Aos quatro anos, Janaína Kuhn caiu ao tentar subir no muro de casa. Dias depois, ela notou um caroço nas costas, no local da pancada. Logo, seu corpo começou a reagir de forma estranha: um osso começou a se formar na sua lombar e a menina perdeu parte de seus movimentos, inclusive a capacidade de girar o pescoço.
A família procurou atendimento médico, mas nenhum diagnóstico claro foi encontrado.
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Apesar das limitações, Janaína, hoje com 40 anos, teve uma infância e adolescência ativas, com prática de esportes e frequência na escola, como qualquer outra criança. No entanto, aos 18, dores intensas começaram a surgir e a mobilidade nos ombros diminuiu, o que levou a um novo ciclo de consultas médicas.
“Os exames de sangue davam normais e não tínhamos respostas”, relatou Janaína à emissora britânica BBC. “Teve médico que chegou a dizer que minha mãe estava querendo ver coisa errada, que eu não tinha nada.” Enquanto isso, a dor persistia.
Aos 19 anos, depois de uma série de avaliações, foi sugerido que ela fosse internada para retirar parte de um nódulo localizado no quadril, o que inicialmente levou a um diagnóstico de câncer. No entanto, diante de exames mais detalhados, ficou comprovado que o nódulo não era exatamente um tumor.
Isso porque, depois da cirurgia, Janaína passou a enfrentar novas complicações de saúde. O quadril sofreu uma calcificação em um ângulo que fez com que uma perna ficasse dez centímetros mais alta do chão. Essa rigidez aumentou a dificuldade de locomoção, e tornou tarefas diárias como andar e sentar muito dolorosas e desafiadoras.
IFOPA Executive Director Michelle Davis shares how thankful we are for the amazing teamwork among FOP researchers, clinicians, biotech and pharma partners, FOP families, and the IFOPA 🙌
— IFOPA (@ifopa) November 20, 2024
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A busca por respostas durou mais três anos até que, durante uma sessão de fisioterapia, uma profissional levantou a hipótese de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP), uma rara doença genética que causa a formação de ossos no interior de músculos, tendões e ligamentos, restringindo os movimentos.
“Nunca tinha ouvido falar da doença, mas ao pesquisar, percebi que muitas características coincidiam com o que estava vivenciando”, lembra Janaína. Moradora de Novo Hamburgo (RS), ela encontrou na internet uma médica em São Paulo especialista em FOP, que confirmou o diagnóstico.
Hoje, Janaína vive com sua mãe em um sítio na cidade gaúcha, onde necessita de auxílio para as atividades cotidianas. Ela é aposentada por invalidez e toma precauções rigorosas para evitar lesões, pois qualquer trauma, por mais leve que seja, pode desencadear novas calcificações no corpo, piorando ainda mais sua condição.
“É como se eu vivesse presa no meu próprio corpo”, descreve. “Busco aproveitar o hoje, porque eu não sei como vai ser o dia de amanhã.”
O que é a FOP, doença que acomete Janaína Kuhn
A FOP é uma doença extremamente rara, que afeta cerca de uma em cada um milhão de pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que existam apenas 100 pacientes diagnosticados. A doença é causada por uma mutação genética no gene ALK2/ACVR1, que faz com que qualquer tipo de trauma, mesmo os mais leves, cause inflamações nos músculos ou tendões e leve à formação de ossos. Isso resulta em uma perda progressiva de mobilidade.
A FOP pode atingir todas as áreas do corpo, incluindo a mandíbula, o que dificulta a alimentação e a fala. Em casos mais graves, os pacientes podem precisar se alimentar por sonda devido à calcificação dos músculos da boca.
Diagnóstico e tratamento da doença
Infelizmente, a FOP não tem cura nem tratamento específico. O manejo da doença visa apenas aliviar as dores e inflamações. O diagnóstico precoce é fundamental para a qualidade de vida dos pacientes, já que em 98% dos casos, os bebês nascem com um sinal característico: malformação no dedão do pé.
Segundo a médica Patrícia Delai, especialista em FOP, a identificação precoce desse sintoma pode ajudar a evitar complicações no futuro. “Os bebês com FOP nascem com o dedão do pé menor que os demais e virado para dentro”, o que seria o primeiro sinal de alerta de que aquele paciente precisa ser acompanhado.
A presença de inchaços que se parecem com tumores e de formação óssea em músculos, ligamentos e tecido conjuntivo também são sintomas, de acordo com a Associação Internacional de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (Ifopa).
Exames de imagem, como raio-x e tomografia, ajudam a confirmar a FOP, assim como o exame genético, completou a especialista. Além disso, é importante que qualquer procedimento invasivo, como cirurgias ou vacinas, seja evitado em pacientes com suspeita de FOP, já que o trauma muscular pode precipitar a formação de ossos indesejados.
Em busca de mais reconhecimento para a doença, um Projeto de Lei 5.090/20 está em tramitação no Congresso Nacional. O projeto visa tornar obrigatório o exame clínico para identificar a FOP em recém-nascidos, a fim de que a doença seja diagnosticada precocemente e tratada da melhor maneira possível.