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Foto: Divulgação
Edição 69

Rossieli Soares: ‘Se pudesse voltar no tempo, jamais teria fechado as escolas’

Secretário da Educação de São Paulo diz que a situação dos estudantes brasileiros chegou a um 'porão embaixo do fundo do poço' com as escolas fechadas pela pandemia

Branca Nunes
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Gaúcho de Santiago, Rossieli Soares, secretário de Educação de São Paulo, morou em tantos lugares que seu sotaque se perdeu em alguma esquina entre a Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde fez mestrado, a Secretaria da Educação do Amazonas, que comandou por quatro anos, e o Ministério da Educação, em Brasília, que deixou em 2018 para atender ao convite de João Doria. Pouco depois de completar um ano no cargo, seus planos foram atropelados pela pandemia de covid-19. Assim como quase tudo, as instituições de ensino fecharam as portas em março de 2020.

Desde que ficou provado que as escolas não são foco de transmissão do coronavírus, Rossieli tornou-se no governo um cavaleiro (quase) solitário na luta pela volta das aulas presenciais. Seus principais adversários são as fake news sobre o assunto — muitas disseminadas pela  imprensa — e sindicatos de professores reduzidos a usinas de exigências descabidas, inviáveis ou decididamente insanas. As imposições começaram com a inclusão da categoria entre os grupos prioritários de vacinação e continuaram com a vacinação integral de 100% dos professores. Ambas as reivindicações foram atendidas. Agora, os queixosos condicionaram o retorno das aulas à imunização de todos os estudantes com mais de 12 anos, medida não adotada por nenhum país. “Nossa relação com o sindicato dos professores não está nem melhor nem pior. Ela simplesmente não existe”, resume Rossieli. “Eles são radicalmente contra o retorno das aulas presenciais e não aceitam negociar. Eu sou radicalmente a favor. E não aceito negociar.”

Confrontado com o que considera “uma catástrofe semelhante a um pós-guerra”, Rossieli procura motivos de otimismo em soluções paliativas. Por exemplo, ampliar o número de escolas que funcionam em tempo integral para minimizar “o porão no fundo do poço” em que se encontra a educação brasileira. Quando as escolas deveriam ter sido reabertas? Antes de responder, esse homem alto, de 42 anos, óculos com aros grossos, que intercala nas redes sociais assuntos educacionais com declarações de amor à mulher, solta um suspiro. “Se pudesse voltar no tempo, jamais teria fechado as escolas.”

Confira os melhores momentos da entrevista.

Como está a expectativa para o segundo semestre? As aulas presenciais serão retomadas em todas as escolas?

Minha principal expectativa é que haja uma mudança de mentalidade. Muita fake news foi espalhada, inclusive por parte da imprensa. Nunca houve, por exemplo, grande contaminação entre crianças e adolescentes, mas inúmeras notícias sobre isso foram divulgadas, principalmente no começo deste ano. No segundo semestre ainda teremos uma regra de distanciamento, que vai diminuir de 1,5 metro para 1 metro, mas não existirá restrição quanto à quantidade de alunos em sala de aula. Com isso, muitos colégios poderão voltar em agosto com 100% da capacidade. Mas a obrigatoriedade só será discutida em setembro.

Por que a quantidade de alunos que optaram pela volta presencial foi menor que a esperada?

Atribuo isso às fake news, que acabam ganhando destaque nos jornais. Por exemplo: um estudo que diz que com a volta às aulas 1 milhão de crianças e jovens vão morrer ou “especialistas” que põem em dúvida o protocolo de segurança contra a covid nas escolas. Outra coisa é o escalonamento por rodízio. Muitos pais não acham que compensa levar os filhos à escola só um ou dois dias por semana. Querem a volta da rotina completa. Os sindicatos dos professores também não ajudam. Não tivemos uma única reunião com eles sobre volta às aulas. Eles simplesmente não aceitam. E não falam um “não” com argumentos. É simplesmente um “não” irresponsável. No começo da pandemia, diziam que seguiriam os protocolos da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Quando a OMS disse que a primeira coisa que deveria reabrir eram as escolas, eles já não usaram essa referência. Fomos o primeiro Estado a vacinar professores com 47 anos ou mais, e já vacinamos quase todos os docentes pelo menos com a primeira dose. Agora, eles condicionam a volta à vacinação de jovens com mais de 12 anos. Isso não existe. É um absurdo. Está provado que crianças não são um vetor de transmissão nem apresentam sintomas graves da doença.

Pelo que foi percebido empiricamente, as escolas são um foco de transmissão do coronavírus?

Não são. Temos centenas de estudos sérios no mundo falando sobre isso. Se você pegar cidades que nunca voltaram com as aulas presenciais, os indicadores de transmissão são iguais ou maiores que os dos lugares que reabriam as escolas. Os casos de contaminação envolvendo professores, alunos e funcionários não aconteceram dentro dos colégios, mas em casa, restaurantes, festas de família.

Como a educação paulista vai chegar ao fim da pandemia?

A situação é muito difícil, tanto da rede pública quanto da rede privada. As crianças não só não estão absorvendo conhecimento, como não estão consolidando o que aprendem. O processo será longo e complexo. Precisamos avançar e, ao mesmo tempo, ensinar o que ficou para trás. Mal conseguimos fazer o básico do básico do básico. Nossa preocupação principal foi manter o vínculo com a escola. Em muitos lugares do Brasil, as crianças praticamente não tiveram aulas nos últimos dois anos. Temos de enfrentar uma catástrofe e olhar como se fosse um pós-guerra. Se não enxergarmos dessa forma, o Brasil não conseguirá voltar ao que era antes da pandemia.

Como é possível superar essa situação?

Todos os países que enfrentaram situações de pós-guerra só superaram as dificuldades investindo em educação. Deveríamos estar discutindo hoje um pacto em torno da educação, aumentando as escolas de tempo integral, investindo em recuperação, cuidando do psicológico dessas crianças, incluindo as famílias e apostando também em tecnologia — mesmo sabendo que a presença do professor é insubstituível. É um esforço como sociedade. Este ano, 2022, 2023, acredito que até em 2024, estaremos sentindo os efeitos dessa paralisação.

“Alguns estudos falam em evasão de 35%. Ou seja, um terço dos estudantes não vai retornar à escola. Isso é uma catástrofe”

Quando as escolas poderiam ter reaberto?

Com o conhecimento que tenho hoje, com o que a ciência mostrou, sabendo que as crianças não são fatores de transmissão nem apresentam sintomas graves, se pudesse voltar no tempo, jamais teria fechado as escolas.

Quem determina quando as escolas devem ou não reabrir?

Dialogamos muito com a área da saúde. Eles não questionam a transmissão na escola em si, mas no transporte público usado por quem vai para a instituição de ensino e na movimentação de pessoas que envolve a reabertura. Hoje, não temos dificuldades com os especialistas do Centro de Contingência. O que mais nos prende são as fake news. No ano passado, as eleições municipais também prejudicaram muito, porque diversos prefeitos impediram a reabertura das escolas.

A politização do tema é um problema?

Muitas vezes não conseguimos ter uma discussão técnica justamente por causa dessa politização. A pergunta sempre foi errada. O certo não é perguntar se devemos ou não voltar às aulas, mas o que devemos fazer para que as aulas voltem. A sociedade precisa olhar para mim e dizer: “Secretário, o que é necessário fazer para que as escolas reabram?”. Em vez disso, especialmente os sindicatos fizeram pressão para o não retorno. A consequência está aí: somos um dos países que mais demoraram para reabrir as escolas.

Um dos receios do senhor é a evasão escolar depois do retorno das aulas presenciais. O governo trabalha com alguma estimativa?

É difícil quantificar. Se você pegar os dados estatísticos oficiais de 2020, a evasão foi a menor da história, mas isso não significa muita coisa, porque sabemos que não é um retrato da realidade. O currículo tem de ser mais atrativo. Um estudante do ensino médio está focado em empregabilidade, porque tem gente passando fome na família dele. Então, qual é a escola que vamos entregar? As mães de alunos do ensino infantil e do fundamental estão querendo que os filhos voltem para a escola para elas poderem sair para trabalhar, mas nas séries maiores isso nem sempre é uma realidade. Alguns estudos falam em evasão de 35% (em condições normais, o índice gira em torno de 10%). Ou seja, um terço dos estudantes não vai retomar os estudos. Isso é uma catástrofe.

As reais consequências dessa evasão serão sentidas quando?

Mais rápido do que se imagina. O Brasil já tem um triste cacoete de não falar como o investimento em educação impacta a economia. Num curto prazo sentiremos o impacto na empregabilidade. Os “nem-nem” (nem estudam nem trabalham), que já são em grande número, vão aumentar. O que faremos com esses jovens? Isso vai pesar na economia. Precisaremos usar 2022 para recuperar o que for possível.

A relação com o sindicato dos professores está melhor?

A gente não brigou. Nós simplesmente não nos falamos mais. A questão sobre retorno às aulas, por exemplo: eles são radicalmente contra e não aceitam negociar. Eu sou radicalmente a favor. E não aceito negociar. Enquanto nenhum dos lados ceder, e eu não vou ceder, não há o que negociar. Não aceito falar de volta às aulas só depois da vacinação de crianças. Nenhum lugar do universo fez um negócio desses. Todas as atividades essenciais foram mantidas na nossa sociedade. Educação, se é essencial, tem de ser mantida.

Como foi o impacto da pandemia e do fechamento das escolas no psicológico dessas crianças e adolescentes?

Meu filho teve um caso muito grave de depressão. Chegamos ao limite do limite. Todas as pesquisas têm mostrado que os casos de doenças mentais e depressão tem aumentado estratosfericamente. Esse já era um problema grave antes da pandemia. Neste momento, em maior ou menor grau, todos os jovens apresentaram perda de equilíbrio emocional.

O senhor disse que havíamos chegado “abaixo do fundo do poço”. Existe alguma esperança?

No fundo do poço nós estávamos há dois anos, antes da pandemia. Agora, estamos indo para um porão embaixo do poço. Mas, mesmo com tudo isso que estamos sofrendo, a educação deu alguns saltos importantes. São oportunidades: a aproximação da família com a escola e famílias que começaram a enxergar a educação com mais atenção. Também aceleramos em décadas o aprendizado de como usar a tecnologia na escola. Foi um salto gigantesco. Precisamos ter mais equipamentos, velocidade, capacitação, mas de qualquer forma é uma boa notícia. Muitos profissionais de educação também estão incomodados e querem recuperar as perdas. Diversas vezes no Brasil começamos com um monte de mi-mi-mi e não focamos o que é essencial. Agora, mais do que nunca é preciso olhar para isso, para o que é básico, para a alfabetização. Isso dá resultado. Mas é preciso um esforço de todos, um pacto nacional. A esquerda e a direita podem brigar no campo político, mas tinham de fazer um pacto pela educação. Precisamos disso não apenas para os próximos anos, mas para as próximas décadas.

16 comentários
  1. José Luiz Moraes Passos
    José Luiz Moraes Passos

    O Brasil nunca teve período tão catastrófico como o atual, desde o descobrimento. Ignorância, estupidez e maldade extrema, responsáveis por grave desestruturação da sociedade brasileira, chegando a ceifar vidas de muitos cidadãos inocentes, reféns de absurdas políticas ditadas pela ESCÓRIA do país representada por STF, governadores, prefeitos, judiciário e imprensa brasileira, os principais.

  2. Regina Clara T. de P. Costa
    Regina Clara T. de P. Costa

    Cometeram o genocídio da educação em nosso País. Esse é um tempo que jamais será recuperado, tudo por conta de um projeto político pessoal. Cujas medidas eleitoreiras e assistencialistas continuarão a ser implementadas como acontecerá agora com esse novo auxílio de mil reais! Isso é um absurdo!

  3. Bárbara Lacerda Nunes Da Silva
    Bárbara Lacerda Nunes Da Silva

    Sensacional o posicionamento do secretário da educação. Uma grande esperança em meio a todo o caos que estamos vivendo.

  4. Ernesto Quast
    Ernesto Quast

    Deixa que a economia e a educação vemos depois.
    A decisão fácil, mas errada, foi tomada, todos já perceberam a algum tempo.
    Escolas particulares voltaram às aulas presenciais. Se não conseguir retomar as aulas presenciais nas escolas públicas, deveria ser coerente e demitir-se, quem sabe não assume alguém mais competente!

  5. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Quanta hipocrisia e cinismo desse sujeito, o maior responsável pelo caos no ensino de São Paulo foi, é e será o governo Dória e o seu lockdown criminoso. Os sindicalistas, que não suportam trabalhar, surfaram na onda do governador sino-paulista.

  6. Maria de Lourdes c m Ferreira
    Maria de Lourdes c m Ferreira

    O secretário junto com o prefeito tem que determinar a volta as aulas. Quem não for trabalhar, tem o ponto cortado, no final de 30 dias demite-se por abandono de emprego. Simples assim.

  7. Jair Del Col
    Jair Del Col

    A maior virtude do ser humano é admitir os seus erros. E se empenhar para corrigi-los.

  8. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Onde a esquerda domina tudo apodrece!

  9. MARCELO GONÇALVES VILLELA
    MARCELO GONÇALVES VILLELA

    O secretário finge que não integra o governo Doria. Seu tardio arrependimento serve apenas para tranquilizar a sua consciência. Coragem, secretário! Peça demissão e critique publicamente o descaso do governo paulista com o ensino.

  10. Lourival Nascimento
    Lourival Nascimento

    Chorar agora, senhor Secretário? Respeite a inteligência das pessoas, nos poupando de seu tardio arrependimento. Por quais motivos o senhor se submeteu à tirania de Agripino Dória? Lhe faltou tutano? Chorar agora é um tapa na cara dos pais desses alunos a quem o senhor tardia e covardemente externa sua comiseração. Tivesse um mínimo de respeito às pessoas e mesmo ao senhor, pegaria sua viola e iria purgar sua iniquidade noutra freguesia.

  11. Marcelo Gomes de Oliveira
    Marcelo Gomes de Oliveira

    Concordo em gênero, número e grau com o Márcio Cruz e o Maria de Sousa Almeida. Salário é recompensa pelos serviços prestados. Se não há serviço prestado, não deve existir salário, ponto Final!

  12. MARIO DE SOUSA ALMEIDA
    MARIO DE SOUSA ALMEIDA

    Concordo com o Márcio Cruz: Secretário, abra as escolas e oficialize o re-ínicio das aulas. Quem não comparecer ao TRABALHO que seja penalizado na forma da lei!!

  13. Marcio Cruz
    Marcio Cruz

    Negociação com o sindicato dos professores: argumento simples: nao trabalhando nao ganham, nao conta tempo para aposentadoria, ferias, aumentos, etc

    1. Antonio Carlos Neves
      Antonio Carlos Neves

      Não é possível demiti-los por justa causa?

  14. Rodrigo Kairys
    Rodrigo Kairys

    Fico pensando… Que cruel é o nosso mundo atual. Todos sabemos que para um país prosperar é indispensável uma educação de qualidade, coisa que o Brasil não tem há muito tempo. Mas por outro lado, Qual tipo de educação que as crianças e adolescentes recebem? Olha o nível de canalhice desse sindicato. Isso foge do razoável. Esses professores que condicionam a volta agora não com a imunização deles próprios mas também das crianças são VAGABUNDOS! Não existe outra maneira de chamar esses imundos.

    1. Decorozo Ortiz De Lima
      Decorozo Ortiz De Lima

      Rodrigo, essa gentalha petista de esquerdopatas doentios, são ainda muito piores que as sete pragas do Egito. Não merecem ter as regalias que o Estado lhes oferece, pois não contribuem na solução da situação, tampouco retribuem as benesses recebidas. Quanto as fake news da imprensa marron, está claro que derivam de um acordo tácito entre todos aqueles que só pensam e querem o atraso do País. Uma lástima. Uma indecência. Uma canalhice, vigarice dos tais sindicatos. Sindicatos de ladrões …

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