Neste ano, a ESALQTec completa 15 anos. A incubadora de empresas de tecnologia focadas no agro é ligada a uma das faculdades mais tradicionais de agronomia do país, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a ESALQ, da Universidade de São Paulo. Comparada à faculdade, fundada em 1901, a incubadora é apenas um bebê, mas já registra 20 companhias que passaram por seu processo de incubação e que ajudaram a transformar a cidade de Piracicaba em um dos polos mais vibrantes de inovação do agronegócio brasileiro. Segundo o levantamento Radar Agtech 2020/2021, o município reúne 60 startups e até ganhou um apelido: Agtech Valley (o vale das startups do agro).
O gerente-executivo da ESALQTec Sergio Marcus Barbosa, de 52 anos, engenheiro agrônomo formado na ESALQ e que está à frente da incubadora desde o seu início, conversou com Oeste sobre inovação e empreendedorismo no setor agropecuário.
1 — Por que é importante estimular o empreendedorismo dentro do ambiente acadêmico?
Gosto mais de usar o termo “comportamento empreendedor” do que “empreendedorismo”. Às vezes, as pessoas pensam que empreendedorismo é apenas abrir empresas, e não é. Estimular o comportamento empreendedor é importante dentro de qualquer ambiente — uma universidade, uma empresa, uma instituição pública. O comportamento empreendedor é uma mentalidade, é uma forma de agir.
A universidade, de uma forma geral, ainda tem um caráter assim, conservador, de formar bons funcionários. Bons funcionários que trabalham em grandes corporações, incluindo a ESALQ. Então, a ESALQ tem dois tipos de formação muito clássicos: os executivos de grandes empresas do agro e também bons pesquisadores, docentes. O que se entende é que no mundo de hoje não cabe só isso. Precisamos estimular o comportamento empreendedor para que essas pessoas pratiquem o empreendedorismo dentro de qualquer ambiente, seja no mundo acadêmico, como um pesquisador, seja ele uma empresa. E uma das vertentes também é abrir e desenvolver novos negócios.
2 — Quais são as vantagens para uma startup estar dentro de uma incubadora que é ligada tanto a uma universidade quanto a empresas?
Dados mostram que empresas que nascem em uma incubadora têm um nível de mortalidade muito menor — chega a ser de 10% a 15%, o que já é um fator interessante. Outro fator é que é possível usar muito do ecossistema tecnológico. Dentro do calendário de inovação desse ecossistema, a incubadora está na interface entre a geração de conhecimento dos ambientes acadêmicos e o ambiente de inovação, que é onde se consolidam negócios, novos produtos e serviços inovadores. Então, a incubadora é um ambiente de inovação propício para que pessoas com uma proposta de desenvolvimento de tecnologia possam desenvolvê-la dentro da melhor forma.
É claro que nem todas virarão uma grande startup, uma grande agtech [startups focadas no agronegócio], mas creio que a nossa função principal é, primeiramente, atender a camada empreendedora do nosso ecossistema, da área acadêmica, do empreendedorismo. Em segundo, é poder transformar aquilo em algo visível para a sociedade e devolver à sociedade o que é investido nas universidades, que é muito dinheiro.
3 — A ESALQTec acabou de completar 15 anos. Qual é o balanço que o senhor faz desses anos?
A gente está recebendo recursos da sociedade mas, ao mesmo tempo, gerando recursos para a sociedade através das empresas. Então, o balanço é muito positivo. Temos em torno de 20 empresas hoje, que passaram pelo processo de incubação da ESALQTec. Principalmente em tecnologia biológica, o processo não é tão rápido, como os que você pode ter em casos de negócios de economia criativa ou até de tecnologia da informação. A questão de trabalhar com essa face de coisas vivas, junto com tecnologia da informação, é muito complexa. Então, a gente trabalha num universo normal de três a quatro anos de período [de incubação]. Se está lá há mais tempo é por algum motivo. Um exemplo: uma das empresas está desenvolvendo um fungicida biológico que não deixa resíduo, o que é muito interessante. Ela, agora, está iniciando o processo de registro no Ministério da Agricultura e isso é demorado e trabalhoso. É lógico que precisa estar mais tempo na incubadora. Então, há essa possibilidade de ficar mais um tempo, mediante essa argumentação. Mas, de um modo geral, a média [de incubação] é de 3,5 anos.
4 — O senhor pode citar exemplos de startups que começaram na ESALQTec e hoje decolaram no mercado?
Em pecuária digital, a @Tech. De controle biológico de pragas, a Promip. Na parte de tecnologias para avaliação de sustentabilidade, a DeltaCO2. Temos também a Ecomol, a AgroSafety, a Max Protein, a Brazil Beef Quality… Acabo esquecendo algumas e o pessoal acaba ficando bravo comigo, mas temos alguns exemplos muito interessantes, que estão trabalhando, gerando empregos e postos para a sociedade.
5 — Em termos de inovação e pesquisa na agropecuária, em que vale ficar de olho nos próximos anos?
Continuam as duas vertentes que já são, hoje, identificadas: uma é a área de digital, de processo de digitalização. Vamos ter o 5G, que vai revolucionar muita coisa. E a biotecnologia. O Brasil é um país muito propício para isso, pois tem uma biodiversidade muito grande. São biomas diferentes para a agricultura. Então, a biotecnologia, principalmente na produção de bioinsumos, de fertilizantes, defensivos biológicos, enzimas catalisadoras [substâncias com a capacidade de acelerar reações químicas]… Qualquer tipo de microorganismo que mexa com a parte de fermentação também, com a melhoria de processo fermentativo para a produção de biocombustíveis. Acho que essas duas áreas [de digitalização e biotecnologia] continuarão sendo muito bem posicionadas, neste momento e no futuro. É claro que você terá coisas que vão acontecer, como a nanotecnologia. Não tenha dúvida de que ela vai acontecer na agricultura. E essas nanotecnologias estão ligadas a duas áreas: de biocombustíveis e de digitalização.
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Quem abre empresas são contadores e despachantes. A gestão são outros quinhentos.