Se há um autor que está expondo as entranhas teoréticas do identitarismo na academia, este autor é James Lindsay, Ph.D. em matemática pela Universidade do Tennessee e ex-pesquisador no ramo das ciências exatas; foi um histórico democrata, mas afastou-se do núcleo da “esquerda liberal” e tornou-se um ativista anti-identitarismo. Tudo mudou quando ele percebeu a verdadeira baderna opressora e burra que a esquerda progressista havia instalado nas universidades norte-americanas. A seu ver, a ciência e a seriedade acadêmica deram lugar à ideologia identitária de forma tão brutal, que atualmente não é mais possível confiar no rigor e nos critérios de pesquisa de muitas das universidades americanas e europeias.
Lindsay ganhou especial notoriedade em 2018 ao participar do chamado “Grievance Studies Affair”, também denominado de Sokal Squared, uma experiência em que ele, com dois outros acadêmicos — Helen Pluckrose e Peter Boghossian —, escreveu e submeteu a periódicos famosos artigos acadêmicos repletos de uma subciência ideológica, costurada numa linguagem abertamente parcializada, tendo por base a teoria crítica, o pós-modernismo e a justiça social crítica, esqueletos teóricos do “identitarismo”.
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Os artigos beiravam a bizarrices de hospício. As conclusões, propositalmente empoladas numa linguagem acadêmica, defendiam teses tão irreais que soavam como besteirol ao velho estilo cinematográfico da década de 1990. O objetivo, obviamente, era expor a falta de rigor em estudos sociais e de humanidades, especialmente em áreas voltadas a gênero, justiça social e estudos raciais. Eles alcançaram esse objetivo de maneira assustadora.
Muitos bons autores tratam do identitarismo — de alguns deles, como Charles Murray e Jonah Goldberg, eu sou um admirador confesso. Todavia, quando o assunto é profundidade analítica da teoria crítica e do identitarismo como um todo, Lindsay se destaca. Com uma lógica cristalina e uma didática assertiva, o norte-americano explica as teorias filosóficas e sociológicas que embasam — e embaçam — o identitarismo com assertividade raramente vista em outros autores.
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Já li dois livros do autor: o primeiro foi Teorias Cínicas, um daqueles livros que eu amaria ter editado, e que foi muito bem feito pela equipe da Avis Rara. Nessa obra temos, acredito, a melhor exposição acadêmica do que é o identitarismo e as teorias que a sustenta. Escrito com Helen Pluckrose, outra pesquisadora e profunda crítica ao dito “pós-modernismo”, o livro explora as ideias que dão base para os desenvolvimentos das políticas culturais progressistas, mostrando-nos como a esquerda migrou de uma tentativa sincera de análise sociológica e econômica da sociedade para uma espécie de experimento social coordenado a partir das universidades.
Utilizando-se de dois fatores primordiais — 1) a crença na suprema subjetividade da realidade, isto é, a incapacidade humana de determinar verdades de forma objetiva, e 2) a ideia de que, a partir disso, o contexto social e a volúpia pessoal de cada agente são os únicos e válidos fatores de determinação do que é real e aceitável —, os autores criticam de forma límpida e avassaladora as bases e conclusões gerais do identitarismo. Segundo Lindsay e Helen, partindo desses dois fatores, a realidade fragmenta-se, fazendo de cada indivíduo uma ilha de subjetividades identitárias, sem elos comunitários e nem a mínima concordância racional para além das aparências mais banais, por exemplo, gostos sexuais, percepções políticas imediatas e tribalismos de identidade e de performances.
O segundo livro que li de Lindsay é Como Desarmar a Cultura Woke, escrito em parceria com Charles Pincourt, pseudônimo de um acadêmico norte-americano que, por estar nessa máquina de assassínio da ciência e da razão humana, preferiu escudar-se num nome secundário a fim de não ser identificado. Nessa obra encontramos uma espécie de manifesto prático, ou manual, como os autores denominam. Lindsay e Pincourt desenvolvem no primeiro e segundo no capítulo uma explicação breve, dividida em tópicos curtos, sobre o que é o wokeísmo e quais são as ideias que sustentam o identitarismo; mostram os pressupostos nos quais se assentam tais ideias e como elas constroem discursos políticos que hoje definem não só como militantes dessas causas devem se portar, mas também indústrias e governos inteiros; no capítulo seguinte, o último, eles mostram, como num guia prático, de que modo é possível fazer uma oposição racional a cada uma das principais investidas argumentativas dessa turma woke e como criar mecanismos de enfrentamento e retomada de espaço nas universidades.
Como Desarmar a Cultura Woke (Avis Rara) destaca-se no mercado editorial brasileiro por dois motivos básicos. O primeiro: trata-se de um livro claramente direcionado a universitários, em especial aos de humanidades, o público mais suscetível às armadilhas e opressão dos teóricos e amantes dessas ideologias, ainda que possa ser lido e bem aproveitado por qualquer indivíduo, dentro ou fora do meio acadêmico. O segundo motivo é o esforço realmente louvável em traduzir em linguagem simples os principais pontos do wokeísmo, conceituando, inclusive, o que é “identitarismo”, o “movimento woke”, “teoria crítica”, “teoria crítica da raça”, “justiça social crítica” etc.
Há muito que eu critico a direita por, na ânsia de se mostrar erudita e profunda, esquecer-se de ser didática e simples. Quando tais pessoas comuns pegam muitos dos livros que denunciam as peripécias e idiotices do progressismo, esbarram em textos com linguagem rebuscada, conceitos complicados e desenvolvimentos truncados. Muitos podem afirmar que, no fundo, o identitarismo tem um desenvolvimento arraigado numa filosofia complexa que vem lá da Escola de Frankfurt, do “marxismo esclarecido”, das ideias de Gramsci, e, Deus sabe, só quem já teve de ler Habermas e Adorno compreende como entender e explicar toda aquela empolação é um trabalho hercúleo. Porém, acredito que é justamente aí que entra toda capacidade e boa vontade de pessoas dedicadas à missão de expor a perniciosidade do progressismo. O que Lindsay e Pincourt fazem é trazer para um público não especialista a necessária explicação, em termos compreensíveis, sobre o que é, como se desenvolve e como se combate tais ideias absurdas e perigosas.
É fato que ainda não é um livro para o seu Bastião e a dona Ana, mas é sim um livro para os filhos deles, aqueles que estão agora entrando em uma PUC, Unicamp ou USP, e querem entender o que os espera; ou, meramente, é um indivíduo de boa vontade e mente aberta a entender ideias às quais ele pode ou não aderir, mas que quer conhecer melhor. Quem me conhece pessoalmente sabe que tomei como missão pessoal apresentar livros liberais e conservadores que dialoguem não somente com intelectuais de dedinho em riste, mas também com o amplo público brasileiro. É por isso que editei e trouxe para o Brasil O Manifesto Herege, de Brendan O’Neill, e O que é uma Mulher?, de Matt Walsh. É bom saber que os amigos da Faro Editorial também têm essa percepção e estão editando excelentes livros sobre essa temática.