‘Sandbox’ regulatório é usado desde 2015 em países como Reino Unido e Alemanha e serve para testar inovações com clientes reais
Se seu banco decidisse criar um produto para disponibilizar para o público hoje, você sabe quanto tempo isso levaria para acontecer? Pelo menos um ano. Isso porque, antes de colocar qualquer novo produto ou serviço no mercado, as instituições bancárias e financeiras brasileiras precisam apresentar uma série de documentos ao Banco Central (BC), como um projeto que contenha o modelo de negócio que será utilizado, os recursos que vão bancá-lo e a origem deles, quem são as pessoas envolvidas em desenvolvê-lo e uma série de outras burocracias.
Além disso, o BC passa tudo o que é apresentado pelo que chama de normas prudenciais, isto é, verifica se o novo produto se adequa ao plano contábil da instituição entregue anteriormente e se os clientes não serão de alguma maneira prejudicados pelas inovações.
É por isso que novidades como o Pix, por exemplo, começaram a ser discutidas em 2016 e apenas agora, em novembro de 2020, conseguiram entrar em vigor.
Leia mais sobre o Pix no artigo: “20 dúvidas que você pode ter sobre o Pix”
Metodologia diferenciada: o sandbox regulatório
Em tradução literal do inglês, sandbox significa caixa de areia. Costumeiramente é um brinquedo em que os pais deixam as crianças e elas podem experimentar novas sensações e criar “mundos” conforme sua imaginação. Não é muito diferente do que ocorre com o tipo de metodologia que o BC quer aplicar para novos produtos das instituições financeiras a partir do primeiro semestre de 2021.
“O sandbox regulatório serve para avaliar comportamentos e novas diretrizes que possam ser realizadas”, explica o advogado especialista em Direito Digital e Proteção de Dados Rony Vaizof. “Tudo supervisionado, para que nada fuja muito do controle.”
O primeiro sandbox regulatório surgiu em 2015 no Reino Unido e foi utilizado pela Autoridade de Conduta Financeira (FCA, da sigla em inglês). Nele, pensou-se que as organizações podem experimentar e testar produtos, serviços, modelos de negócio e mecanismos inovadores em ambiente controlado, em que também vão se desenvolver eventuais necessidades de regulamentação.
O sucesso com a experiência da FCA foi tão grande que reguladores em todo o mundo passaram a utilizar a metodologia. Atualmente, há mais de 50 entidades que empregam o instrumento. No Brasil, por exemplo, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foram as primeiras a abrir caminho para a utilização da ferramenta.
Sandbox no Banco Central
Com o lançamento da Resolução BCB nº 29, de 26 de outubro, o Banco Central quer estimular a inovação e a diversidade nos modelos de negócio no sistema financeiro e no sistema de pagamentos do país, enquanto aumenta a eficiência, reduz custos e promove a concorrência entre as instituições financeiras.
A partir do primeiro semestre do ano que vem, quando for lançado o edital do sandbox do BC, as instituições poderão apresentar projetos de produtos e serviços inovadores, isto é, que ainda não existam no mercado brasileiro e serão testados com clientes reais dessas instituições, sob a supervisão da autoridade monetária brasileira.
“Ainda não definimos quantos projetos vamos acompanhar”, diz a chefe-adjunta do Departamento de Regulação do Mercado Financeiro do BC, Paula Leitão. “Os projetos podem durar um ano, prorrogável por até mais um ano, mas isso não é automático. Também haverá a possibilidade de um terceiro ano.” A executiva explica que essas extensões no prazo podem ser concedidas para que se torne possível ter um melhor conhecimento do produto ou serviço que se está analisando.
Porque é isso que se dá quando o prazo e as extensões estabelecidos pelo BC terminam: ou o produto é regulamentado de forma final e se torna fixo da instituição, ou é descontinuado, o que também pode ocorrer caso haja o descumprimento de alguma das regras da ferramenta pela instituição selecionada antes mesmo do final previsto.
“As empresas têm de deixar claro para os clientes que participam do sandbox que existe um plano de saída em caso de insucesso do produto ou serviço desde o início”, explica Paula. Assim, ainda que participem de uma espécie de “laboratório” de produtos financeiros, não há o risco de que existam perdas para quem optar por testar um novo modelo.
“Se o Bacen [Banco Central] receber muitas reclamações, ele também poderá cancelar o projeto”, destaca a advogada de Direito Bancário Digital Florence Terada. Ela afirma que fomentar a inovação com a assistência do regulador é extremamente positivo para o Brasil e para o próprio sistema financeiro nacional. “Ter a segurança jurídica [de contar com o BC ajudando a regulamentar o produto enquanto ele é usado] do ponto de vista da instituição que apresenta o projeto também é muito bom, porque você tem o tempo dos envolvidos, o aporte financeiro e a questão de lidar com o cliente final em uma situação real que é uma responsabilidade muito grande”, conclui a advogada.