Há 25 anos atuando em produções para a televisão e para o cinema, o cineasta e roteirista Paulo Cursino conseguiu, com suas comédias, levar para o cinema mais de 30 milhões de espectadores, um feito considerável no Brasil, onde os filmes brasileiros fazem pouco sucesso com o público.
Para ele, que assina os roteiros de campeões de bilheteria como as franquias O Candidato Honesto, De Pernas pro Ar e Até que a Sorte nos Separe e as comédias Fala Sério, Mãe!, O Suburbano Sortudo, Os Farofeiros, um dos problemas é que os cineastas brasileiros não pensam em agradar o público, mas têm os objetivos voltados a ganhar prêmios em festivais. “O cinema brasileiro não ganha dinheiro, não ganha prêmio e tem muito fingimento”, resumiu.
Cursino, que trabalhou em vários programas humorísticos de televisão e agora se dedica exclusivamente aos filmes, acredita que há uma crise de criatividade, gerada principalmente pela necessidade de adaptação das produções ao politicamente correto. “Os filmes acabam não conversando com ninguém porque são produtos genéricos, sufocados pelo politicamente correto.”
O roteirista de Divórcio, longa premiado pela Academia Brasileira de Cinema como melhor comédia de 2017, trabalha atualmente na finalização de Mussum, o Filmis, cinebiografia do comediante Mussum, já filmada, que será lançada em 2023.
Com vários roteiros vendidos e adaptados para o cinema internacional, o cineasta acredita que somente a liberdade total de criação poderá salvar o cinema brasileiro. Na entrevista que segue, o roteirista de Os Vizinhos, filme que esteve nos primeiros lugares do ranking dos mais assistidos na Netflix nas últimas semanas, também falou sobre sua posição favorável ao financiamento público do cinema.
1 — Seu último filme, Os Vizinhos, liderou a lista dos mais vistos da Netflix durante algumas semanas no Brasil. Como vocês estão avaliando essa recepção?
Tudo é decorrência do alcance do streaming. A comédia brasileira, antigamente, não tinha alcance fora do Brasil. E o streaming está mostrando que isso não é verdade. A comédia é muito bem assistida lá fora também. Nosso filme anterior, Tudo Bem no Natal que Vem [com Leandro Hassum como protagonista, de 2020], ainda é o filme brasileiro mais assistido da Netflix mundial. Isso prova que a nossa comédia é mais universal do que se imaginava. Foi uma surpresa para a gente também. Porque o próprio país acaba não valorizando a comédia. Sou o roteirista de maior bilheteria pós-retomada, mas não se vê isso sendo registrado pelo jornalismo, porque os cadernos de cultura do Brasil e a própria Academia do Brasil de Cinema não valorizam a comédia. Temos um enorme sucesso, mas não se fala e ninguém fica sabendo disso. Acaba colaborando para a gente acreditar que não tem alcance. O que faz um filme viajar são os festivais e a gente não entra em festivais. Mas, apesar disso, a comédia é o primo rico do cinema, mas o primo mal visto, o patinho feio. Eu tenho quatro roteiros vendidos para fazer remakes lá fora. O roteiro de O Candidato Honesto foi vendido para a Coreia do Sul, eles refizeram o filme lá, e o filme liderou bilheteria por dois finais de semana. Tudo Bem no Natal que Vem virou remake no México. Mas você não vê isso sendo comentado. Os cadernos de cultura dos jornais brasileiros não valorizam esse desempenho.
2 — Hoje as piadas são monitoradas e algumas são censuradas. Como é fazer comédia sob o domínio do politicamente correto?
A melhor forma de lidar com isso é não lidar com isso. A gente faz o que quer fazer e até se prepara para as porradas que a gente vai tomar. Não há como você fazer comédia sem ofender ninguém. Uma comédia que não ofende ninguém se torna literalmente inofensiva, e o humor não pode ser inofensivo. A posição da comédia é criticar os costumes e o que as pessoas pensam e falam e a gente não pode aceitar essa censura. Nós temos grandes discussões com produtores, com distribuidores, gerentes de conteúdo de canais streamings, que falam: ‘Olha, isso não é muito adequado’, e a gente negocia. Porque o grande público não está nem aí para o politicamente correto. Essa é a verdade. Isso é mais fenômeno de mídia, rede social e jornalismo do que de humor. Você não controla do que as pessoas vão rir. Quanto mais regras, mais as pessoas vão brincar com isso, mais as pessoas vão rir daquilo. Qual a saída? Liberdade total. Não precisamos do politicamente correto. A sociedade se autorregula naturalmente. Quem define o que é engraçado é o público, não é o gerente de conteúdo. A função da comédia não é educar o público. É entreter o público.
3 — Agora, produzindo filmes para Netflix, sem dinheiro público, o que você pensa sobre o financiamento da cultura em geral e do cinema?
Sou totalmente a favor de que haja dinheiro público no cinema e na cultura. O cinema brasileiro, por várias razões, não apenas mercadológicas, não se desenvolveu da forma como deveria. Ficou muito atrás, perdeu competitividade durante a história. Não há como competir com o cinema americano ou mesmo agora com a entrada do asiático. E o mundo inteiro tem o financiamento público, até mesmo no cinema americano. O cinema europeu tem muito dinheiro público. E no Brasil também pode ter. A questão é que nós não fazemos direito. Investe-se muito dinheiro no Brasil, mas investe-se mal. Três ou quatro anos atrás, no último relatório que analisei da Ancine [Agência Nacional de Cinema], peguei uma lista de quase 190 filmes produzidos e 170 eram documentários. Apenas 20 eram dramas e comédias. Não poderia variar um pouco mais, pensar um pouco mais no mercado? Minha conclusão é a seguinte: infelizmente, os cineastas brasileiros não pensam no mercado, o modo de financiamento acaba gerando uma classe que faz cinema pensando em festivais, em prêmios, mas não faz cinema para o próprio povo. Por que a comédia brasileira está conquistando o mundo? Porque a gente brincou de dar público aqui dentro.
4 — É possível reverter isso?
É uma questão de cultura. Não é uma coisa que depende apenas da política. Não adianta mudar o modelo e querer que, de uma hora para outra, toda uma classe pense de uma forma diferente. Não vai acontecer. Hoje temos um problema sério porque os cineastas formados pelas nossas faculdades ainda são muito ideologizados e ainda pensam em fazer filmes que não atinjam o público. Por que um filme da Marvel consegue fazer 20 milhões de espectadores aqui dentro e nós não? Um exemplo são os filmes do Paulo Gustavo [franquia Minha Mãe é uma Peça], que chegaram a bater 13 milhões de espectadores. O próprio Tropa de Elite [franquia de José Padilha]. Ou seja, público, tem. O jovem cineasta não entende que deve agradar seu público. Eles pensam em ganhar o festival lá de fora, Cannes, Oscar, não sei o quê, e pior, acabam não ganhando. Não ganha dinheiro, não ganha prêmio e tem muito fingimento. Então, é claro que deve ser questionado o financiamento público, que não está funcionando. Mas essa turma que faz esse tipo de cinema é muito barulhenta, muita entrada na imprensa, e diz que o cinema brasileiro é premiado no mundo todo. A última vez que o Brasil ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, que é o prêmio principal, foi em 1962, com O Pagador de Promessas [de Anselmo Duarte]. Ainda é o nosso maior prêmio. Desde então, nós nunca ganhamos mais o prêmio principal. O Festival de Cannes tem uma série de mostras paralelas e o Brasil é colocado nessas mostras paralelas como um prêmio de consolação do cinema brasileiro e aí a imprensa vai lá e divulga: ‘Filme brasileiro premiado em Cannes’. Não, não foi premiado. Ganhamos uma mostra paralela, uma menção honrosa, como quem diz: ‘Bonitinha sua participação’.
5 — Quais as suas perspectivas e expectativas para o cinema brasileiro?
Estamos passando por um momento de uma transição muito profunda e não apenas de transição tecnológica. Acredito que haverá espaço para mais criadores, para mais entretenimento, o mercado vai crescer, e vai sobreviver aquele que conseguir entender o que o público quer. Os filmes são caros para serem feitos. O dinheiro está mais dividido, vamos dizer assim, vai ter menos dinheiro, e vai se exigir mais assertividade. Vai se produzir menos para um público maior e entendendo o que esse público quer. Se as produtoras não investirem em criatividade, se não deixarem os autores livres para criar, elas vão morrer, não vão pra frente. O público quer isso: criação, e não existe criação sem liberdade. Quanto menos politicamente correto for, mas o cinema vingará. A grande crise que existe hoje é que não existe mais liberdade criativa, o gerente de conteúdo, com as regras do politicamente correto, acabam sufocando a criação. Os filmes acabam não conversando com ninguém porque são produtos genéricos, modificados por dezenas de opiniões, de gerentes de conteúdo, produtores e canais e tudo mais. É preciso valorizar o autor. Pode parecer que estou sendo corporativista aqui, mas é um fato: sempre foi o autor. Sempre foi o diretor que deu aquela pegada diferente, sempre o roteirista, sempre foi o autor que levou o mercado para frente, que salvou o cinema, e será o autor que salvará o cinema novamente.
É a tal Síndrome de Vira-lata.
Acreditam que tem que agradar os gringos, já que eles são superiores em tudo.
Por isso só conseguem fazer filmes de bandidos e polícia ou de comédia, cujo tema central é sempre os problemas sociais ou o menosprezo ao país, o que reforça os pré conceitos dos gringos e geram prêmios de “melhor filme que mostra aquilo que a gente quer que o terceiro mundo acredite “