A palavra sonho costuma despertar nas pessoas uma dose de esperança. No filme O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023), em cartaz nos cinemas, o conceito é outro. Diz respeito à realidade atual, marcada pela ânsia por reconhecimento e poder.
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É tudo isso que o protagonista, Paul Matthews (Nicolas Cage) não tem. Seu estilo insosso não combina com o padrão que o mundo atual impõe como o de vencedor.
Nem a sua grande capacidade intelectual e o seu estilo de vida honesto servem para acalmar suas frustrações de não se sentir reconhecido. Não consegue publicar sua tese e vê colegas utilizando suas ideias com sucesso.
No rastro de sua insatisfação e timidez, de repente ele se vê como celebridade, ao perceber que vem aparecendo no sonho de quase todas as pessoas. A trama aí, ganha um toque surreal e de comédia.
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Uma interpretação psicanalítica poderia dizer que isso significa, no sonho coletivo, o desejo da sociedade em lidar com a própria insignificância, intrínseca à condição humana, diante do incontrolável. Matthews, com o olhar inseguro de um Cage em grande performance, representa isso.
Ao ter sua história contada, em um artigo de uma antiga namorada, que sonhou com ele, o protagonista logo é reconhecido por um imenso número de pessoas.
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Ganha fama mundial. Atrai o desejo dos patrocinadores e se vê como centro das atenções em entrevistas para a TV.
Situação ganha outra face
Nos sonhos, sua personalidade passiva é o que se destaca. Pessoas se encontram em apuros ou necessitadas de ajuda e ele apenas observa, sem tomar atitude. Sintetiza, neste caso, o medo do anonimato e da indiferença de cada um.
Matthews, no entanto, vê a situação como uma oportunidade de realizar o desejo de também se sentir alguém, por meio da fama. E assim ter seu livro de biologia, que ele ainda nem escreveu, publicado. Cai na armadilha que sua própria imagem comum atraiu.
Pai de duas filhas, Sophie (Lilly Bird) e Hannah (Jessica Clement), com um casamento estável com Janet (Julianne Nicholson), ele logo percebe que tudo não passa de ilusão.
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A própria situação delirante começa a revelar outra face: em vez da pessoa pacata dos sonhos, que se transformam, ele se torna um ser violento e assassino e vira o vilão no inconsciente coletivo.
Todos então ficam assustados em permanecer ao seu lado. É até afastado da universidade em que dá aulas e até perde o apoio familiar. Vira apenas figura utilizada pelo mercado trash.
Assim ele percebe o valor de tudo o que ele tinha. Numa crítica às redes sociais, é julgado e cancelado por aquilo que ele não fez. O filme então, dirigido por Kristoffer Borgli e do estúdio A24, leva o público a pensar que apenas viver de sonhos pode ser, na realidade, o maior dos pesadelos.