Ministro da Educação afirma que datas serão mantidas, mas barreiras sanitárias e sociais já fizeram com que até o presidente Bolsonaro falasse em adiamento
Desde que as datas de 1º e 8 de novembro para a versão digital e 22 e 29 de novembro para a versão impressa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram confirmadas pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, a polêmica se instalou. Afinal, manter as datas confirmadas para novembro é possível?
“É uma bravata”, afirma o professor da Faculdade Cásper Líbero Rodrigo Ratier quando indagado sobre a prova durante live da revista Esquinas. “Eles vão ter de adiar se as recomendações sanitárias forem essas.”
Com inscrições abertas de 11 a 22 de maio, mesmo com toda a desconfiança o exame já arrebanhou mais de 2,5 milhões de estudantes, fato comemorado pelo Ministro da Educação em seu Twitter.
Para encerrar o dia, informo que já temos mais de 2,5 milhões de inscritos no #Enem2020: 2.467.478 na versão impressa e 95.626 no modelo digital! O cronograma segue o mesmo. Estamos avaliando a situação dia a dia junto com o @inep_oficial!
— Abraham Weintraub (@AbrahamWeint) May 14, 2020
No entanto, se antes Weintraub mostrava plena convicção das datas para a realização do exame, já demonstra um pouco mais de precaução ao citar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela preparação do exame, como um balizador de suas ações.
Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro admitiu na quarta-feira 13 que o Enem pode atrasar “um pouco”, desde que seja realizado ainda este ano.
Para o professor de Ciências Biológicas Rafael Lucena, o ideal seria mesmo adiar o teste. “A primeira data é no mesmo dia do vestibular da Unicamp, e a segunda, no mesmo dia da Fuvest”, lembra. Além disso, o professor observa que alunos não habituados a estudar com a ajuda da internet estão sofrendo para se adaptar às novas condições de aula. “Quem está acostumado com o ensino a distância vai se dar bem, será favorecido [com a manutenção das datas]”, diz.
Entre os entrevistados por Oeste, a desigualdade social foi o denominador comum para motivar um pedido de adiamento das provas. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2017, última que trouxe a informação, enquanto 67% dos estudantes do Distrito Federal e 57% de São Paulo contavam com banda larga e computador ou tablet para estudar, no Pará, esse índice caia para 19%.
Problema ainda maior para quem já possui algum tipo de deficiência física, por exemplo. Afinal, para realizar o Enem, alguns deles precisam de um acompanhante que “traduza” a prova por meio de toques ou falando de forma muito próxima, o que, na atual situação, não é recomendado.
“Mesmo colocar 50 pessoas dentro de uma sala de aula com um monitor para tomar conta é muito arriscado”, aponta a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda. “Esta semana, com os pais voltando ao trabalho, as escolas tiveram de reabrir na França. As crianças estão sendo separadas por caixas como as de supermercado e, na hora do recreio, quadrados são pintados no chão para que cada uma brinque em seu espaço”, contou a educadora.
Em um momento em que o governo se esforça para cortar gastos, não é difícil imaginar que a necessidade de adaptar o exame para atender às recomendações sanitárias acarretaria em custos extras para contratar mais monitores e espaços maiores para acomodar os estudantes.
CEO da Stoodi, uma plataforma de cursos online voltados para estudantes que querem se preparar para os vestibulares, Bernardo Silva fechou contratos para ajudar com as aulas nos Estados de São Paulo e Ceará e decidiu abrir as videoaulas e bancos de exercícios gratuitamente para que alunos de todo o Brasil pudessem estudar durante a crise do coronavírus.
“A grande questão é o acesso à internet. É uma questão de infraestrutura. Do nosso lado, já estamos preparados, temos soluções para dar essa acessibilidade de forma gratuita para o estudante, mas é preciso proatividade dos governos”, frisa Silva. Redes sociais como Facebook, por exemplo, permitem que seus usuários naveguem por ela gratuitamente. E é esse tipo de acesso que o CEO afirma ser possível entregar.
Mas, enquanto a tecnologia não encontra aliados, quando seria uma boa data para realizar o Enem? Para a coordenadora Andressa, o ideal seria abrir uma consulta pública assim que as aulas voltassem e decidir com base nela. Ante a imprevisibilidade do fim da pandemia, a resposta continua a do presidente: em algum momento, ainda este ano.