Como se tornou praxe por aqui, todo final de ano trago uma lista dos melhores lançamentos editoriais do ano. É sempre bom relembrá-los de que o único método utilizado para tal seleção não é cego nem duplamente randomizado, é feito por meio da minha experiência como profissional do livro, estudioso de literatura e consumidor voraz. As horas anuais perdidas entre livrarias físicas, anúncios de editoras na internet e buscas de novas leituras na Amazon, por fim, têm seu valor para esta lista. Mas, se tivesse que elencar um norte mental que guiou minhas escolhas, diria ser a “relevância cultural e editorial para o Brasil”; e, apesar de parecer uma lista banal, não é, pois todas minhas leituras são anotadas, e cada livro que vejo lançado pesquiso de forma profunda para que, quem sabe, figure ao final de ano nesta listagem aqui na Oeste.
Neste ano, tivemos grandes obras sendo lançadas e relançadas, e, com certeza, muitas delas trazem em sua armaria a relevância necessária para ser notada, mas, como defini que serão apenas cinco os indicados desta vez, justamente para podermos dar um destaque maior e para tornar a seleção realmente acurada, deixemos para as minhas redes sociais mais cinco livros que indico além destes que virão a seguir. Para os demais, sigam-me no Instagram (@pedrodocontra). Mas, sem mais delongas, em ordem decrescente, serão esses os meu “Top 5” de 2024:
5 – A Geração Ansiosa — Jonathan Haidt (Companhia das Letras)
Se você lê minhas colunas semanais, provavelmente já desconfiava que esse livro apareceria na lista, pois não foi em uma ou duas situações que me peguei refletindo e indicando-o por aqui. A Geração Ansiosa é um livro do psicólogo Jonathan Haidt que explora as causas do aumento da ansiedade, depressão e fragilidade emocional entre jovens nascidos após 1995, a chamada “Geração Z”.
O autor defende que mudanças culturais e educacionais, combinadas com o impacto das redes sociais, contribuíram para a intensificação desses problemas psicológicos profundos, em especial, nos jovens. Ele destaca, em particular, três ideias prejudiciais que se tornaram comuns: 1 – evitar desafios ao invés de enfrentá-los; 2 – confiar cegamente nas emoções em vez de questioná-las; e 3 – dividir o mundo em “bem” e “mal”. Essas ideias, segundo o autor, têm gerado ambientes mais frágeis, instáveis e menos resilientes; ambientes que pedem controle maciço e, assim, ignoram a responsabilidade e as liberdades individuais no processo.
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O livro sugere ainda que práticas de “proteção excessiva” por pais e educadores, junto do uso contínuo de smartphones, dificultaram o desenvolvimento da independência emocional e cognitiva dos jovens. Em resposta, Haidt propõem estratégias baseadas na psicologia cognitiva e na filosofia estoica, como ensinar jovens a questionarem seus pensamentos automáticos e a valorizarem o enfrentamento de adversidades.
É, assim, uma leitura essencial para pais, educadores e todos aqueles que buscam compreender os desafios dessa geração e, principalmente, diria até, para aqueles que compreenderam que um dos caminho de reestruturação social no Ocidente passa por fomentar a capacidade juvenil de enfrentar o mundo com mais coragem e equilíbrio, menos “mimimi” e mais resiliência.
4 – Revolução Cultural Silenciosa — Cristopher F. Rufo (Avis Rara)
Chega a ser difícil resumir essa obra magnífica da investigação acadêmica e institucional dos EUA, mas isso deve ser tentado. Revolução Cultural Silenciosa de Christopher F. Rufo examina como ideias da esquerda radical se infiltraram e dominaram instituições-chave dos EUA — e, por extensão óbvia, sob a mesma estratégia, aqui no Brasil também. Universidades, corporações, mídia e governos ocidentais, mostra-nos Rufo, foram paulatinamente sendo tragados pela esquerda num movimento de revolução silenciosa digna de filme. O autor argumenta que essa mudança cultural não foi acidental, mas sim fruto de uma estratégia deliberada, baseada em princípios do marxismo cultural e, mais recente, em teorias críticas expandidas até o identitarismo contemporâneo.
Rufo aponta que conceitos como justiça social, interseccionalidade e equidade foram amplamente adotados como normas culturais, muitas vezes à custa de valores tradicionais, como meritocracia e liberdade de expressão. Ele também explora como os militantes reformularam o discurso público e criaram dinâmicas de poder que silenciaram o debate e promoveram a censura de ideias dissidentes em quase todo o Ocidente livre.
O autor alerta-nos ainda para os efeitos dessas mudanças na coesão social e no funcionamento democrático dos países, defendendo um retorno imediato a princípios clássicos de liberdade e pluralismo. Uma leitura instigante para quem busca compreender os embates culturais atuais e sair da bolha rasa de pseudonormalidade institucional que os papagaios midiáticos e seus senhores, juízes e demais donos do poder, vomitam diariamente em nossas TVs e smartphones. Ler esse livro, senhoras e senhores, é quase como finalmente sair daquela caverna alegórica de Platão.
3 – Na Casa de Meu Pai — Joseph O’Connor (Tordesilhas)
Joseph O’Connor conseguiu um romance emocionalmente envolvente que explora os laços familiares, as cicatrizes do passado e a busca por redenção. A história gira em torno de um irmão e uma irmã irlandeses, Martin e Rosie Aylward, que se reencontram após anos de afastamento causado por traumas e segredos familiares; mas, o mais impressionante, é que a trama se baseia numa história real, a de monsenhor Hugh O’Flaherty, cujas atuações durante a tomada nazista da Itália ajudaram mais de 8 mil pessoas a fugirem da máquina de morte hitlerista. Entre os ajudados estavam judeus e soldados aliados.
Na Casa De Meu Pai alterna entre o presente e o passado, revelando as complexas dinâmicas de família e os desafios enfrentados por Martin e Rosie. Enquanto Rosie tenta reconstruir sua vida em Londres, Martin lida com a culpa e os arrependimentos que o assombram. A narrativa é rica em nuances emocionais, com momentos de dor profunda, algo que o autor explora como poucos que li em minha vida; o autor, além disso, consegue temperar seu texto com doses generosas de ternura e humor, algo já característico de sua escrita para quem o conhece.
Com uma prosa lírica e personagens profundamente humanos, Na Casa de Meu Pai é um retrato comovente de como o passado molda nossas escolhas e como a reconciliação, apesar de difícil, pode ser um caminho para a cura. Percebam como escrevo com cuidado para dar nuances da obra sem deixar escapar spoilers, pois realmente espero que leiam esse livro. Por fim, é uma leitura intensa e tocante, ideal para quem aprecia histórias sobre relações humanas, com fundo histórico real e segundas chances.
2 – Raça e Cultura — Thomas Sowell (LVM/Ludovico)
Raça e Cultura, de Thomas Sowell, é uma obra profunda que examina o papel da cultura na formação das realizações e desigualdades entre diferentes grupos raciais ao longo da história. Sowell afirma que as disparidades entre grupos não são fruto de fatores biológicos, mas de diferenças culturais que moldam comportamentos, valores e escolhas; a pergunta fundamental de Sowell nessa obra é se a pobreza e a desigualdade social, majoritariamente, advêm de situações inatas de determinadas culturas ou por meio de escolhas — conscientes ou não — que afastam grupos de indivíduos do caminho da prosperidade.
Com uma abordagem ampla e analítica, o autor esmiúça como práticas culturais, desde tradições econômicas até normas sociais, influenciaram o desenvolvimento de civilizações e as interações entre grupos. Ele rejeita explicações simplistas, baseadas em racismo estrutural, focando em como o aprendizado cultural e a adaptação às circunstâncias históricas explicam melhor as disparidades.
Sowell desafia, assim, narrativas dominantes nas universidades e apresenta-nos uma análise fundamentada em dados históricos, econômicos e sociológicos, defendendo que a cultura é dinâmica e pode ser sim transformada, confirmada ou tolhida. O livro é denso e provocativo, ideal para quem busca compreender questões raciais de uma perspectiva menos convencional e mais orientada por evidências. Como já é comum em Sowell, não há simplificações nem chavões ideológicos prontos. Prepare-se, então, para uma análise profunda, que derrubará inúmeros dogmas ideológicos que se tornaram mantra no mainstream contemporâneo.
1 – Tirant lo Blanc — Joanot Martorell (Ateliê Editorial)
Após anos sem nova edição, ou com edições sofríveis, a Ateliê Editorial trouxe para o final deste ano a 3ª edição de Tirant lo Blanc, a obra que mais influenciou Miguel de Cervantes e remodelou a escrita ficcional na Idade Média. Tirant lo Blanc, de Joanot Martorell, é uma das grandes obras da literatura medieval, frequentemente considerada o primeiro romance moderno. Publicado em 1490, o livro combina elementos de cavalaria, amor e política, apresentando uma narrativa rica e extremamente multifacetada.
A história acompanha Tirant, um cavaleiro audacioso, em suas aventuras para defender o Império Bizantino das forças otomanas. Ao mesmo tempo, o romance explora os dilemas do amor cortês, particularmente a relação de Tirant com a princesa Carmesina. Com uma mistura de ação épica, humor e intriga, o texto subverte as convenções de então da literatura de cavalaria, retratando personagens mais humanos e situações menos idealizadas.
Escrito em catalão medieval, Tirant lo Blanc é um marco literário que influenciou obras posteriores, incluindo, como já dito, Dom Quixote, de Cervantes. A edição da Ateliê conta com a premiada tradução direta do catalão de Claudio Giordano. É assim uma leitura indispensável para os amantes da literatura clássica, destacando-se por seu realismo, complexidade narrativa e inovação para a época. Um livro que compõe parte fundamental do caminho da literatura Ocidental, ajuda a explicar as nuances e desenvolvimentos da literatura de cavalaria, vertente essa tão profunda que, de certa maneira, ainda hoje faz parte de muitas obras contemporâneas.
Essa é minha seleção. Perceba que mesclei não ficção com ficção, e não foi proposital, foi antes natural. Espero que analisem as obras que indiquei. Caso não conheçam e caso discordem, ou queiram complementar algo que disse, não deixem de comentar abaixo. Que venha 2025 com muitas leituras, críticas e mais leituras.