Quando Jair Bolsonaro se elegeu, em 2018, quem o colocou na cadeira presidencial foi a própria esquerda e o sistema. Muitos fatores colaboraram para sua vitória, mas, com certeza, o principal foram as recorrentes tentativas de censura e as perseguições diversas que ele recebeu do sistema. Desde sua eleição, o tal sistema — que pode ser resumido à casta política tradicional e aos juízes do STF e TSE —, acentuou essa prática de modo que, hoje, ela se tornou corriqueira no país. Retirar do ar posts, vídeos, lives e até matérias jornalísticas com a desculpa vagabunda de defesa da democracia é algo que consumimos junto com nosso pão na chapa de cada dia. As recentes reportagens da Folha de S.Paulo, denunciando o descalabro encabeçado por Moraes, são apenas uma parte de tudo isso, pois, por justiça, devemos considerar que outros juízes também praticam tal ato censor com a mesma desfaçatez e desculpa.
Obviamente as denúncias da Folha dão os contornos de oficialidade da burla que até então víamos através de um véu de desconfiança e circunstâncias. Mas a censura se tornou praxe há tempos; talvez o caso de rompimento dessa barreira tenha se dado lá na censura contra a Revista Crusoé e o site O Antagonista em abril de 2019. Antes disso, tal muro de defesa da liberdade de expressão estava suspenso apenas por uma crença comum na liberdade de se dizer o que pensa, além de algumas outras jurisprudências constitucionais que, vira e mexe, eram machucadas, mas não tão maculadas pelo STF como desde então. Segundo a matéria-alvo de censura em 2019, a defesa de Marcelo Odebrecht havia reunido documentos ao processo de defesa de seu cliente que esclareciam que o codinome “amigo do amigo do meu pai”, em e-mails trocados na ocasião das denúncias ali apuradas, era o de Dias Toffoli, na época, advogado-geral da União do governo Lula. Segundo esses tais documentos, os e-mails eram sobre “tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira”. Sob a posse total do dito “Inquérito das Fake News”, Alexandre de Moraes mandou então censurar os dois veículos, cuja pena para seu descumprimento era de R$ 100 mil.
O recém-lançado livro Censura por Toda Parte, pela editora Faro, sob o selo Avis Rara, de Andre Marsiglia, então advogado do Antagonista e da Revista Crusoé, conta os bastidores desse caso. Marsiglia e os jornalistas envolvidos perceberam desde o início que a censura imposta representava um claro rompimento com as práticas democráticas e com a Constituição brasileira. Desde então, esse vão antidemocrático se alargou, e o sistema viu a possibilidade de cerceamento das exposições opositoras como uma ferramenta para lutar politicamente contra tudo e todos que eles não gostam ou não querem em cadeiras de poder.
Em 2018, quando ainda gozávamos de uma liberdade de expressão mais efetiva, a direita se espalhou pela política nacional, conseguindo não só a Presidência da República, como também redutos duros da esquerda mais militante em Estados-chave da União; mas, ainda assim, já se via, sob narrativas e exposições dos próprios representantes do sistema, uma preparação retórica para a oficialização de uma prática de cerceamento de opinião no país. Fato é que, ao que me parece, não deu tempo de parar a eleição do ex-presidente; no entanto, ainda assim o instrumento pró-sistema tinha que avançar. A ascensão de Bolsonaro à presidência, aliás, vai muito além dele mesmo, pois o Brasil tinha — e ainda tem — uma população muito alinhada a pautas e ideias que são contrárias ao que o sistema progressista e a esquerda defendem e impõem sempre que podem. Esse choque de realidade acabou despertando os anticorpos desse sistema e de seus lacaios políticos — e também jornalísticos, diga-se de passagem — e, assim sendo, a normalização da censura sob a pele de defesa democrática é agora cantada como um mantra em um templo budista.
O que Andre Marsiglia denuncia é, principalmente, uma apatia popular e midiática ante o que estava ocorrendo em 2019 — para ele, o que estava ocorrendo ali era o renascimento já avançado de um monstro muito bem nutrido, o neoautoritarismo político brasileiro. E, de fato, Marsiglia tinha muita razão: a apatia social e profissional daqueles que não só trabalham a partir da liberdade de expressão, mas até mesmo dependem dela, é algo grotesco, para não dizer medonho. É aquele gole de veneno que tomamos com cara feliz esperando que os efeitos negativos não cheguem, que a morte não nos atinja no final do copo.
Todavia, a censura “comum” de nossos dias vai muito além de uma “crescente autoritária” apenas. Permitam-me dar voz ao dr. Marsiglia: “Mas, para além da ignorância e do autoritarismo enraizado em nossa cultura, será que a censura tem se tornado epidêmica por alguma outra razão? Sim, por razões políticas, e nesses casos, temos pela frente o pior dos censores: o ideologicamente convicto.” Esse é o ponto: à frente das instituições, temos homens com sanha de poder, prontos para negociarem até com o diabo; no entanto, temos também, agora, no governo, os ideologicamente convictos de que a censura está “ok” quando ela está direcionada aos seus inimigos.
Costumo evocar nessas ocasiões a democracia norte-americana, onde a liberdade de expressão é um princípio básico e raramente ignorado. Lá, a Meta acaba de ir a público denunciar a pressão que o governo Biden fez sobre as plataformas do grupo censurassem posts durante a crise da covid. A empresa pediu desculpas ao país e afirmou que hoje não faria mais isso; nos Estados Unidos, censurar leva empresas bilionárias a fazerem mea culpa em praça pública. A motivação da conduta da Meta é óbvia, afinal, retirar do ar matérias e posts não passa de censura, autoritarismo. Silenciar opositores é vergonhoso e imperdoável para aqueles que defendem de fato a liberdade de expressão.
No entanto, apesar dessa passividade popular, há no ethos público nacional uma tendência à rejeição da censura — é nisso que não concordo totalmente com Marsiglia. Se há um elemento cultural de silenciamento popular ante os censores, esse silêncio não deve ser confundido com reverência ou alheamento das convicções morais dos indivíduos; deduzo isso não apenas com base no caso de Bolsonaro, que enfrentou inúmeras situações de censura, como lives sendo interrompidas ao vivo, militantes sendo julgados por suas opiniões e jornalistas que apoiavam suas posições sendo perseguidos judicialmente tanto no país quanto no exterior. Parece que, de forma intuitiva, o público tende a simpatizar com aqueles que são censurados pelo poder vigente.
Na semana passada, o candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) foi censurado pelo mesmo sistema de censura legal que agora se normalizou no país. E adivinha o que aconteceu? Segundo o Instituto Veritas, Pablo Marçal já está à frente nas intenções de voto dos paulistas, com 30,9%, seguido de Guilherme Boulos com 21,6% e Ricardo Nunes 14,2%. A despeito do apoio declarado de Bolsonaro a Nunes, ao que parece, a parcela liberal-conservadora da população está migrando decididamente para Marçal. Seu caráter aguerrido — por vezes, até sem educação —, munido com a clara estratégia bolsonarista de 2018 de jogar o lixo no ventilador, com certeza é um fator de propulsão eleitoral, mas, acredito que o ponto principal de sua atual ascensão é a censura oficial que ele vem sofrendo. O próximo passo será tentar impugnar a candidatura de Marçal, obviamente, já que o povo agora quer elegê-lo; nada de novo, afinal, é sempre preciso guiar a vontade popular para o aprisco do que queremos, diz o sistema.
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O que a esquerda e o sistema judicial supremo deste país ainda não entenderam, lá do alto de seus poleiros de marfim, é que a população não é idiota e reconhece quem está sendo injustiçado por uma máquina estatal desmoralizada. O primeiro pensamento do Bastião e da Ana assim que uma nova censura é efetivada — assim como foi lá atrás com Bolsonaro — é o seguinte: “Se estão tentando calá-lo, é porque ele traz verdades que eles não querem ouvir. A vitória dele ameaça as suas soberanias políticas. Então vou votar nele.” Parece uma análise simplória, e o é na mesma medida de dizer que a água é molhada. É simples, porém real.
Há no povo um apreço — talvez não tão consciente — pela liberdade de expressão, e aqueles que atentam contra ela acabam perdendo estima popular. É claro que isso é cíclico, nada tão preto no branco, mas, em geral, aqueles que calam pelo poder de canetas acabam desencadeando um furor silencioso dos que entendem que, quem tem medo de verdades é porque está com o “popô” sujo. Querem uma verdade absurda de nossos dias: hoje é proibido discordar de certas coisas publicamente no Brasil. Eles cassam candidatos/desafetos em nome de uma eleição justa e proíbem opiniões contrárias para defender a democracia, que, em tese, é o único sistema político-social que permite, previamente, a discordância opositora. Sério, Brasil? Acorda!
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Pois eu espero que ele ganhe mesmo, depois que eu vi o quadrúpede do governador de São Paulo apoiar a censura, e considerando que eu não suporto o candidato apoiado por bolsonaro, e ainda é do MDB, vou morrer de rir se o Marçal ou até o Boulos forem eleitos, São Paulo merece hehehe, dedo podre não é uma característica só do Rio de janeiro
A análise perfeita da escalada da censura e do autoritarismo que vimos nesse excelente artigo está corroborada na notícia de hoje: o “X” está abolido do país pela caneta monocrática de AM. E o aplauso de amplos setores da própria imprensa é a demonstração da imunização cognitiva que assola uma parcela da sociedade.
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