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A professora de português Cintia Chagas | Foto: Divulgação
Edição 87

Cíntia Chagas: ‘Estamos vivendo uma ditadura da linguagem’

Professora afirma que o dialeto não binário idiotiza as pessoas e critica o ataque do movimento negro a expressões supostamente racistas

Cristyan Costa
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Formada em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, a professora Cíntia Chagas se tornou conhecida graças ao modo peculiar de ensinar português, com um método que une histórias e as regras gramaticais. Ela foi demitida de dez instituições de ensino por sua técnica inusitada. Foi aí que decidiu abrir seu próprio cursinho, que faz sucesso nas redes sociais e no YouTube.

Também levou os ensinamentos que transmitiu em sala de aula para os livros Sou Péssimo em Português, que se tornou best-seller, e Um Relacionamento Sem Erros (de Português). Defensora da norma culta, Cíntia se manifesta contra a linguagem neutra. “Emburrece as pessoas”, diz. Sobre os ataques de militantes a palavras e expressões supostamente racistas, ela é taxativa: “Alguns argumentos simplesmente não se sustentam”.

Confira os principais trechos da entrevista.

O governo vetou o uso da linguagem neutra em projetos financiados pela Lei Rouanet. Como você avalia isso?

Trata-se de uma decisão acertada. Caso contrário, os pagadores de impostos estariam custeando iniciativas de caráter ideológico, que destoa do que é correto e do pensamento da maioria. Todos os projetos culturais financiados pelo Estado têm de ser o mais neutro possível. A iniciativa do governo deu alívio para o país, sobretudo no momento em que uma emissora poderosa, como a Globo, anuncia que vai pôr a linguagem neutra em sua nova novela, o que é um absurdo.

É possível rastrear a origem da linguagem neutra?

A origem ainda está sendo debatida. Sabe-se que os defensores desse dialeto são as chamadas “pessoas não binárias”, que correspondem a 1,2% da população, os militantes da ideologia de gênero e políticos que usam minorias para fazer barulho na imprensa e angariar votos. Além disso, a linguagem neutra tem o apoio de professores universitários que são militantes de causas de esquerda. Há relatos de alunos expondo e-mails dos docentes com os dizeres “querides alunes”. Isso é perigoso porque sabemos que os estudantes têm apreço e admiração pelos educadores. Dessa forma, fica mais fácil induzir os jovens a defenderem a linguagem neutra. A soma do sentimentalismo que adorna o dialeto não binário com a admiração que os alunos têm por seus professores é a combinação perfeita para difundir algo que só vai destruir a língua portuguesa.

“Querer impor a linguagem neutra e pautas similares é puro elitismo”

Os defensores desse novo jeito de falar sustentam que ela é inclusiva. Isso procede?

De maneira nenhuma. A linguagem neutra exclui 43 milhões de disléxicos no Brasil devido aos “pronomes neutros”. Portanto, impõe-se mais uma barreira a um público que já sofre com dificuldades de aprendizagem. Os surdos também saem prejudicados, visto que muitos deles precisam fazer leitura labial para compreender as palavras. Não é razoável cobrar dessas pessoas o entendimento de “todes”, “ili”, “dile”, entre outros. Os cegos são outro grupo que sai marginalizado. Eles leem através de programas de computador. Teremos de atualizar os softwares de acessibilidade? Por fim, a linguagem neutra exclui uma maioria gritante, que é contra essa aberração linguística. Não há outra forma de caracterizar o dialeto não binário. Aberração linguística foi a expressão que a Academia Francesa de Letras utilizou para definir a linguagem neutra ao proibi-la no país.

Há um movimento forte para inserir a linguagem neutra em empresas. Como você enxerga essa tentativa?

Muitas vezes, a iniciativa privada pouco se importa com os não binários. Um CEO até discorda, mas cede aos apelos da equipe de marketing porque quer evitar a cultura do cancelamento. Muitos surfam na onda para ser politicamente corretos e ganhar pontos com a imprensa. Então, se no momento é legal falar “todes”, vamos aderir, pensam eles. Lembro-me de um caso envolvendo O Boticário. Certa vez, o CEO da companhia disse que trocou o termo Black Friday por Beauty Week porque alguns negros poderiam se sentir ofendidos. Ao se justificar, o executivo admitiu não saber a origem do possível preconceito com a “Semana Negra”, porém optou pela mudança por via das dúvidas. Isso tudo mostra que estamos vivendo uma ditadura da linguagem. Parece que voltamos à Idade Média. Se naquele tempo havia livros que eram proibidos, agora são palavras e expressões. Onde fica a liberdade das pessoas? Primeiro, esse pessoal domina o que falamos, depois o que pensamos e, por fim, como agimos.

A escola e as universidades estão atentas para esse problema?

Infelizmente, não. Na sala de aula, os defensores da linguagem neutra juram que querem apenas inserir uma nova variante da língua, sem desmerecer a norma culta. Contudo, sabemos que isso abre brechas para problemas de leitura e de escrita, principalmente em um país com problemas graves na educação. O dialeto não binário também pavimenta o caminho para discutir a ideologia de gênero nas escolas. Essa pauta diverge do que pensa a maioria dos pais. Deveríamos seguir o exemplo da França. O ministro da Educação daquele país proibiu o uso da linguagem neutra nas escolas, nas universidades e em instituições públicas. No Brasil, a atitude dos governos ainda é tímida, mas está ocorrendo. Recentemente, Rondônia impediu o avanço do dialeto não binário, além de Santa Catarina. Isso é uma guerra ideológica e política. Ser contra a linguagem neutra é defender a língua portuguesa, a educação, a escrita e a leitura.

Podemos dizer que vivemos em um momento de “patrulhamento vocabular”?

Totalmente. Hoje, não se pode mais falar a palavra “judiar” porque no dicionário está escrito “tratar como os judeus foram tratados”. Ao perguntar para judeus que conheço se eles se sentem ofendidos com essa palavra, escuto um “não”. Em alguns casos, evitar esse termo é compreensível, em razão do passado envolvendo o Holocausto e caso se esteja diante de um judeu mais ortodoxo que possa se sentir mal. Todavia, dificilmente alguém que fala “judiação” está realmente querendo ofender judeus. Com o passar do tempo, a tendência é que diminua o preconceito que possa haver sobre determinadas palavras. Logo,  torna-se um exagero banir o uso delas. Há políticos que se apropriam de minorias para fazer barulho. Às vezes, um público que estaria se sentindo discriminado não está, de fato, se importando com isso. Vivemos um momento preocupante.

“’Tempo negro’ remete à cor preta, ao sombrio, ao escuro. Não tem nada a ver com discriminação”

O movimento negro chamou de racistas expressões, como “a coisa está preta”. Como você vê esse ataque?

Enxergo como hipocrisia. Não pelo negro, mas, sim, por quem usa essas pessoas para aparecer. Quando falo que “a situação está preta”, quero dizer que não estou enxergando uma solução. Preto é antítese de branco. Soluções remetem ao claro e ao transparente. Estamos falando de cores. No ano passado, o jornalista Amaury Junior escreveu em uma rede social que “estamos vivendo tempos negros”, devido à pandemia. Caíram matando em cima dele, incluindo uma cantora famosa. Eu o defendi argumentando o seguinte: “Tempo negro” remete à cor preta, ao sombrio, ao escuro. Não tem nada a ver com discriminação com negros. As pessoas que estão por trás desses ataques não são burras. Por hipocrisia, usa-se isso para gerar alarde. No caso de políticos, a estratégia é conseguir novos eleitores e votos.

Onde surgiu essa “cartilha antirracista”?

Entendo que essa cartilha surgiu no meio de militantes que têm anseio político. Muitas palavras que estão “proibidas” nessa espécie de “documento” nem sequer deveriam estar lá, como “denegrir”, cuja origem é do latim “denegrare”, que significa manchar. É óbvio que há expressões que são preconceituosas, como “eu não sou tuas negas”. Isso é uma ofensa. As pessoas não têm de falar assim. Caso ocorra, a Justiça está aí. O que me incomoda é a hipocrisia e a mentira de constarem nessa cartilha expressões que não são preconceituosas.

O que é o chamado “preconceito linguístico”, que os adeptos do politicamente correto tanto falam?

Preconceito linguístico é a ideia segundo a qual não há certo nem errado na língua portuguesa. O que existe é o adequado e o inadequado. Para os defensores dessa teoria, falar “nóis vai” não está errado porque, no contexto de algumas pessoas, seria correto. Nesse entendimento, quem corrige o indivíduo à margem da norma culta se torna um carrasco e passa a difundir “preconceito linguístico”, que remete às desigualdades econômicas e sociais do país. Nada disso procede. Essa história de preconceito linguístico emburrece as pessoas. O gramático Evanildo Bechara indaga: se as escolas se eximirem de defender, com unhas e dentes, a norma culta, quem há de fazer? Portanto, é papel dos educadores preservar a língua portuguesa como ela é. A partir do momento em que se rebaixa a norma culta a apenas uma variante entre várias, como a linguagem neutra, criamos futuros adultos despreparados para fazerem leituras sofisticadas. A leitura nos moldes da norma culta estimula o raciocínio e proporciona à pessoa o desenvolvimento de pensamentos complexos.

Com todos esses ataques, quais peculiaridades a língua portuguesa vai perder?

Vai perder a sua construção morfológica. Porque em vez de falar “todos”, direi “todes”; em vez de “ele”, falo “ili”; em vez de “dele”, falo “dile”. Daqui a pouco não vai se poder falar mais nada. Resumidamente, é a destruição da língua como a conhecemos.

O que fazer para impedir a deterioração da língua portuguesa?

Em primeiro lugar, proibir a linguagem neutra no Brasil nas esferas municipal, estadual e federal. Em segundo lugar, os pais precisam atuar em harmonia. Eles precisam perceber que são importantes nessa luta e cobrar das escolas o fim dessa prática. Em terceiro lugar, a união dos professores que amam a norma culta. Querer impor a linguagem neutra e outras pautas similares é puro elitismo. Esse tipo de assunto, por exemplo, não está sendo discutido nas favelas. Aprender a língua portuguesa é um direito nosso, assegurado pela Constituição.

Leia também “Os mais recentes ataques da linguagem neutra”

19 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente entrevista. Parabéns.

  2. Andreia Rodrigues Gomes
    Andreia Rodrigues Gomes

    Excelente entrevista. Parabéns!! Ainda existe esperança para evitarmos essa aberração de linguagem neutra.

  3. Daniel BG
    Daniel BG

    Sobre a origem dou meu palpite. Visando apenas a elucidação e NÃO um ataque aos LGBTs, eu acho bem provável que essa “linguagem neutra” que se quer erroneamente oficializar tenha origem nas brincadeiras que acontecem frequentemente em locais de frequência gay. Lá podemos escutar muita inversão pronominal relacionada aos gêneros e sempre num sentido de brincadeira.
    Caso correta minha suposição, vejo importância em se desvincular efetivamente esta questão, que se tornou muito polêmica, política e criticável, da cultura GLBT que, certamente, trata-se de uma manifestação cultural de uma minoria e não almeja o controle social e mudança no hábito linguístico da sociedade em geral.

  4. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Já fui professor de português, mas nunca tive um colega professora tão linda, além de competente e antenada.

  5. Alberto Junior
    Alberto Junior

    Parabéns à Cíntia pela entrevista arretada! O momento é difícil, mas sua fala é um alento para todos que têm uma mente saudável!

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo comentário, Alberto. Abraços

  6. ciro luna camargo barros
    ciro luna camargo barros

    Prezada professora,
    Após ler o artigo com suas respostas mantenho a esperança que o bom senso irá chamar à razão os verdadeiros educadores e os governos para que preservem nossa cultura.
    Att
    Ciro Barros

  7. Marilea Do Amaral Menezes
    Marilea Do Amaral Menezes

    Como é bom ler e ouvir a Cíntia!!! Parabéns pela reportagem!!! Deve ser difundida! Espero que os governos se posicionem firmemente contra essa ABERRAÇÃO! Esse pessoal da esquerda não têm o que inventar🤬

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo comentário, Marilea. Abraços

  8. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Cristyan, tão idoso quanto eles, fiquei curioso como pensam a respeito os recém acadêmicos da ABL, Fernanda Montenegro e Gilberto GIL. É possível entrevistá-los?

    1. Cristyan Costa

      Vou avaliar sua sugestão, Antonio. Obrigado. Abraços

  9. Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva

    Excelente, Cristyan.
    Mexer na língua é mexer em nossa mais profunda sensibilidade. Somos também, e talvez sobretudo, a língua que falamos.

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo comentário, Luzia. Forte abraço

  10. Gallego
    Gallego

    Essa Cíntia é talentosa. Gostei muito das suas respostas. Eu só não compreendo porque é maldosa a expressão “eu não sou tuas negas”. A expressão pode significar uma realidade bastante possível, na atualidade, sem ser ofensiva aos negros (ou expressão racista).

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo comentário, Gallego. Abraços

  11. Martha R Parahyba
    Martha R Parahyba

    Profa. Cíntia, você tem toda razão na defesa da norma culta da língua. A imposição dessa aberração linguística atende a interesses obscuros e prejudica uma infinidade de alunos, cujos pais confiam que a Escola oferece ensino de qualidade para seus filhos.

  12. Nagib José Boulos
    Nagib José Boulos

    Matéria oportuna. Já somos um país com nível baixíssimo de ensino e ainda sujeito a esses escândalos e absurdos. Que tempos estamos vivendo…

  13. Nilton Fecchio
    Nilton Fecchio

    Cito: “A partir do momento em que se rebaixa a norma culta a apenas uma variante entre várias, como a linguagem neutra, criamos futuros adultos despreparados para fazerem leituras sofisticadas.” Mas é exatamente esse o objetivo. Uma sociedade emburrecida é fácil de ser controlada.

  14. Seu Aprilio
    Seu Aprilio

    Aos defensores dessa idiotice de linguagem “neutre”, deveriam os submeter a uma prova escrita. Para cade erre te cortaremos um dede.

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