O cientista brasileiro Felipe Yamashita, de Botucatu (SP), foi premiado na categoria de Botânica no IgNobel, evento destinado aos fatos mais inusitados da ciência mundial. O paulista foi condecorado junto de seu colega de pesquisa, o norte-americano Jacob White.
Os pesquisadores trabalham com a planta Boquila trifoliolata, trepadeira encontrada nas florestas do Chile e da Argentina. Ela é capaz de mudar o formato, o tamanho e até a cor para imitar plantas vizinhas, uma espécie de camuflagem da “planta camaleoa”.
A espécie é conhecida por povos indígenas da região há mais de 200 anos. “Eles utilizavam os ramos da boquila para artesanato e curiosamente utilizavam as folhas, maceravam e faziam um colírio”, conta Felipe, com exclusividade, a Oeste.
O fenômeno de “camuflagem” já era conhecido pela ciência, mas o estudo de Yamashita e White revelou que a boquila também consegue imitar folhas de plantas sem nem mesmo estar em contato direto com elas.
Até então, os botânicos acreditavam que a habilidade de camuflagem da “planta camaleoa” dependia do contato físico com as demais plantas.
Em 2014, o professor chileno Ernesto Gianoli formulou duas hipóteses para o caso. A primeira sugere que os compostos químicos exalados pelas plantas eram capturados pela boquila e mudassem seu formato.
A segunda considerava que os micróbios da planta hospedeira eram transferidos para a boquila, que então modificava seu material genético e, assim, o formato de suas folhas. A planta se mistura visualmente com seu hospedeiro para se proteger de animais que poderiam comê-la.
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Para comprovar se o fenômeno tinha relação com a biologia da planta original, Yamashita e sua equipe realizaram experimentos com o uso de folhas de plástico. Desta forma, saem de cena os compostos químicos e os micróbios, componentes que baseiam as teorias de Gianoli e que só estão presentes em vegetais reais.
O teste consistiu em alinhar vários exemplares de Boquila trifoliolata frente a uma planta artificial com folhas plásticas. A planta artificial foi posicionada acima das plantas vivas, o que permitiu que as folhas da “planta camaleoa” tivessem contato visual com as folhas artificiais à medida que cresciam.
O estudo revelou que as folhas mais jovens da boquila começaram a mimetizar as folhas artificiais, o que resultou em folhas mais alongadas e com menos lóbulos, como as folhas de plástico. O fenômeno é conhecido como polimorfismo mimético.
Os pesquisadores utilizaram métodos morfométricos para quantificar as características das folhas, como área foliar, perímetro, comprimento e largura.
Folhas “mímicas”, aquelas que tentavam imitar as folhas artificiais, mostraram uma forma mais alongada, com valores mais altos de razão de aspecto (comprimento em relação à largura) e um fator de forma menor, o que indica uma adaptação a formas mais delgadas e menos circulares.
Além disso, a rede de nervuras das folhas mímicas mostrou-se menos densa, com menos terminações de veias livres, o que sugere que estes ajustes morfológicos podem estar relacionados a alterações nos níveis de auxina, um hormônio vegetal responsável pelo desenvolvimento das folhas.
Ou seja, a trepadeira adapta a forma de suas folhas para corresponder à planta de plástico. A descoberta sugere que as plantas possuem mecanismos mais complexos de percepção do ambiente do que se imaginava, uma forma primitiva de “visão”.
Esta visão, segundo a hipótese, poderia ser mediada pelos ocelos, estruturas celulares na epiderme das folhas que funcionariam como lentes, que concentram a luz em células sensíveis.
As primeiras teorias sobre uma “visão” das plantas datam do início do século 20, elaboradas pelo botânico austríaco Gottlieb Haberlandt e por Francis Darwin, filho do renomado naturalista Charles Darwin.
Apesar de ter surgido há mais de cem anos, essa tese nunca havia sido testada em plantas superiores como a boquila, até agora. O experimento foi realizado nos Estados Unidos entre setembro de 2019 e outubro de 2020.
Se comprovada, a tese da visão das plantas pode mudar completamente nossa compreensão sobre como elas interagem com seu ambiente e abrem novas fronteiras para a ciência botânica.
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Além do experimento com as plantas de plástico 3D, Yamashita testou a mimetização da boquila com fotos de folhas impressas em papel. Os resultados ainda não foram publicados.
A jornada até a pesquisa sobre a planta camaleoa
Felipe Yamashita graduou-se em ciências biológicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, sua cidade natal. No penúltimo ano de curso, passou a se interessar por botânica por meio da disciplina de fisiologia vegetal.
Esse interesse o levou aos Estados Unidos, onde realizou um ano de graduação sanduíche e teve maior contato com botânica e ecologia. De volta ao Brasil, ingressou no laboratório de ecofisiologia vegetal, onde estagiou, fez seu TCC e seu mestrado.
Durante o mestrado, Yamashita estudou a comunicação entre plantas através dos artigos dos pesquisadores Stefano Mancuso, da Itália, Monica Gagliano, da Austrália, e Frantisek Baluska, da Alemanha, a quem conheceu pessoalmente.
“Em 2018, fui para Alemanha e conversei previamente com o professor Frantisek Baluska, que me convidou para conhecer o seu laboratório e conversar sobre possível doutorado”, diz Felipe.
O pesquisador soube que foi premiado ao IgNobel através da professora doutora Maria Mercedes, da USP, que faz parte do comitê organizador do evento. O troféu é conhecido por premiar “pesquisas que, de primeiro modo podem parecer cômicas, mas por trás tem uma base científica muito sólida”, segundo Yamashita, que esteve pessoalmente na cerimônia de premiação.
A equipe de pesquisa já planeja novos experimentos em colaboração com a Universidade de Bonn, na Alemanha, onde várias Boquila trifoliolata estão cultivadas.
Estes estudos têm o potencial de revolucionar a forma como entendemos a comunicação e a adaptação das plantas ao ambiente, o que revela uma sensorialidade até então pouco explorada.
No entanto, ainda não é possível presumir quaisquer resultados. “Qualquer aplicação prática que seja proposta agora não passaria de especulação”, disse Yamashita. “O fruto desta descoberta pode ter grande impacto no futuro, mas ainda não dá para saber ao certo.”
Leia o artigo Boquila trifoliolata mimics leaves of an artificial plastic host plant na íntegra através deste link (em inglês).
Leia também: “A ciência do humor”, artigo de Dagomir Marquezi publicado na Edição 234 da Revista Oeste
Planta camaleônica como muitas pessoas o são.