Essa história da crise que daqui a pouco vai estourar nas Santas Casas brasileiras por conta do coronavírus é um exemplo perfeito de como gente até agora sensata, acostumada a lidar com a lógica e pensar no que fala começa a ser afetada pelo bicho. Você já deve ter ouvido falar nisso por aí: as Santas Casas, que muitas vezes são a única instalação hospitalar de boa parte das cidades brasileiras do interior, vão entrar em colapso quando a epidemia apertar, por falta de equipamentos capazes de prover respiração artificial aos pacientes.
É uma arma fundamental para enfrentar a doença; sem ela estaremos muito mal, sobretudo num sistema que já vai estar seriamente comprometido pela “sobrecarga de infectados”. Os dados, ditos até em voz baixa para não criar pânico, são os seguintes: “As Santas Casas têm em média dois respiradores por unidade.”
Desculpem, mas, sem querer ofender ninguém, poderiam ter a bondade de responder à uma pergunta? A pergunta é a seguinte: “E quantos respiradores havia em média nas Santas Casas antes do coronavírus? Dez, vinte, trinta? Não. Havia esses mesmos dois de hoje. No entanto, eles eram tão necessários antes como são necessários agora, para entubar pacientes com doenças pulmonares crônicas – um enfisema de bom tamanho, por exemplo – câncer e tantas outras patologias agressivas. Será que antes do vírus chinês os doentes com esses sofrimentos não existiam?
Ou eram tão raros que dois aparelhos davam conta, folgado, das necessidades de uma cidade inteira? Será que os pacientes, até agora, chegavam à Santa Casa se sentindo em forma, muito melhor que a turma que pega o coronavírus? Será que os respiradores, até este preciso momento, eram menos necessários? Nada disso faz o mais remoto sentido. Estão denunciando hoje uma calamidade que está aí, matando gente todos os dias, desde que a ciência médica descobriu os respiradores.
Não ocorreu a ninguém, desde que o primeiro caso apareceu três meses atrás na China, pensar trinta segundos na compra de equipamentos básicos para os hospitais que atendem a população real – não os Einsteins e Sírios, mas os hospitais onde o povo pode ir. Pensaram, isto sim, em fechar shopping centers, suspender campeonatos de futebol, proibir o cidadão de comprar leite para fazer queijo – enfim, cada um se orgulha de ter pensado numa proibição diferente. Mas usar a cabeça, e fazer trabalho racional, é coisa de minorias – qual é o ibope que você ganha com isso? O que interessa é fazer discurso e dar entrevista para a televisão, amanhã, como herói do combate ao vírus.
As Santas Casas que se danem. Os respiradores também.