Com temperaturas elevadas em boa parte do Brasil, o alarmismo climático ganhou força. Atribui-se o calor às “mudanças climáticas”. Mesmo alguns meteorologistas de carreira, sabendo que tais temperaturas são causadas pelo próprio quadro meteorológico que acabaram de explicar, completam que a situação se agravou por causa da interferência humana, tratando a situação como “anômala”. Ledo engano! Assim sendo, nosso artigo de hoje será um pouco mais técnico, mas tenho certeza de que vão apreciar as explanações, especialmente as considerações para esse evento de 2023.
O quadro meteorológico que envolve a situação já foi muito explicado. Trata-se de uma condição bastante corriqueira da estação de meados do inverno em boa parte do Brasil e que se estende pelo início da primavera. Ou seja, a permanência de uma grande área sob domínio de uma alta pressão atmosférica em superfície. Tal condição é estabelecida por um processo de subsidência na coluna atmosférica, por grande parte de sua área dentro do seu interior. (A subsidência é um fenômeno de rebaixamento da superfície do terreno devido às alterações ocorridas no suporte subterrâneo.)
O ar sai de alturas mais elevadas dentro da troposfera (a primeira camada atmosférica de baixo para cima) e vem em sentido à superfície. Como a pressão atmosférica é mais alta, conforme se aproxima da superfície, o ar das colunas descendentes vai se comprimindo e, assim, esquenta-se. O processo não é muito rápido, mas tem velocidade suficiente para praticamente não trocar calor com o ar que está ao seu redor, aquecendo-se.
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Ao mesmo tempo, a alta pressão garante bastante insolação, ou seja, os pacotes de energia que vem do Sol são entregues à superfície continental e acabam esquentando a terra, as rochas, a floresta etc. Mesmo com propriedades distintas de absorção e reflexão, o resultado na prática é o mesmo, pois tudo se aquece dado ao grande número de dias de exposição. Isto gera um processo convectivo ascendente durante o dia, criando a chamada Camada Limite Planetária (CLP), que alcança a altura geométrica de cerca de 2 quilômetros nas regiões mais planas e com elevação altimétrica até cerca de 800 metros (pode variar por outras condições geográficas também).
A meteorologia ainda não sabe o local exato onde o processo convectivo ascendente da superfície se choca ao processo de subsidência da grande alta pressão. Também não se sabe exatamente onde termina o processo frontal (das frentes frias) em altitude, conforme vemos na literatura. De certo que a subsidência é bem forte por se tratar de escala muito superior e tende a forçar a CLP para baixo. Isso causa um enorme efeito de tamponamento, onda a escala superior comprime a convecção inferior dentro da CLP, não permitindo a máxima eficiência de transferência dos fluidos atmosféricos em resfriar a superfície.
Dessa forma, de jeito nenhum conseguimos observar nuvens com algum desenvolvimento dentro do seu domínio de alta pressão, especialmente na sua área nuclear (Estados do Centro-Oeste, boa parte do Sudeste, do sul do Nordeste e de áreas adjacentes, tanto continentais como oceânicas). A nebulosidade será periférica, com outras conexões entre sistemas planetários. O principal “corredor de nuvens”, que sempre ressaltamos aqui, parte da região de Rondônia e segue para desembocar em algum dos Estados do Sul, também variando de situação para situação de e seu adensamento sobre uma específica área, de ano em ano. Pode incluir grande área do Amazonas, especialmente se já se conectar com a umidade que vem do Atlântico.
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Excetuando as trovoadas que pertencem ao próprio corredor Noroeste-Sudeste, são poucas as células de chuvas que conseguem evoluir e romper a barreira da subsidência. Quando isto ocorre, vemos nitidamente uma célula de trovoada sozinha em uma imagem de satélite, onde seu topo de nuvens alcança até –80,0oC de temperatura. Na aviação, são os chamados Cumulonimbus isolados (ISOL CB da Carta SIG-WX), que, neste caso, são totalmente independentes de outros sistemas anexos.
Exatamente quando começa a “proliferação” destas ocorrências, ou quando um sistema frontal segue mais ao Norte, desviando-se menos para o Atlântico, é que temos os indícios que o reinado do anticiclone da alta pressão atmosférica vai acabar. Desta forma, esse sistema é bastante conhecido, ocorre praticamente todos os anos e o que muda, como a climatologia dinâmica já sabe há muito tempo, são suas características dentro de categorias, entre elas:
- Intervalo de tempo inicial de maturação (veja que não há uma data específica);
- Intervalo de tempo final de declínio (idem);
- Duração do estado maduro (curto ou longo);
- Intensidade:
- Forte (isola completamente a área de domínio, afunila o “corredor de nuvens” Noroeste-Sudeste, causando alta precipitação nesta área);Moderada (isola mais a área nuclear de domínio, “corredor de nuvens” NW-SE pouco mais largo, observa-se raros Cb isolados);
- Fraca (embora ainda esteja presente, nota-se mais Cb isolados, especialmente na área noroeste do “corredor de nuvens” e nos estados do Sudeste);
- Posicionamento geográfico (localização da área onde exerce domínio significativo no evento anual e durante o período de existência — reflexo da categoria intensidade);
- Amplitude geográfica (localização dos extremos da área de domínio).
Estas são algumas das categorias que expressam as características de cada sistema de alta pressão que ocorre no Brasil no período inverno-primavera. O sistema atual é muito semelhante ao ocorrido há 30 anos atrás, em 1993, quando vários Estados da Região Sudeste ficaram mais de cem dias sem chuva. No caso atual, isto não ocorreu, mas refletiu em temperaturas mais altas, especialmente porque a falta de nebulosidade intensa de baixa altura se concentrou justamente no período final de inverno e no início de primavera, ocasionando grande insolação e reflexo nas temperaturas do ar em superfície.
Assim, não foi o “efeito estufa” que “agravou” a existência de temperaturas mais elevadas, mas o saldo extremo de radiação solar que ficou bastante positivo. Como o período noturno vai reduzindo seu número de horas conforme se passam os dias, isto resulta em noites cada vez mais curtas, justamente no período de perda de energia terrestre (tudo que chegou durante o dia) que ajudaria a esfriar (lembre-se do inverno). Mas, dia após dia, o Sol nasce mais cedo e se põe mais tarde, repetindo o ciclo, repondo tudo que foi perdido de energia terrestre durante a noite e mais um pouco, até seu ápice, no dia do início de verão. A geometria do movimento aparente do Sol também influi no processo conforme a latitude, sendo mais perpendicular possível com a superfície, enquanto reduz sua inclinação.
Quanto aos valores de temperaturas registradas, algumas inclusive como recordes, faz-se necessário realizar diversas considerações dignas de nota. A primeira delas é que temos que perder essa tosca ideia de que a natureza meteorológica e climática tem limites estabelecidos pelo homem pela sua vã série de registros mal feitos, curtos e pouco representativos na escala geográfica. Em palavras bem simples, ainda estamos a aprender a registrar e entender o que esses dados significam e representam, justamente porque as séries de dados são muito curtas e as relações Dados X Situações ainda foram pouco analisadas e até reanalisadas.
O segundo ponto são as próprias mudanças ambientais onde se localizam os instrumentos de medição. As variações ambientais interferem na tomada de dados, não sendo eles representativos do quadro maior da situação meteorológica. Um dos fatores são os efeitos urbanos sobre dados, mas este é outro ponto que abordaremos com mais propriedade futuramente.
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Mesmo as medições realizadas por satélites, quando se deparam com um grande sistema, como uma alta pressão em superfície tão vasta, “viciam”, ou “queimam pixels”, como se usa no jargão técnico. Isso significa que os sensores, por passarem muitos quadros observando uma determinada energia radiante, ficam bastante sensibilizados para aquele valor e apresentam uma inércia para interpretarem uma energia radiante diferente (maior ou menor). Por mais sofisticado que seja a plataforma sensorial, este ainda é um problema para medição de sistemas grandes deste caso, em especial quando interpretam um sub-estrato atmosférico aquecido que pouco consegue circular (lembrar do efeito de tamponamento descrito acima) ou efeitos radiativos elevados de superfície por causa da alta insolação, ocasionando registros de temperaturas elevadas.
O terceiro e mais importante é a qualidade dos dados de medição. Temos de observar se tais medições de temperatura foram feitos por Estações Meteorológicas de Superfície (EMS) oficiais da rede meteorológica e/ou pertencentes à Organização Meteorológica Mundial (OMM). Recordes devem sempre passar pelo crivo de equipe técnica para se avaliar as condições ambientais de medição, bem como a qualidade e operacionalidade da estação, mesmo sendo estas credenciadas na rede. Em geral, os valores proclamados na mídia são referentes às estações de rede de telemetria, mais simples e utilizadas para monitoramento das condições atmosféricas, mas com menor preocupação com a doutrina que envolve a instalação de estações, pois não estariam dentro do propósito climatológico, mas operacional. Às vezes, boa parte da instrumentação e as condições de medição estão fora do padrão, carecem de limpeza, manutenção e calibração, ainda mais se forem estações do tipo automáticas e se a rede telemétrica for grande. A coincidência desta situação precária da estação de medição ocorrer justamente numa ocasião onde possivelmente se verificou algum recorde pode ser alta e deve ser levada em conta.
O fator ambiental e de manutenção precisa ser considerado, especialmente depois da avaliação de Anthony Watts, que mostrou que 89% das estações automáticas de medição de temperatura máxima e mínima nos EUA ofereciam erros na ordem de 1,0oC, no mínimo, chegando a 5,0oC de diferença para cima do valor real — o que é um verdadeiro absurdo! Se isto ocorreu nos EUA, o que dizer do Brasil?
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De certo, as categorias “intervalo de tempo”, tanto inicial quanto final, são as principais em influir na data dos maiores (ou menores) registros de valores de temperatura do ar. Algumas vezes, também o período pode se centrar em algo completamente díspar, com uma estação sazonal apresentando características de outra, como foi o ano de 2014, em que a “assinatura” típica desta transição de inverno-primavera foi ocorrer durante o verão, onde a insolação é extremamente alta! Foi um dos mais quentes registrados, mas não por causa de “mudanças climáticas” — mas pela total ausência de nuvens, afinal, era verão e em boa parte do Brasil, este período é o ápice do ano hidrológico, onde os totais de chuva são bem elevados! Muita gente “entendida” de clima falou que a ausência de chuvas no Sudeste foi ocasionada por cortes de árvores na Amazônia, ignorando freneticamente os recordes registrados de vazão dos rios nas bacias dos Estados do Sul do Brasil (bacia do Paraná, por exemplo), justamente pelo afunilamento extremo do “corredor de nuvens” (e, portanto, da esteira de umidade) de Noroeste-Sudeste, ocorrendo ao mesmo tempo, conforme explanamos.
Quanto à situação da alta pressão atmosférica quente, o quadro ainda vai persistir pelo início do mês de outubro, com ocasionais quedas abruptas de temperatura para os estados do Sul e São Paulo, entre um dia e outro, quando sistemas frontais e seus ciclones extratropicais (estes últimos, ocorrendo muito mais adentro do Atlântico) passarem pela região, pois continuamos com a “Trilha das Depressões” ainda bem ativa nas médias latitudes.
A climatologia se debruça em registrar os diversos quadros meteorológicos que ocorrem ano após ano, permitindo classificação e comparação entre eles. A complexidade dos fenômenos e os sistemas envolvidos, bem como as dificuldades dos procedimentos e métodos de medição são muito maiores do que se explana definitivamente ao público, como diria o saudoso professor doutor Paulo Marques dos Santos (1927-2022).
Para as pessoas, simplesmente são apresentadas declarações dramáticas e simplificadas do que de fato ocorre na natureza. De certo que as explicações para as mais variadas ocorrências são mais difíceis quando se aparentam “anômalas”, e, assim, culpá-las de existir pelas “mudanças climáticas” ou causadas pelo homem parecem ser uma vertente muito mais fácil para responder aquilo que não sabemos explicar definitivamente com mais propriedade. É o caminho curto!
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Excelente!! Professor existe algum livro ou texto que o senhor possa indicar para que possamos trabalhar didaticamente esse assunto complexo com crianças e jovens?
Excelente texto.
Ricardo Felício pode ser considerado o General, o Ajudante de Ordens, o Coronel e os executores de um trabalho muito maior do que as limitações da enorme maioria de brasileiros permite realizar.
É vital que a verdade seja exposta cada vez mais!
Grande Ricardo Felício, só lamento que o seu canal do youtube tenha sido fechado. Existe boatos que o máximo solar foi antecipado de 2025 para 2024 mas está parecendo que foi mais antecipado mais ainda, para 2023.
Excelente artigo!
Ricardo Felício é reconhecidamente a maior autoridade brasileira sobre mudanças climáticas.
Além de seus vastos conhecimentos, o autor impressiona pelo transparente realismo, indicando que os cientistas precisam avançar muito, antes de propagar conclusões falsas e levianas sobre as influências antrópicas no clima do planeta.