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Edição 259

Lula deixa a safra sem plano

O freio puxado sobre as linhas de crédito compromete o sucesso do agronegócio brasileiro

artur piva
Artur Piva
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OBrasil é um campeão mundial do agronegócio, e todo mundo sabe disso. Mas esse feito não acontece por milagre. Existe muita gente trabalhando duro para que o país se destaque nessa área. O governo Lula, em compensação, joga contra: deixou que o Plano Safra, um dos grandes segredos para esse sucesso, fosse interrompido.

Por mais trivial que seja um prato quentinho de arroz e feijão, a existência desses alimentos envolve atividades muito complexas e arriscadas. Se há risco em cozinhar com uma panela de pressão, imagine em cultivar em áreas equivalentes a vários quarteirões por meses para vender a colheita. Além do longo tempo investido sem faturar, o preço pode cair bem na época da safra. Pior ainda: algum evento incontrolável da natureza (como uma grande chuva) pode arrasar toda a plantação e acabar com a produção inteira.

É preciso mitigar a insegurança que afeta tanto os produtores quanto os credores e os consumidores. Daí a necessidade do Plano Safra, algo muito além de uma linha de crédito para comprar sementes, custear insumos e garantir o salário dos trabalhadores no campo. O programa também serve para adquirir equipamentos necessários para produzir mais com menos terra, construir estruturas dedicadas à armazenagem e até comprar máquinas para a produção agroindustrial.

O arroz da mesa, por exemplo, não sai da roça branquinho e polido. Uma central de beneficiamento deixa o grão adequado para o cozimento em casa. O mesmo acontece com o feijão. A carne, então, nem se fala. É preciso abater e fatiar um boi para que vire um bife. O leite também não sai da vaca sozinho — é preciso um laticínio para ser transformado em produtos absolutamente comuns, como creme, manteiga, queijo, iogurte, leite condensado, requeijão etc.

Rebanho de gado Nelore em fazenda em Mato Grosso | Foto: Marcus Mesquita/Shutterstock

Sem dinheiro na roça?

O Tesouro Nacional anunciou a paralisação do Plano Safra em 21 de fevereiro. Segundo algumas estimativas, o freio puxado sobre as linhas impedia que R$ 36 bilhões chegassem aos produtores. O governo Lula correu para tentar apagar o incêndio e, dias depois, liberou R$ 4 bilhões para evitar que a fonte secasse completamente. Ainda assim, nos bastidores, líderes do setor agrícola afirmam que os valores não estão à altura da demanda e que o Palácio do Planalto está atirando no escuro.

A paralisação de R$ 36 bilhões equivale a toda a riqueza gerada ao longo de um ano em Cuiabá, uma das capitais do agro brasileiro. O baque gera uma enorme insegurança: “Como o programa será executado no futuro?”

Na safra 2024/2025, o plano completo previa a injeção de R$ 476 bilhões para subsidiar as linhas de crédito. A aplicação se estende a produtores de todos os tamanhos: do criador de galinhas em uma pequena granja de produção de ovos ao grande agricultor que planta milho e soja, usados na nutrição dessas aves.

Ao longo dos últimos anos, tanto um quanto o outro tiveram que lidar com riscos muito além de qualquer controle. Boa parte das preocupações vem do céu. Para as granjas, o perigo é um vírus trazido do Norte para o Sul por aves silvestres que causa a chamada gripe aviária. Até agora, os brasileiros conseguiram lidar de forma exemplar com o problema. Diferentemente do resto do mundo, aqui a doença não chegou às granjas comerciais — tudo graças à expertise dos criadores brasileiros.

Já para os agricultores, as chuvas (ou a falta delas) foram um grande problema. No Estado líder do cultivo de grãos, Mato Grosso, houve estiagem na época de plantio em 2024, reduzindo a produção de uns e chegando a destruir toda a lavoura de outros. Ao mesmo tempo, um dilúvio arrasou o Rio Grande do Sul e tornou imprestáveis colheitas inteiras de soja. O arroz não foi perdido por sorte: pouco antes de a chuva começar, havia sido feita a colheita na maior parte das roças.

Chuvas causam enchentes no Rio Grande do Sul
São Vendelino, na Serra Gaúcha, área atingida pela enchente | Foto: Mauricio Tonetto/Secom

A vida do agricultor fica difícil inclusive quando a safra supera as expectativas. Grandes colheitas derrubam o preço na roça. Ao mesmo tempo, os preços de insumos vitais, como o diesel para mover os tratores, o fertilizante para a planta crescer e os defensivos para as pragas não se alastrarem, continuam subindo. Tudo isso é cotado em dólar, moeda sobre a qual o governo Lula demonstrou não ter mais qualquer controle.

O faturamento cai enquanto o custo sobe. Muitas vezes, o jeito é jogar fora a produção. No Brasil, a doação é algo burocrático e até gera imposto. O pagador é quem recebe — se não há dinheiro para comprar comida, imagine então para pagar o imposto para recebê-la? Quando o agricultor descarta uma carga inteira de alimentos em vez de doá-la, faz isso apenas por um motivo: não encontra quem tenha dinheiro para receber a carga. Recentemente, vídeos de agricultores desesperados exatamente por esse motivo inundaram as redes sociais. Somam-se a isso alguns números que evidenciam quanto viver da produção rural não está fácil.

Cartão amarelo no campo

O mercado de máquinas agrícolas mostra que o agro botou o pé no freio. Em 2024, as vendas de colheitadeiras não chegaram à metade do número registrado no ano anterior. No Brasil inteiro, foram vendidas 3,2 mil unidades, ante as 8,8 mil de 2023. E os resultados negativos não se limitam à necessidade de investir menos — há quem esteja quebrando.

Na semana passada, o Banco do Brasil divulgou seus resultados de 2024. O agro é o principal negócio da carteira de crédito da instituição. A imensa maioria do agro ainda consegue pagar as contas — o agricultor brasileiro lida com anos de incerteza e fez brotar onde o mundo achava que nada seria possível. Ainda assim, a inadimplência passou de 2% — mais do que o dobro do cenário um ano antes, quando não chegava a 1%. Em meio à falta de recursos para pagar as dívidas, muita gente pediu recuperação judicial — que é nos negócios o equivalente a um cartão amarelo no futebol: não tira o jogador de campo, mas o deixa a um passo de sair do jogo. 

Da carteira de agro do Banco do Brasil, 250 clientes recorreram à recuperação judicial. A situação pode se deteriorar ainda mais. No terceiro trimestre de 2024 (dados mais recentes), a Serasa registrou um aumento de 60% no número de pedidos de recuperação judicial no setor, no somatório de pessoas físicas, jurídicas e empresas relacionadas ao agronegócio.

O pior resultado foi dos agricultores que atuam como pessoas físicas. Nos nove primeiros meses de 2024, foram 426 pedidos de recuperação para essa modalidade de produtor, mais do que o triplo do registrado no mesmo período do ano anterior. E esse aumento ocorreu sem que houvesse interrupções nas linhas de crédito. Não é preciso ter bola de cristal para saber que o resultado será muito pior se o Plano Safra continuar paralisado.

Foto: Shutterstock

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5 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Para um desgoverno que classifica o agro que é o principal setor na economia nacional de fascista, não surpreende sua decisão de cortes nas linhas de crédito.
    Menos produção, menor oferta, maior preço no supermercado. Simples assim.

  2. YARA LUNA FERRAZ
    YARA LUNA FERRAZ

    É simples. Ele abandona o plano safra e quebra os agricultores, que deixam de produzir. Terra improdutiva pode ser invadida pelo MST. MST no comando da terra, voltam os investimentos governamentais para o plano safra.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O intuito deles é controlar, deixar a população dependente do estado. E não que cada um se desenvolva.

  4. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Lamentável esse desgoverno..

  5. Denis R.
    Denis R.

    Que o PT não faz a mais remota ideia do que é governar um país até quem tem pouca atenção no cenário político brasileiro já percebeu… mas o que parece é que voltaram ao poder (o que é diferente de ganhar a eleição, não nos esqueçamos) com o intuito de destruírem o Brasil.

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