A agropecuária é o setor que mais cresce no Brasil e um dos únicos a conseguir resultados positivos mesmo durante a pandemia. Em 2020, a agropecuária avançou 2% em relação a 2019, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a tecnologia tem tido um papel cada vez mais fundamental nessa equação. Segundo o levantamento Radar Agtech 2020/2021, e reportado por Oeste, o Brasil possui hoje 1.574 agtechs, como são chamadas as startups do agro —, um crescimento de 40% em relação a 2019, e totaliza 20 hubs de inovação (espaços físicos que reúnem startups). Para Francisco Jardim, sócio-fundador da SP Ventures, gestora de investimentos especializada em agronegócio, o Brasil está liderando uma revolução tecnológica planetária. O executivo conversou com Oeste sobre o ambiente de negócios brasileiro, as tecnologias e os desafios do agronegócio no país.
1 — Recentemente, a SP Ventures junto com a Embrapa e a consultoria Homo Ludens lançaram o Radar Agtech 2020/2021, que tem o objetivo de mapear as agtechs brasileiras. Como o senhor descreveria o ambiente de inovação agropecuário nacional?
O Brasil tem hoje o maior movimento de empreendedorismo tecnológico agro do mundo, bem mais robusto que Israel e que os Estados Unidos. Viajamos muito para esses ecossistemas há dez anos. Vimos isso explodir. E conseguimos mostrar as geografias onde isso acontece: Piracicaba, conhecida como Agtech Valley, Londrina, Campo Grande, Porto Alegre, Cuiabá, Caxias do Sul… Há muitos polos, e todos têm qualidade e quantidade em startups.
Percebemos que o eixo de inovação no mundo se deslocou das grandes empresas para as pequenas, em vários setores. Esse “deslocamento” chegou ao agro nos últimos anos. E tecnologias como computação na nuvem, cripto, mobile também foram chegando ao agro. Lideramos uma das principais revoluções tecnológicas do planeta, que é a quarta revolução agrícola. E é isso que a gente pretende mapear bem com o Radar e mostrar um raio X dessa liderança.
2 — Como o senhor avalia o ambiente de negócios brasileiro para investir no setor do agro?
Muito ruim, mas está mudando. E o fato de ter sido muito ruim durante muito tempo, os instrumentos regulatórios, os processos, a insegurança jurídica, tudo isso atrapalhou muito. É por isso que o agronegócio representa um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas não representa 25% do mercado de capitais. Só que vai representar, porque é um setor mais saudável, que está em condições de emitir papel, seja em CRA [certificados de recebíveis do agronegócio] em dívida ou em ação na bolsa. No curto e médio prazos, vamos ver uma explosão de empresas sólidas fazendo emissões de dívida e abrindo capital em bolsa, mas no médio, longo prazo, as empresas tech de agro que estão crescendo agora, no digital e no biológico, serão futuras multinacionais brasileiras, e aí teremos um agro de muito mais valor agregado.
3 — Quais são as principais tecnologias ou as tecnologias de maior vanguarda aplicadas no agronegócio?
Nossa… é uma combinação de muitas. Hoje, quem está levando essas novas tecnologias de satélite, drone, computação na nuvem, mobile, blockchain, agentes biológicos, não são mais as grandes empresas, são as pequenas. Você consegue ver que todas as novas tecnologias estão chegando de fato ao pecuarista, ao agricultor, à revenda e ao trading, via pequenas companhias. Por exemplo, marketplace de grãos, fintechs para o agro, e-commerce… Então tem um monte de fintechs que nascem por desdobramentos dessas tecnologias.
4 — Quais são os principais desafios de levar tecnologia para o campo?
Uma das grandes barreiras de entrada era a distribuição num país continental. Agora que você tem conectividade, nos últimos dois anos, principalmente pós-covid, houve um salto em alfabetismo digital, e o que acontece? Começou a ter uma revolução no agro. Existe empresa nossa que não tem um funcionário de venda em campo. Está todo mundo trancado num prédio em Porto Alegre e vende para o Brasil inteiro sem gastar com viagem; então o custo de aquisição de cliente ficou muito baixo.
A experiência digital, a qual ele foi forçado a ter no ano passado, e está sendo forçado a ter neste ano de novo, matou a competitividade que essas grandes empresas tinham de milhares de vendedores no campo, visitando fazenda, de forma muito ineficiente. Essa era uma barreira enorme que foi derrubada e que hoje se tornou um dos maiores passivos das grandes companhias, a estrutura de vendas.
5 — Qual é o futuro da agricultura?
O investidor faz 20 investimentos justamente porque ele não sabe o que será no futuro. Ele precisa apostar em muitos cavalos. E a gente tem uma taxa de erro muito maior do que as empresas, justamente porque fazemos apostas muito mais audaciosas. Hoje, vemos uma agricultura cada vez mais sustentável, usando menos químico e mais biotecnologia, seja para preparar o solo com fertilizantes, bactérias, seja para atacar pragas, doenças e ervas daninhas… Mais biotecnológico e mais verde, com menos desperdício de água, por exemplo. Segundo, uma agricultura com cada vez mais automação, com menos necessidade de ter as pessoas coordenando e mais programando.
A atividade agrícola, por causa da mudança climática, vai se tornar uma atividade mais arriscada. Teremos novas formas de monetizar o agro, e o Brasil pode ser o maior receptor de receita por crédito de carbono. Temos muito estoque de carbono a ser liberado, e com tecnologia é possível fazer essa metrificação e, consequentemente, emitir crédito de carbono. Por isso, o crédito de carbono é o futuro do nosso agro.
E, talvez por último, as grandes empresas de hoje do agro não vão mais sobreviver vendendo molécula [base dos defensivos agrícolas químicos]. Na hora em que se adota a agricultura de precisão, você usa 80%, 90% menos solução química, e há um aumento na produtividade, porque você seleciona menos e gera menos resistência da praga àquela molécula. Então, todas as empresas vão tentar migrar para modelos que entregam a solução de pacote de semente, químico e etc., com soluções digitais e que garantam produtividade.
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Parabéns, o agro é um exemplo a ser seguido para chegarmos a um país desenvolvido.
Parabéns pelo excelente trabalho!
Crédito de carbono e proteção de mananciais de água (saneamento básico incluso), isso são o futuro sustentável da economia, sem demagogia dos incêndios que matam as girafas da Amazônia.
Algo que a legislação brasileira tem que mudar é o desestímulo ao plantio de árvores nativas. Quem planta (se é que existem alguém que tenha plantio comercial) árvores nativas tem uma dificuldade absurda de aproveitar a madeira. Dessa forma, é mais fácil plantar eucalipto australiano ou qualquer planta exótica, do que o plantio de Araucária, mogno, cedro, pau-brasil etc. A legislação ambiental atual surte efeito contrário ao desejado.