Censura, aqui me tens de regresso e suplicante te peço minha nova inscrição. Vocês, prezados leitores, sabem quem está cantando estes versos ora alterados? São decisões que na alma me têm posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei por quê.
Mas será que é de bom tom invocar Nelson Gonçalves misturado a Camões para tratar de assunto assaz indigesto? Talvez fosse melhor fazê-lo com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, à la Machado de Assis. Afinal, o poeta venceu a mesa censória e teve liberados os versos de Os Lusíadas porque já naquela época até os censores entendiam que encher as estrofes de deuses pagãos não atrapalhava o projeto da coroa portuguesa de alargar a fé e o império.
O monstro da censura é conhecido dos brasileiros e está de volta, não por artes de um regime militar, fora de tempo e de lugar, mas porque ministros do STF sponte sua, isto é, espontaneamente, sem ser provocados, resolveram trazê-la para o convívio dos justos outra vez. Na verdade, sejamos justos, sponte sua, de livre vontade, mesmo, não, porque houve casos em que parlamentares derrotados foram ao tapetão para virar do avesso o direito. A censura não pode ser legitimada quando o direito se torna o torto autorizado.
E se é autorizado pela Suprema Corte, o que se pode fazer? Este é o grande impasse. Recorrer a quem depois de proibido pelo STF? Voltou quem nunca tinha ido embora, de fato. Desde a República, a censura vai até a porta, sai para dar uma voltinha, respira um ar fresco ela também e depois volta.
E por que voltou? Voltei pra rever os amigos que um dia eu deixei a chorar de alegria. Diferentemente do boêmio, porém, não é verdade que a censura partiu alegre, ela que tinha ido embora numa tímida festa no Teatro Casa Grande, no Rio.
Jamais esquecerei esse dia. Era 29 de julho de 1985. Eu estava sentado ao lado de Rubem Fonseca, autor então proibido, e ele me chamou a atenção para quem aparecia numa das fileiras atrás de nós, sozinha. Era a modelo Roberta Close, pioneira na recuperação das sexualidades tidas por ilegítimas, como então se dizia das modalidades proibidas do sexo, sobretudo de homossexuais, na refinada pena dos franceses, dos quais Michel Foucault era, então, um dos luminares.
É verdade que havia coragem, mas não sem limites nem reservas, como revelaria o jornalista e escritor francês Hervé Guibert, em 1990, um ano antes de morrer de Aids. Foucault tinha morrido em 1984, aos 58 anos, já contaminado e sem avisar o amigo, morto aos 36, que em 1991 publicaria o livro Para o amigo que não me salvou a vida, publicado em 1991 na França e em 1995 no Brasil. Foucault fez autocensura e com isso trouxe a morte para o amigo.
Embora seja comum festejar-se o fim da censura com um evento em que o ministro da Justiça Fernando Lyra estivera no palco liberando tudo, não foi bem assim. Lembro-me de que Rose Marie Muraro recolhia pedaços de papel de quem estivesse perto dela nas primeiras filas e os fazia chegar ao ministro que os ia pondo no bolso do paletó. E de repente ela bradou da plateia: “tem que ler os títulos porque daí libera, é um ato oficial”. E assim foi feito. Aqueles papeizinhos traziam títulos de livros, filmes, músicas e peças de teatro a ficar doravante sem censura. Ainda assim, na sequência, naquele mesmo governo era proibido o filme Je vous salue, Marie, do cineasta francês Jean-Luc Godard, que, inventando a nouvelle vague convocava os cineastas a seguir caminhos diferentes dos de Hollywood.
A censura veio naquela vez, como agora, de onde menos se esperava. O escândalo do filme levou muitos dos que tinham lutado contra a censura a abandonar as trincheiras da liberdade e a filiar-se a outras, que agora a suplicavam. Entre os que lideravam a volta às trevas estava uma entidade que tinha sido voz forte nos clamores da redemocratização, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que considerou “obsceno e herético” o filme de Godard e fez campanha pela sua proibição, conseguindo retirá-lo do 2º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, ainda que à última hora.
Era 1985, um ano que parecia nunca terminar. No Carnaval do ano seguinte 1986, o Pacotão, um dos blocos mais politizados e mais sarcásticos do Brasil, lançava a marchinha Je vous salue, Marly, provocando o presidente José Sarney por alusão ao nome de sua esposa. Seu ministro realmente não proibira filme algum, o próprio presidente foi quem assinou o veto, pressionado por ninguém menos do que o secretário-geral da CNBB, o bispo Dom Luciano Mendes de Almeida.
Pois é, a censura vai e volta. E agora voltou. De novo parodiando A volta do boêmio, cada presidente da República precisa de um STF para chamar de seu. Passada a concepção litúrgica do cargo, como queria Sarney, Collor ainda respeitou certos critérios de notório saber para indicar os novos ministros, mas Lula e Dilma olvidaram logo o antigo preceito e passaram a indicar por outros critérios, embora às vezes o tiro tenha saído pela culatra, como no caso de Joaquim Barbosa. O caso de corrupção tão emblemático quanto asqueroso precisara de nova palavra para designá-lo, pois nunca se vira algo tão sinistro como aquilo. E surgia a palavra mensalão, que estreara no português em 2005.
A censura volta porque faz que vai embora, mas não vai, porque restam o consolo e a alegria de saber que depois da boemia é dela que o Brasil gosta mais, como na canção famosa. O brasileiro médio não quer saber de censura e abomina quem a pratica, mas quando ela prejudica os adversários ninguém parece se importar, além deles.
O famoso teje preso sempre foi dito de brincadeira. É muito grave o que está acontecendo. Não se pode retroceder ao tempo em que queixar-se ao bispo era o último recurso.
Nem todos sabem como a censura começa, mas certamente todos podem imaginar como é que termina. Se deixamos implícito que a censura aos outros não é conosco, quando chegar a nós não será com eles. E talvez seja tarde demais.
Leia também: “A tecnocracia autoritária”, artigo de Rodrigo Constantino publicado na Edição 87 da Revista Oeste
Deonísio da Silva é professor e escritor. Seus livros são publicados no Brasil e em Portugal pelo Grupo Editorial Almedina. Os mais recentes são De Onde Vêm as Palavras e o romance Stefan Zweig Deve Morrer
“Primeiro, os nazistas vieram buscar os comunistas. Como eu não era comunista, eu me calei. Depois vieram buscar os judeus. Como eu não era judeu, eu não protestei. Então vieram buscar os sindicalistas. Como eu não era sindicalista, eu me calei. Então eles vieram buscar os católicos. Como eu era protestante, eu me calei. Então, quando vieram me buscar… Já não restava ninguém para protestar”.
Martin Niemöller, 1892 – 1984, pastor luterano alemão. Recebeu Prêmio Lênin da Paz em 1966.
Bem lembrada a citação. De extraordinária atualidade.
Nossa situação é muito séria, a criminalidade conseguiu se estabelecer num dos poderes do Brasil a ponto de tentar um golpe a de Estado a céu aberto.
No entanto, enxergo os membros do STF como apenas os executores de estratégias idealizadas/executadas por pessoas mais perigosas, tais como Zé Dirceu e FHC, pois que são muito medíocres e limitados para que parta deles.
Não esquecendo, também, e aí aumenta nosso risco, que todos esses daqui seguem as cartilhas da ONU e dos metacapilistas para a NOM, embora cada qual com seu próprio interesse no resultado da pilhagem.
QUANDO SE TEM UM POVO DE MORAL ESTRAGADA, NÃO HÁ ALGO A SER FEITO, EXCETO AGUARDAR UMA GUERRA CIVIL SANGRENTA, MUITO LETAL E MUITO RÁPIDA.
O que vem a ser “expressões inadequadas”? Inadequadas pra quem?
O atual governo central foi posto lá por quase 60MILHÕES DE PESSOAS, foi posto para mudar o status, pois todos estavam de saco cheio desta esquerdalha canalha enganando todos por décadas. E o que aconteceu? O governo eleito para a tal mudança quando chegou lá quis negociar, gostou do poder, se deslumbrou e achou que pessoas sendo presas por FAZER PORRA NENHUMA DE ERRADO era normal, desde que não fosse ele o prendedor. É impressionante como um gov com essa força popular fique passivo desta forma com tal agressão a liberdade de expressão.
Rogério, avalie 2019 em comparação com 2020-21. O Executivo está refém dos dois outros poderes e, em prol de governabilidade, fez “articulações”, como o atormentaram para fazer.
O problema desse país sempre foi o Congresso, ele é a raiz de todo mau. Se não o limparmos, nada mais funcionará. Um Congresso justo e eficiente jamais deixaria um mensalão acontecer, assim como um STF legislando como quer.
O único poder real que o Executivo teria, seria o de fazer reformar à força, com as FA, o que já vimos que não acontecerá e que oferece muitos riscos, também.
E o tal ex decano Celso de Mello que invadiu reunião presidencial e a tornou pública por solicitação de Moro, que chegou a ser homenageado como defensor da liberdade de imprensa, pela velha e tradicional imprensa como o Estadão, que foi censurado durante 10 anos por publicar o envolvimento do filho do Sarney na “operação boi barrica”. Como pode o censurado homenagear o censor? Todos sabemos que Celso de Mello foi indicado por Sarney para o STF.
O antagonista, não só se calou, como também se acovardou, dando uma guinada espetacular à esquerda, com medo de nova censura, virou mais do mesmo.
A combinação da censura entre o STF, Lula e “O CONSORCIO” foi assim. O STF ao decretar a censura aos “antas”(site o antagonista) e todos se calaram, foi mais longe e prendeu militantes que soltaram fogos de artifício na frente do prédio supremo. Como novamente todos se calaram, prendeu um deputado federal. Como todos se calaram, censuraram esse deputado federal e por conseguinte todo o congresso e o executivo. Como todos se calaram, Lula não se calou e decretou “vou colocar um comitê para por ordem na censura”. Como todos se calaram vem o grupo “CONSORCIO” aplaudir a censura. ISSO NÃO ACABA BEM. Pode levar décadas, mas é um perigo.
A diferença foi que o antagonista deixou evidente quem era. Vermes subservientes à esquerdalha. A censura serviu para mostrar quem eles eram.
Censura ele! Bem feito.
Censura-me e verás minhas lágrimas.
Tua dor não é minha dor.
Até quando????