Por mais de um século, estrelas de cinema, atletas famosos e músicos emprestaram seu poder de fama para apoiar campanhas políticas. O democrata de Nova Jersey, Frank Sinatra, entrou na campanha de John F. Kennedy em 1960. Junto com o Rat Pack, Sinatra realizou inúmeras arrecadações de fundos e transformou sua música High Hopes no hino da campanha. Já em 1970, Sinatra apoiou o republicano Ronald Reagan para governador da Califórnia e, eventualmente, endossou o ator que virou candidato presidencial, a quem ele chamou de “velho amigo”. Em 1980, Reagan se tornou o 40º presidente dos Estados Unidos.
Embora as campanhas políticas tenham atraído a influência do poder das estrelas por muito tempo, o impacto real em uma campanha é, na melhor das hipóteses, fraco. Um estudo de Harvard de agosto deste ano mostrou que, embora a associação de celebridades possa ajudar a levar mais eleitores às urnas, é difícil quantificar se isso afeta ou não os resultados.
Para Laurence Maslon, professor da Escola de Artes da Universidade de Nova York, o apoio de celebridades a políticos não altera muito o pêndulo de eleições: “Eu realmente me pergunto se algum endosso de celebridade já fez um candidato ganhar uma corrida, a menos que eles já fossem celebridades, como George Murphy, Ronald Reagan e Arnold Schwarzenegger. Acho que a realidade e a ironia é que um endosso faz mais por quem endossa do que por quem é endossado”.
Maslon explica que a maioria dos endossos de celebridades pode até fazer barulho e arrecadar dinheiro, mas também é associada ao poder potencial de um candidato vencedor. Em outras palavras, a celebridade tem mais a ganhar do que o candidato. O que parece ser o caso, por exemplo, da cantora Taylor Swift.
Taylor anunciou logo após o debate presidencial entre Donald Trump e Kamala Harris que votará na vice-presidente Harris em novembro. Por muito tempo, Swift não se envolveu em política, mas em 2020 a cantora afirmou que se envolveu porque “queria estar do lado certo da história”. No entanto, muitos defendem que o endosso democrata de Taylor tenha acontecido por uma questão de marketing e aceitação.
Com pais republicanos e vinda da música country, território dominado por cantores que se alinham com as políticas do Partido Republicano, Taylor não era bem-aceita no mundo woke das celebridades da bolha do “beautiful people” e sofria uma perseguição implacável por parte de seus detratores e críticos famosos. Mas o problema foi resolvido rapidamente. Desde 2020, quando endossou Joe Biden, a cantora que ficou bilionária cantando sobre suas péssimas escolhas na vida pessoal se tornou a queridinha da mídia tradicional e dos democratas desmiolados da indústria do entretenimento.
Nas últimas semanas, celebridades têm opinado sobre a corrida presidencial de 2024 de diversas maneiras, com alguns dos maiores nomes da política e de Hollywood apoiando um candidato específico na esperança de fazer a diferença em novembro.
O músico Bruce Springsteen compartilhou um vídeo em seu Instagram dizendo que apoiaria Kamala Harris e Tim Walz em novembro porque eles “estão comprometidos com uma visão deste país que respeita e inclui todos, independentemente de classe, religião, raça, ponto de vista político ou identidade sexual”.
O ator Zachary Levi, que estrelou os filmes Shazam!, da DC Comics, apoiou Donald Trump enquanto ancorava um evento com o ex-candidato Robert F. Kennedy Jr., dizendo que teria votado em Kennedy “em um mundo perfeito”, mas que agora acredita que Trump vai ajudar a “retomar este país”.
Talvez um dos casos mais emblemáticos que misturam celebridades e política tenha sido o da lenda do basquete americano Michael Jordan. Em 2020, ele defendeu uma das citações mais famosas de sua carreira — “Republicanos também compram tênis”. Jordan, que se manteve longe de qualquer comentário político ao longo de sua vida pública, não recuou da declaração, que foi dada durante a corrida para o Senado dos EUA em 1990, na Carolina do Norte, entre o republicano Jesse Helms e o democrata Harvey Gantt.
“Não acho que essa declaração precise ser corrigida porque eu disse em um ônibus com Horace Grant e Scottie Pippen. Eu elogio Muhammad Ali por defender o que ele acreditava [em 1984, Muhammad Ali apoiou Ronald Reagan para a reeleição presidencial], mas eu nunca pensei em mim como um ativista. Eu pensava em mim como um jogador de basquete”, disse Jordan.
Jordan reforça sua posição durante o espetacular documentário The Last Dance, que mostra toda a saga do jogador da NBA: “Veja, nunca será o suficiente para todos, e eu sei disso. Eu percebo isso. Porque todos têm uma ideia preconcebida sobre o que devo fazer e o que não devo fazer. A maneira como eu vivo minha vida é dando exemplos. Se isso te inspira? Ótimo, continuarei fazendo isso. Se não? Então talvez eu não seja a pessoa que você deveria seguir”.
Talvez o melhor resumo do que, de fato, acontece com endossos e opiniões políticas de celebridades endinheiradas dizendo em quem temos que votar tenha sido do comediante britânico Ricky Gervais em sua histórica apresentação da cerimônia do Globo de Ouro, em 2020.
Gervais manteve seu estilo característico de apresentação intencionalmente desconfortável e expôs as vísceras de Hollywood, iniciando o monólogo com uma crítica direta aos próprios prêmios antes de destacar vários indicados por seus hábitos de namoro, escolhas de produtoras e racismo dentro da indústria. Ele também cutucou o relacionamento das muitas estrelas presentes com grandes corporações, como Apple, Amazon e Disney, e colocou o dedo em muitas feridas da indústria.
“A Apple se gabou da entrada no campo da TV com The Morning Show, um drama soberbo sobre a importância da dignidade e de fazer a coisa certa. Isso é feito por uma empresa que administra fábricas clandestinas na China”, disse ele. “Então você diz que é ‘woke‘, mas e as empresas para as quais trabalha? Apple, Amazon, Disney… Se o Estado Islâmico tivesse um serviço de streaming, você ligaria para seus agentes.”
Gervais então zombou das estrelas presentes por sua relação com o falecido criminoso sexual, Jeffrey Epstein. Gervais declarou que Epstein não havia se matado, o que provocou sussurros da plateia. “Oh, cale a boca, eu sei que ele é seu amigo, mas não me importo”.
No brilhante monólogo, facilmente encontrado na internet, Gervais concluiu mordazmente alertando as celebridades para não fazerem nenhuma declaração política ou “woke” ao aceitar seus prêmios.
“Vocês não estão em posição de dar sermão ao público sobre nada. Então, se você ganhar um prêmio hoje à noite, não o use como plataforma para fazer um discurso político. Você não está em posição de dar sermão ao público sobre nada. Você não sabe nada sobre o mundo real. A maioria de vocês passou menos tempo na escola do que Greta Thunberg. Então, se você ganhar, venha, aceite seu pequeno prêmio, agradeça ao seu agente e ao seu Deus e vá se f****, OK?”
A cultura pop e a política têm uma história de cruzamento. Essas interseções assumem sempre uma exposição especial durante anos eleitorais. Mas quão importantes são os endossos de celebridades a candidatos, e eles realmente fazem a diferença na mente dos eleitores, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos?
Creio que Ricky Gervais tem um ponto. Com o advento da internet e a hipocrisia da indústria sendo desnudada todos os dias, ninguém se importa.
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Parabéns pelo texto, impecável e verdadeiro!!
O interesse move” montanhas”!
excelente artigo Ana Paula Henkel !
no Brasil tenho asco dessa classe de artistas !!
que não produzem nada que presta a muito tempo ! um bando de hipócritas
Eu me pergunto o motivo de pouco ouvir falar, aqui no Brasil, de artistas republicanos. Ted Nugent, por exemplo, não esconde seu posicionamento político, não virou um mendigo por ser contra a agenda woke, mas ninguém fala dele – pelo menos por essas praias tupiniquins. Um baita guitarrista!
Temos um ditado interessante “diga com quem andas e te direi quem és”. Gervais colocou o dedo na ferida e a expos.
Infelizmente eu acho que tem peso, diante uma juventude mimada como a que temos hoje. Que o futuro reserve tempos melhores aos jovens
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Artigo conciso e preciso. Patriarcado é achar que o eleitor não sabe discernir e se deixa influenciar pelo artista da vez, ou pelos já jurássicos.
Ainda bem que a esquerda americana tem seu norte no liberalismo econômico
Brilhante análise, Henkel.
Parabéns e obrigado por ofertá-la a nós.