Na primeira parte deste texto, vimos como o Brasil sempre foi um dos portos preferidos para as expedições que visavam alcançar o continente Antártico. Também descrevemos que o nosso país recebeu diversos convites para os cientistas brasileiros participarem de alguma forma desses acontecimentos nos tempos áureos dos descobrimentos. Com a falta de interesse governamental e de pessoal, porém, esse feito foi adiado consideravelmente, em especial porque nossos vizinhos da América do Sul, como a Argentina e Chile, fizeram-se presentes bem precocemente. Assim, antes do Brasil se estabelecer na Antártida por meio da Estação Antártica Comandante Ferraz — EACF, 1982-1983, um grupo de pessoas acabou tomando a dianteira, fundando o Ibea — Instituto Brasileiro de Estudos Antárticos e, em 1973, realizou sua primeira participação institucional representando o Brasil de forma científica. A figura do professor Aristides Pinto Coelho (1930 – 2007) entra nessa história como o nosso primeiro representante que, há 50 anos, realizou esse feito junto ao Ibea e assim, neste ano de 2023, comemoramos este grande momento.
O planejamento de uma expedição ao continente gelado não é tarefa trivial, em especial para as pessoas que vivem em um país dominado pelos trópicos. Entender das necessidades dessa empreitada requer bastante tempo em pesquisa e entendimento. Vale ressaltar que foi justamente este quesito o fator determinante que permitiu ao explorador norueguês Roald Engelbregt Gravning Amundsen se tornar o primeiro homem a alcançar o polo Sul Geográfico, em 14 de dezembro de 1911, vencendo o capitão britânico Robert Falcon Scott, numa das mais eletrizantes disputas exploratórias do século XX.
No caso da nossa recordação histórica de 50 anos, toda a infraestrutura para as operações do Ibea na Antártida nascia de doações espontâneas de outros entusiastas para a Primeira Expedição Brasileira à Antártida. O quesito mais importante referente ao transporte, contudo, ainda era um fator de peso, pois conseguir uma embarcação robusta para, no mínimo, atravessar o estreito de Drake (estreito oceânico de mil quilômetros que separam o cone sul da América do Sul da ponta mais ao norte da península Antártica) já seria uma façanha incrível para a época, sendo esse o principal entrave para o prosseguimento da expedição.
Entre diversas atividades, o Ibea colheu seus frutos, mas, infelizmente, não conseguiu concretizar uma expedição sob seu total domínio. Conseguiram realizá-la, todavia, como cooperadora de outra expedição dos EUA, mandando, então, o professor Aristides Pinto Coelho como representante oficial do Ibea para participar de atividades a bordo do R/V Hero, embarcação estadunidense que percorreu diversas áreas da península Antártica. Neste ponto, torna-se importante ressaltar que o convite ao Ibea foi realizado pela National Science Foundation — NSF, EUA, justamente pelo reconhecimento da seriedade dos trabalhos do Instituto que representava o Brasil e não por indivíduos autônomos que já tivessem alguma ligação aos EUA ou qualquer uma de suas instituições.
Desta forma, 11 anos antes do Brasil se mobilizar para a realização de uma expedição à Antártida, o Ibea já se preparava para o fato. Por consenso, todos os participantes do Ibea escolheram enviar o professor Coelho, por se tratar da pessoa mais bem preparada em diversas áreas de conhecimento, onde poderia conduzir os trabalhos de coleta e pesquisa dos colegas do instituto.
Durante a missão, realizada no verão de 1973-1974, em companhia dos cientistas da Universidade da Califórnia, EUA, o Coelho coletou diversas amostras geológicas, de pequenos animais marinhos, água do mar por onde o R/V Hero navegou, além de registros meteorológicos e oceanográficos tradicionais. Todas as amostras e dados foram trazidos ao Brasil para serem analisadas posteriormente por diversos pesquisadores participantes do Ibea e afins, o que rendeu frutos em trabalhos científicos para estudos de Biologia Marinha e Geologia, mundialmente divulgados. A importância do feito foi de tamanha monta que, em 1977, a Comissão Organizadora do Simpósio El Desarrollo de La Antártica, realizado em Santiago, Chile, convidou Coelho a participar desse evento internacional. Desse modo, o governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, enviou-o como seu representante, sendo esse um passo importante governamental que sinalizaria uma nova visão.
Embora o Ibea não tivesse conseguido realizar seus projetos em toda a sua plenitude, com uma expedição totalmente autônoma, incluindo transporte naval e o estabelecimento de um posto avançado na Antártida, ele preparou o terreno, pois de certa forma provocara o governo, que acabou se manifestando ao criar a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar — CIRM, em 12 de setembro de 1974, dada a repercussão da participação de Coelho no começo do mesmo ano em expedição do Ibea junto ao R/V Hero. Além disso, outro idealista, na própria Marinha do Brasil — MB, o Capitão-de-Fragata Luís Antônio de Carvalho Ferraz (1940 – 1982), hidrólogo e oceanógrafo, posteriormente também participaria de duas missões à Antártida de outros países, desempenhando um papel fundamental em persuadir o Brasil a criar o Programa Antártico — Proantar, em janeiro de 1982, pouco antes da guerra das Falklands, que ocorreria em maio e junho do mesmo ano.
Coelho ainda trabalhou com a energia nuclear, sendo favorável ao seu uso para fins pacíficos, medicinais e de geração de energia, tendo em vista o enorme potencial não explorado de suas vantagens, além da vasta quantidade desta matéria-prima em nosso território. Passou boa parte das décadas de 1980 e 1990 trabalhando nesses temas. Ainda publicou mais de 60 trabalhos científicos e didáticos, nacionais e internacionais.
Entre outras atividades, ele escreveu um livro sobre o Ibea, o continente antártico e a suas observações in loco realizadas por sua exploração na expedição intitulado Nos Confins dos Três Mares… a Antártida. A primeira edição foi publicada pela Letras em Marcha Editora Ltda., tendo depois uma edição revisada e bastante aumentada, lançada pela Biblioteca do Exército Editora, em 1983, ano em que exerceu o cargo de Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Antárticos. Também publicou A Antártida e sua importância para o Brasil (1983) na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Figs.1 e 2) do qual foi membro e o mais antigo O que você deve saber sobre a energia nuclear (1977). Também foi membro da New York Academy of Sciences, da American Nuclear Society, da Academia Brasileira de Farmácia Militar e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil. Em 1964, por suas pesquisas sobre radiações ionizantes, foi laureado com o Prêmio Amadeu Fialho, do Instituto Nacional do Câncer.
Encerramos aqui saldando um débito histórico do nosso país para com a figura de Coelho, um cientista de grande importância, em especial, ainda pela sua visão estratégica do uso da energia nuclear e a todos os visionários do Ibea. Este foi um passo importante para o início da participação do Brasil na exploração do continente antártico, preparando o país em garantir o seu voto sumário nas decisões de estudo, exploração e territorialização da Antártida.
Como sempre, professor Ricardo Felício lançando luz onde ninguém ousa, recuperando fatos cruciais em vez de ficar levantando a bola de pirralhas como a dona Greta e seguindo a nefasta agenda da ONU. Acordem enquanto é tempo.