Economia vive de expectativa. Economia é feita de gente que precisa de expectativa, de noção de futuro, de enxergar caminhos para manter a essência darwiniana da espécie: o avanço, a evolução. Tire a perspectiva de olhar adiante e se encontrar lá na frente do ser humano e ele se perde.
A economia brasileira tem dado voltas em torno de si mesma com números laterais de alguma melhora aqui ou ali, que trazem algum alento, mas que não se sustentam no longo prazo. O país permanece à espera de condições para criar um cenário mínimo de expectativas e engatar uma retomada pujante. Não tem conseguido. A errática política econômica do governo de um Lula verborrágico e inconsequente em declarações desconexas aprisionou a economia do país em uma masmorra de insegurança jurídica dentro de um buraco fiscal negativo que só aumenta. Não é um túnel. É um buraco onde a vida brasileira, sob uma estranha democracia que tem presos políticos e julgamentos sem o devido processo legal em pleno ano de 2024, é forçada, quase sem poder de reação, a conviver com mudanças de regras tributárias no tapetão do ativismo judicial supremo. Não bastasse isso, a distorção do pacificado conceito da previsibilidade, da razoabilidade e da proporcionalidade em suas decisões é anabolizada por um Executivo sem o menor pragmatismo governamental de sequer defender as contas do país. O investidor privado, brasileiro ou estrangeiro, prefere esperar. Em democracias onde as liberdades e direitos de seus cidadãos correm risco, a liberdade econômica não se sente segura.
Confesso que havia me programado para trazer notícias boas nesta crônica semanal em Oeste. E o Brasil é tão pródigo em dar a volta por cima ou em conseguir desviar de problemas no caminho que isso era possível. E o exemplo desse nosso talento é recente. Uma história real de como passamos por problemas que poderiam fazer desandar nossa sensível economia mas que se tornaram apenas um solavanco momentâneo pela atuação de gente com pensamento republicano. Se o Brasil não é para amadores, como diz a frase normalmente usada como depreciativa, quando profissionais certos chegam, vêm para fazer o certo acontecer.
O caso bem-sucedido do talento nacional de arranjar soluções próprias para problemas próprios aconteceu no governo de Michel Temer, em maio de 2017.
Até aquele momento, o governo Temer era um sucesso de recuperação econômica do país e de estatais, como a Petrobras, depois de suceder o trágico governo Dilma. Logo ao assumir o governo, em 12 de maio de 2016, Temer e seu grupo político uniram forças para a aprovação da Lei das Estatais, uma ação moralizadora e de eficiência em gestão, com maior controle público e proibição de ingerência política nas empresas que haviam sido empurradas ao limbo de escândalos de corrupção e perda de valor pelos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.
A reforma de modernização da legislação trabalhista caminhava a passos certeiros no Congresso, a economia tinha Henrique Meirelles, no Ministério da Fazenda, com um plano de retomada de um Estado menos interventor, aberto à iniciativa privada e com forte austeridade fiscal para recuperar o país do pesadelo da explosão de gastos. No Banco Central, Ilan Goldfajn trabalhava com autonomia para conter a inflação e recuperar o poder de compra da moeda. Foi um combo de sensatez com nomes de competência reconhecida, técnica administrativa apurada, parceria reformadora com o Congresso e um presidente disposto a sacrificar sua popularidade em nome da reconstrução de um país que vinha de dois anos de recessão. E que conseguiu!
O caso da crise barulhenta, que prometia derrubar a decolagem do Brasil e foi transformada em passageira, aconteceu no dia 17 de maio de 2017, em meio a um cenário de um país que voltara aos trilhos da parceria entre a opinião pública, o setor privado e o governo. No dia anterior, uma gravação divulgada pelo empresário Joesley Batista, do frigorífico JBS, trazia uma conversa dele com o presidente Michel Temer. A exploração política do caso sugeria que o presidente o aconselhava a comprar o silêncio de Eduardo Cunha, que fora presidente da Câmara. A Bolsa de Valores de São Paulo colapsou, fechou com perdas de 9% e teve várias interrupções do pregão (circuit breaker) para evitar quedas maiores. Era um clima de insegurança e de enorme instabilidade política que poderia gerar uma paralisação do governo e a ameaça de um novo processo de impeachment em pouco mais de um ano.
Era inegável o momento ruim da política. Mas incrivelmente a economia logo se recuperaria, com a percepção clara do setor privado de que governo não abandonaria seus planos de austeridade com o compromisso de equilibrar as contas públicas, modernizar a economia e atrair investimento estrangeiro. O Banco Central continuaria autônomo no controle da inflação e da política monetária, e o Congresso manteria minimamente o foco, mesmo com a oposição petista esticando a corda. Era completamente sem sentido o Lulismo e Dilma tomarem para si o discurso da ética e da eficiência. Tinham acabado de ser apeados do poder depois de legarem ao país o maior escândalo de corrupção e a maior crise econômica de nossa história. Incrivelmente, tiveram o apoio da imprensa dócil ao petismo, a mesma aliada hoje a Lula 3, mas sem sucesso. Temer continuou.
Fato é que, à época, apesar do barulho da política, os mercados se acalmariam em seguida e o Congresso aprovaria a reforma trabalhista logo em julho do mesmo ano. O que o Brasil perdeu foi a oportunidade, em seguida, de fazer a reforma da Previdência, dada a perda do capital político de Temer, mas que viria a ser feita em tempo recorde logo no primeiro ano do governo Bolsonaro. O Brasil surpreende.
Naquele ano de 2017, o PIB cresceu 1%, posteriormente revisado para cima, em 1,3%, saindo de uma recessão de dois anos seguidos com quedas de 3,5% e 3,3%. Em 2018, um novo crescimento da economia: 1,8%.
Nesse particular, o governo Michel Temer, dada a resiliência de seu plano econômico, a decisão de preservar e manter o governo funcionando, apesar da instabilidade política e da forte campanha contra sua continuidade, é um caso de sucesso notável de descolamento da economia pragmática em relação à agenda candente dos partidos e dos políticos. Conseguiu-se, ali, delimitar o estrago e reduzir sua influência na vida do país. O Brasil finalmente se descolara de Brasília, uma inovação.
Tempos depois, é evidente que não foi o mercado que conseguiu se descolar sozinho da influência de um ambiente político negativo e com muito ruído. Ao manter o seu plano de recuperação econômica de metas fiscais responsáveis, de redução da inflação, de reformas estruturais e de modernização e moralização do país, sobretudo nas estatais, mesmo sendo o próprio presidente acusado de desvio ético, o governo manteve o rumo. A economia foi preservada dentro da administração Temer, que viria a ser inocentado posteriormente.
O titular da Fazenda pediu recentemente que o Banco Central não considere o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul, que o governo patina vergonhosamente em ajudar na recuperação, no cálculo da inflação. Como assim?
Então, o que nos diferencia para não termos agora o necessário descolamento da economia diante de um governo que se enfraquece diariamente e põe em risco o futuro do país?
Essencialmente, dois aspectos: Lula, ele próprio, que não tem a menor condição e coragem de ser um Temer; e a ausência de um plano de governo efetivo e eficiente de recuperação econômica e de responsabilidade fiscal a que seguir, a que dar continuidade. Se não há plano bom, como houve na gestão Temer, faz-se o quê? Percebe o nó atual?
E as decisões de Lula 3 são insustentáveis. A tentativa de reoneração via liminar do Supremo foi o último desastre institucional. O arcabouço fiscal, com menos de um ano, já teve metas alteradas para permitir mais gastos ao governo, que já mudou também a composição do Carf para ter maioria em disputas tributárias, visto que a política do ministro Haddad é de arrecadação a qualquer custo. O titular da Fazenda pediu recentemente que o Banco Central não considere o impacto da tragédia no Rio Grande do Sul, que o governo patina vergonhosamente em ajudar na recuperação, no cálculo da inflação. Como assim? Sem contar o escândalo do “Arrozão” e a incapacidade de conversar com os produtores gaúchos. O Congresso percebeu a bagunça e já impõe freios. Os empresários também, até os que acreditaram na inacreditável tese do amor e da democracia. O STF, que tem quase um consórcio com Lula, é uma incógnita, porque parece ter perdido seus esteios de autocontenção institucional, adepto que é de julgar tudo, uma fonte de insegurança jurídica infinita. No momento em que escrevo esta coluna, vejo no noticiário político-econômico que Lula, que não para de reclamar de Roberto Campos Neto, ainda resiste em cortar gastos e desfila seu desconhecimento atroz sobre as contas do governo e alternativas de recuperação. Pelo contrário, as vaidades de donos de ideias ruins e atrasadas não se cansam de tentar impor o infortúnio econômico que este país imaginava ter deixado para trás.
O descolamento da economia que se vê hoje acontece em poucos setores, não como meta de se desvencilhar do barulho político para crescer e avançar. Mas apenas para resistir e sobreviver. O agro é um exemplo. E isso, embora compreensível, é frustrante. A crise de Temer foi muito maior num momento político e econômico muito mais conturbado. Se o exemplo de descolamento bem-sucedido não consegue dar certo agora, dá a exata ideia da dimensão que é o atual governo federal.
Não gosto muito da frase de Roberto Campos, o avô, que diz que “o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidade”. Em que pesem o talento e a perspicácia do autor, ela já não se aplica. Há questões temporais que inviabilizam o uso da frase no século 21. Mas troque “Brasil” por “governo Lula” e, aí, faz sentido. O Brasil é diverso e são muitos. O governo Lula 3 é só um e está cada vez mais isolado.
Leia também “Uma gestão pífia”
Excelente artigo, Piotto! Comentários muito pertinentes, que nos trouxeram à memória , , acontecimentos muito pertinentes e que tanto influenciaram nosso momento atual. Incrível como devido à velocidade com que tudo acontece no país, muita coisa vai no esquecimento . Parabéns pelo artigo ! Atento e muito bem escrito!
O Brasil é exemplo de como piorar as condições gerais de um país em tão pouco tempo.
Lula não foi “eleito”. Foi colocado na presidência pelo consórcio STF/TSE à revelia do equilíbrio jurídico no curso da campanha de 2022 onde para um lado tudo era permitido e ao outro tudo proibido.
Instalou-se a “democracia relativa” que podemos chamar de ditadura do judiciário e as consequências saltam aos olhos de todos.
Empresários arrependidos, turma da Faria Lima, artistas da Rouanet, universitários otários, militantes e agregados, muitos se dizendo arrependidos, como se fosse possível esperar algo de diferente de Lula ou do PT.
O cenário aproxima-se do desastre econômico causado por aquela senhora que desejava estocar vento e teremos uma reprise do período 2015/2016, só falta a troca do Presidente do BC que na prática será um Bedel de Lula.
O controle de gastos pós PT, a partir da era Temer, me fez lembrar os ”professores” universitários em greve, que alegam 5,6,7 anos sem aumento.
O país quebrado pelos desmandos do PT, era Temer fazendo ajuste, Bolsonaro pega pandemia onde os ”professores” quiseram fechar o comércio do povo, quiseram vacina, ficaram 2 anos sem ir na faculdade, e ainda assim queriam aumento.
Pense numa turma empática essa… para citar a palavrinha da moda na pandemia.
E não perderam seus empregos nem tampouco redução de salários.
Bota os terroristas tudo na cadeia que tomaram a eleição na fraude, coloca Bolsonaro que foi eleito pra trabalhar com Paulo Guedes e sua equipe que as coisas vão se normalizando
Prezado Piotto, importante artigo que muito enaltece Temer por méritos em excelente transformação das politicas econômica, fiscal e de saneamento das empresas estatais, mas entendo que o governo Bolsonaro foi pouco citado e teve relevantes méritos e respeito ao que Temer tinha iniciado.
Governo enxuto, sem gorduras e que fez importantes conquistas como a REFORMA DA PREVIDÊNCIA e a MP871 de combate às fraudes da PREVIDÊNCIA, que a esquerda votou contra ambas. Ai vem 2 anos de Pandemia com iniciativas brilhantes da equipe econômica de Paulo Guedes, da agropecuária de Teresa Cristina, da infraestrutura de Tarcísio de Freitas, do Desenvolvimento Regional com Rogério Marinho, enfim brilhantes e competentes ministros que não permitiram que o pais paralisasse e os conflitos sociais aumentassem. Além disso, foi importantemente combatido pelo STF até para nomear o DIRETOR da PF.
Você cita a FORJADA e FAJUTA DELAÇÃO PREMIADÍSSIMA que vale dizer foi produzida pelo quarteto JANOT/JOESLEY/FACHIN e GLOBO, estranhamente HOMOLOGADA pelo militante petista EDSON FACHIN sem a necessária perícia da gravação e da vergonha de ter tipo a participação de Procuradores da República na sua construção. Aquilo sim foi uma verdadeira tentativa de GOLPE que fracassou pela competência jurídica de Michel Temer e a excelente articulação que tem com o CONGRESSO, e seus envolvidos não foram punidos, ao contrário valorizados.
Vale dizer que assisti em sessão no plenário do STF, a discussão sobre as tamanhas benesses dadas aos criminosos da JBS, e lembro que BARROSO e FACHIN a defenderam ardorosamente.
Piotto, creio que você poderia nos produzir um artigo com enormes destaques desse episódio assustador que quase derruba um presidente, gravado desonestamente como o fizeram também com Aécio, e não gravando Lula e Dilma que também delatavam.