas palafitas de Manaus isto é uma grande mentira. Só fazem quarentena horizontal os ricos, os de renda alta e os funcionários públicos que pensam que não serão atingidos nos seus salários. Tem mais não se faz horizontal nem vertical. Os números de contágio no Brasil estão subnotificados. E o nosso percentual de mortes numa população de 100 mil hab. é de 1%. Logo essa medidas são inócuas e o certo seria voltar o mais rápido ao trabalho coma abertura do comércio, shoppings, escolas e trabalhos autônomos. O motivo disto cabe uma discussão maior , porém um fato é que vivemos num país tropical com temperaturas acima de 28ºC e o vírus se atenua na propagação.

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