Abilio Diniz sempre teve muito gosto por competir. Para muitos que o conheceram, era mais que isso: um obsessivo. Ele já era um empresário conhecido, na década de 1960, quando passou a ser um dos principais pilotos dos tempos românticos do automobilismo brasileiro. Ganhou várias provas com um Alfa Romeo vermelho. Em 1971, foi vice-campeão brasileiro de automobilismo e eleito o Homem de Vendas do ano. Deixou o automobilismo, mas nunca deixou de competir, nos esportes e nos negócios.
Abilio morreu, neste domingo, 18, aos 87 anos. Ele foi vítima de insuficiência respiratória, em razão de uma pneumonite.
Sua carreira de empresário começou em 1959. Abilio Diniz, o mais velho dos seis filhos do português Valentim dos Santos Diniz e sua mulher, Floripes, abriu com seu pai o primeiro supermercado Pão de Açúcar no Paraíso, em São Paulo, bairro onde passou a infância. Era na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, ao lado da Doceria Pão de Açúcar, que o português Valentim abrira em 1948. Valentim tinha chegado ao Brasil em 1929, e Abilio nascera em 28 de dezembro de 1936.
Abilio Diniz estudou no colégio Anglo Latino, fez o então segundo grau no Colégio Mackenzie e se formou em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas. Em 1965, foi para os Estados Unidos estudar marketing na Universidade de Ohio e economia na Universidade Columbia, em Nova York. Logo depois de sua volta ao Brasil, o Pão de Açúcar já era a maior rede varejista do país. Na década de 1970, com a aquisição da Eletroradiobraz, tornou-se a maior varejista da América Latina. Ajudando o pai, o Pão de Açúcar inovou ao criar os primeiros hipermercados do Brasil: duas unidades do Jumbo, uma em Santo André e outra perto do Aeroporto de Congonhas.
O grupo seguiu fazendo aquisições, comprando os tradicionais rivais Peg-Pag e Superbom. Nesta época já tinha negócios em Portugal e Angola. Eram os tempos do chamado milagre brasileiro. Ao contrário de outros empresários, que em meados dos anos 1970 começaram a pedir a abertura da economia brasileira, Abilio Diniz se manteve discreto, falando somente de negócios ou reclamando muito discretamente da inflação, que estava começando a ser um problema sério da economia e afetando a lucratividade do grupo.
Abilio Diniz, o quase ministro
Em 1981 foi criada a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD). É neste ano que finalmente se une ao coro dos que pediam a abertura da economia. Quatro anos depois chegaria a estar numa lista de possíveis ministros do primeiro governo civil depois da queda do regime militar, o de José Sarney. Logo depois sofreu com o congelamento de preços determinado durante o Plano Cruzado. As prateleiras dos supermercados ficaram vazias. Abilio chegou a ser indiciado, acusado de sonegar mercadorias. Numa entrevista, ironizou: “Fui de possível ministro a inimigo público número 1?”.
Durante o segundo turno da primeira eleição direta para presidente da República, Abilio Diniz foi sequestrado, em 11 de dezembro de 1989, no Jardim Europa. Arrancado de seu Mercedes-Benz, foi levado para um cativeiro no Jabaquara. No quinto dia do sequestro, um sábado, enquanto a família negociava o pagamento de um resgate de US$ 5 milhões, a polícia descobriu o cativeiro. A casa foi cercada e foi iniciada uma negociação, que durou mais de 24 horas. No dia seguinte, Abilio foi libertado e dez sequestradores foram presos: cinco chilenos, dois argentinos, um casal canadense e um brasileiro. Era a manhã do dia do segundo turno entre Lula e Fernando Collor. Na saída do cativeiro Abilio vestia uma camiseta do PT.
+ “Abilio Diniz: Minha maior ousadia foi sempre pensar grande”
Uma pesquisa do Instituto Gallup mostrava o seguinte: Collor 44,9%, Lula, 44,4%. Até hoje, petistas acreditam que o fato contribuiu para a derrota de Lula. Ao sair do local, ainda assustado, disse que aqueles tinham sido os piores dias de sua vida e deu detalhes sobre as horas que passou num buraco cavado no cativeiro. Depois, procurou não falar do sequestro. Muitos anos depois contou que teve de lidar com traumas psicológicos, ouvia barulhos estranhos e procurou um terapeuta. Mas que fez questão de seguir liderando o Pão de Açúcar, como se nada tivesse ocorrido.
Otimista de carteirinha
“Sempre encarei a vida como competição”, disse Abilio Diniz, num trecho de uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ao comentar que tinha começado a competir no triatlo, a competição que reúne longos trechos de natação, ciclismo e corrida. Era o começo dos anos 1990 e Abilio era visto aos fins de semana ao sair ou entrar correndo da Península, a porção final e mais chique da Praia da Enseada, onde ficava sua mansão no Guarujá. O dono de um quiosque na praia sempre gritava quando a figura atlética passava: “Vai, homem de aço!”. Era referência ao Iron Man, o nome da mais famosa competição do triatlo.
Abilio Diniz começou a competir ainda com mais garra também nos negócios. Ele tinha assumido a presidência do Pão de Açúcar, em 1990, e, em 1993, tornou-se o acionista majoritário. O grupo já enfrentava problemas financeiros com disputas familiares pela divisão do negócio. O quadro era agravado pela péssima situação econômica do Brasil vivida no governo Collor. Em 1990, o Pão de Açúcar teve US$ 32 milhões de prejuízo, débito grandioso para a época. Abilio mandou fechar um terço das lojas e demitiu mais de 20 mil funcionários. Depois do ajuste, o grupo voltou a crescer.
O Plano Real, criado em 1994, auxiliou Abilio Diniz e seu estilo competidor. Lançou um pioneiro serviço de entrega, o Delivery, fez a abertura de capital (IPO) na Bovespa. Dois anos depois fez o mesmo na Bolsa de Nova York e tornou o Pão de Açúcar a primeira empresa varejista brasileira a ter ações negociadas em Wall Street. Para expandir o grupo, comprou redes de mercados de bairro, como Barateiro e Peralta.
Aquisições à vista
Em 1999, fechou um grande acordo com o gigantesco grupo francês Casino, rival do Carrefour, que chegara ao Brasil em 1975 e se tornara seu principal competidor. Com dinheiro em caixa, comprou o grupo Sendas e o Sé. Em 2002 assumiu a presidência do conselho de administração e seu pai tornou-se presidente honorário. Significava que a partir daí o Pão de Açúcar passaria a ter executivos no comando da operação. Em 2005 foi criada uma nova holding, a Vieri Participações, que dividiu a sociedade em 50% para a família Diniz e 50% para o Grupo Casino.
Pelo acordo, Abilio Diniz continuaria na presidência do conselho até 2012, mesmo que os franceses tivessem a maioria das ações. Reportagem do The Wall Street Journal de junho de 2006 mostrava os esforços de Abilio para manter o Pão de Açúcar na liderança do mercado brasileiro, mesmo com a recente chegada do grupo norte-americano Walmart. “Como não pode combater a deflação, Diniz — que corre de manhã, malha na hora do almoço e joga squash à noite — está forçando sua empresa a entrar numa dieta de gastos… Para manter o ritmo, espera gastar US$ 1,1 bilhão nos próximos quatro anos.”
Com o Grupo Pão de Açúcar capitalizado, Abilio Diniz liderou a compra do Ponto Frio, em 2009, e, meses depois, anunciou uma joint venture com as Casas Bahia, dando origem à Via Varejo. Estava criado o maior grupo de distribuição da América Latina (o negócio seria em seguida contestado pela família Klein, das Casas Bahia, que reclamou da valoração da empresa). Seu pai, Valentim dos Santos Diniz, tinha morrido em 2008.
Todavia, em 2011, Abilio Diniz decidiu romper o acordo com o Casino, propondo um negócio com o Carrefour, rival histórico do grupo francês Casino. Tinha o apoio do BTG Pactual e a propalada promessa de um aporte do BNDES. A disputa foi aos tribunais e, em 2013, depois acordo, Abilio deixou sua cadeira no conselho do Pão de Açúcar. O Casino assumiria então o GPA e a Via Varejo.
As novas batalhas de Abilio Diniz
Mas, a essa altura, Abilio já era presidente de outro conselho, o da BRF, a então recente e surpreendente fusão das marcas Sadia e Perdigão. Também passara a ser um dos maiores acionistas do Carrefour, por meio da Península Participações, que havia criado anos antes — com o nome em homenagem a seu lugar no Guarujá — para administrar a fortuna e os negócios da família. Ficou como presidente da BRF até 2018, quando foi substituído por Pedro Parente, então presidente da Petrobras. Continuou um grande acionista da BRF assim como do Carrefour Brasil e mundial, do qual foi conselheiro.
O competidor Abilio Diniz foi então lutar em outras frentes: já sócio minoritário da Wine, um e-commerce de vinhos, abriu a O3, uma gestora de fundos. “Sou jovem ainda, com filhos pequenos para criar, e gosto muito de trabalhar e aprender”, disse, na ocasião. “Isso leva a gente para a frente em todos os sentidos.”
Em julho de 2022, porém, o empresário sofreu um grande abalo. Seu filho João Paulo Diniz morreu, aos 58 anos, vítima de um infarto fulminante. “Ontem a vida me deu o golpe mais duro que eu poderia receber, e estou completamente sem chão”, afirmou, nas redes sociais. “A dor que sinto é inexplicável. Meu filho João Paulo me deixou, aos 58 anos, invertendo a lei natural da vida. Filho, peço a Deus que te receba com muita luz e dê forças para toda a nossa família enfrentar este momento tão triste e doloroso. João, te amo muito, meu filho, e sempre te amarei profundamente. Obrigado pelos 58 anos que você passou comigo, sendo meu grande companheiro.”
O celeiro do mundo
Em fevereiro de 2023, Abilio Diniz afirmou que o Brasil estava “vivendo um grande momento” diante das perspectivas de oportunidades de ingresso de capitais internacionais que poderia receber no curto prazo. “A China se abre, e nós somos o grande celeiro do mundo”, disse. “Os EUA começam a se recuperar, a vencer a inflação e não devem enfrentar uma recessão profunda. O mundo apresenta condições para o Brasil ter grandes investimentos.”
Meses depois desta entrevista, em junho, o Grupo Casino, endividado na Europa, anunciou que colocaria à venda o GPA. Já Abilio tinha iniciado a carreira de professor, em parceria com a FGV, e de apresentador de um programa de TV. Dava aulas de como competir.
Abilio Diniz deixa a mulher, Geyze, e cinco filhos: Ana Maria, Adriana e Pedro Paulo, do primeiro casamento, com Maria Auriluce Falleiros, e Rafaela e Miguel, do segundo casamento.
+ Leia mais notícias do Brasil em Oeste
Revista Oeste, com informações da Agência Estado