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Edição 83

Muito além do mel

Outro item bastante rentável nessa cadeia produtiva é a própria abelha. Melhor: o aluguel de abelhas

Artur Piva
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Quando se pensa em abelhas, o primeiro produto que vem à mente é o mel. São cerca de 46 mil toneladas produzidas por ano, das quais quase 9 mil foram exportadas já em janeiro e fevereiro. Em seguida, o própolis, o pólen, o favo, a cera e, para aqueles mais familiarizados com o assunto, a geleia real. O que poucos sabem é que outro item bastante rentável nessa cadeia é a própria abelha. Melhor: o aluguel de abelhas.

Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, um grupo de empreendedores percebeu a potencialidade desse mercado e desenvolveu um aplicativo que liga criadores de abelhas a outros proprietários rurais. Assim nasceu a AgroBee, startup conhecida como “Uber das Abelhas”. Entre outros serviços oferecidos está o de “polinização assistida”.

“Não é só colocar as colmeias de qualquer maneira”, explica Joice Almeida Dias, coordenadora do Departamento Técnico-Científico da empresa. “A gente vai até o local ante­s de fazer a instalação e avalia o entorno da lavoura, o comportamento do terreno. Analisamos características como idade, variedade e adensamento das plantas, além de quais espécies de abelhas são as mais abundantes na região para dar preferência a elas.”

Foi por meio da AgroBee que Leandro Bolonha, produtor de café em Franca, uma das maiores cidades do Estado de São Paulo, conheceu Marcelo Francisco Ribeiro, criador de abelhas em Jacuí, município de 7,6 mil habitantes de Minas Gerais. Para percorrer os 100 quilômetros que separam as duas cidades, as caixas com as colmeias foram colocadas na caçamba de uma caminhonete e envoltas numa lona.

A parceria pode gerar um aumento de até 20% da produção. Em vez de 60 sacas por hectare, Leandro espera colher 72 com a polinização. Na cotação atual, elas seriam vendidas por cerca de R$ 1,2 mil cada uma. Ou seja: caso a colheita na fazenda em Franca fosse hoje, ele ganharia R$ 14,4 mil a mais por hectare. Já o custo para contratar a AgroBee varia entre R$ 300 e R$ 1.000 por hectare.

Apenas 10% dos 2,5 milhões de colmeias brasileiras são alugadas

Pai de Leandro, José Bolonha confessa que ficou receoso quando escutou a ideia do filho. Ele temia que as abelhas fossem tão agressivas quanto as que fizeram com que a família encerrasse a produção de mel na década de 1960. “Elas eram tão bravas que uma vez tivemos de jogar fumaça na casa toda”, conta. A espécie escolhida para a polinização da Fazenda dos Bolonha foi a Scaptotrigona, conhecida como mandaguari. Ótima para o café arábica, ela faz parte do grupo das abelhas sem ferrão. São cerca de 400 espécies do tipo, 300 delas no Brasil.

Para determinar qual abelha será usada em cada local, a AgroBee leva em conta a possibilidade de utilizar espécies nativas, a disponibilidade de fornecedores e a segurança dos trabalhadores. No momento, a empresa tem cerca de 200 clientes espalhados por nove Estados: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, estima que apenas 10% dos 2,5 milhões de colmeias brasileiras são alugadas. “As duas principais culturas que usam o aluguel de abelhas são a de maçã, no Sul, e a de melão, no Nordeste”, disse. “Recentemente, começou a locação para café e morango, além de outros cultivos menores, como kiwi, pêssego, pera e abóbora.” Nos Estados Unidos, o cenário é bem diferente. Por lá, só a produção de amêndoas utiliza 2 milhões de colônias alugadas e cerca de 70% dos apicultores são especialistas nesse tipo de serviço.

Segundo um relatório feito em 2019 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador, a agricultura brasileira tem um ganho anual de R$ 43 bilhões com a polinização feita por animais. O documento revela que 80% de todo esse trabalho é realizado pelas abelhas, alugadas ou não.

Para entrar nesse mercado, a AgroBee exige que o apicultor tenha suas colmeias registradas nos órgãos ambientais estaduais. O transporte de colônias não formalizadas gera multas pesadas. A startup tem hoje 60 mil colônias cadastradas.

Marcelo Francisco Ribeiro garante que o aluguel das abelhas compensa. “Para mim, a principal vantagem é que, além de as minhas abelhas serem alimentadas, eu recebo o dinheiro do aluguel e ainda fico com a produção delas”, revela o apicultor, que hoje tem a sua maior fonte de rendimento na venda de própolis.

Antes de entrar nesse mercado, Ribeiro trabalhava como padeiro e recebia um salário mínimo. Agora, cada quilo de própolis que produz lhe rende entre R$ 300 e R$ 600. “No começo, eu ia até as fazendas levar as abelhas a pé”, lembra Ribeiro. Agora, ele tem três carros para transportar suas mais de mil colmeias espalhadas por diversas plantações.

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7 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Parabéns.

  2. Vicenzo De Donno Neto
    Vicenzo De Donno Neto

    Já to baixando esse treco ai tomara q ajude

  3. Daniel
    Daniel

    Esse conceito, “polinização assistida” é novo, mas a prática já tem algumas décadas e é chamada de “apicultura migratória”. A grande novidade hoje é a facilidade que a internet e os aplicativos para smartphones estão trazendo. É bom ser lembrado aqui que as abelhas ainda continuam ser duramente atacadas pelo homem, com os agrotóxicos antigos, pois nem todos os agricultores querem gastar um pouco mais para comprarem agrotóxicos não nocivos às abelhas. Nesse ponto tinha de haver uma lei que proibisse a fabricação, a importação e o uso dos agrotóxicos nocivos.

  4. Wagner Destro
    Wagner Destro

    Muito bom, Artur. Não sabia nada disso. Espero que esse negócio prospere bastante no Brasil. Se for possível, sugiro que você faça um artigo explicando a relação existente entre apicultura e defensivos agrícolas, e o que, de fato, está acontecendo no Brasil, nessa área.

  5. Jorge Vaz
    Jorge Vaz

    Matéria sem autor, é isso mesmo?

    1. Alvaro Luiz Devecz
      Alvaro Luiz Devecz

      Ué ? Não é do Artur Piva?

  6. Nelson Vicente Palchetti Junior
    Nelson Vicente Palchetti Junior

    Fui arrumar um forno velho na fda e tinha abelhas Europa. Comprei dois traje para os pedreiros, arrumei e as deixei lá. Com o advento da cana na região que moro estão acabando por causa dos inseticidas.

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