Para o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, a dívida pública brasileira está indo em direção da insustentabilidade, a menos que o governo Lula não mude a rota da política fiscal.
Durante um café da manhã com jornalistas, organizado nesta segunda-feira, 4, na sede do BV, na zona sul de São Paulo, Padovani ilustrou o cenário que o banco está desenhando para os próximos anos. No evento, ele salientou o risco representando pelas contas públicas brasileiras sem controle.
“O nosso problema é o fiscal“, explicou Padovani. “Qualquer pessoa no mercado e no governo sabe que temos um problema de sustentabilidade da dívida pública. A dúvida é como enfrentar esse cenário. Qual será a resposta do governo em relação a essa situação. Isso não está claro.”
Segundo o economista, o cenário internacional não é favorável ao Brasil, assim como para mercados emergentes como um todo.
“Independentemente se ganharem Donald Trump ou Kamala Harris, as receitas econômicas não são tão diferentes”, explicou Padovani. “Ambos prometem aumento dos gastos públicos. Isso vai gerar inflação por lá. E forçar o Federal Reserve (Fed) a subir juros. Com isso, o dólar vai ser fortalecer em relação ao resto do mundo. E o câmbio com o real vai piorar ainda mais.”
Segundo ele, a China não vai ajudar o Brasil com a demanda de matérias-primas. “A economia chinesa está desacelerando”, salientou. “Os estímulos prometidos pelo governo chinês não são suficientes para compensar uma redução estrutural do crescimento.”
Saiba mais: Aumento da dívida pública do Brasil não é questão de fé, diz Estadão
Como se não bastasse, a guerra comercial com os Estados Unidos vai continuar, mesmo que Kamala Harris se torne vitoriosa nas eleições.
“Os mercados emergentes vão sofrer com tensões geopolíticas, dólar forte, juros internacionais em alta e aversão ao risco”, disse Padovani. “Teremos pelo menos três anos desafiadores pela frente.”
Selic alta por mais tempo e dólar nas alturas
Segundo o economista-chefe do BV, com esse cenário, os juros brasileiros deverão se manter elevados até, pelo menos, 2026.
O cenário-base do banco é de uma Taxa Selic se mantendo em 11,50%, em 2025 e 2026, com picos de 12,50% ao longo dos meses, que deverão voltar para baixo se a inflação ceder.
“Isso pode gerar um problema para as empresas endividadas e também ser negativo para a trajetória da dívida”, explica Padovani. “O mercado está operando cada vez mais sem saber me que momento será possível estabilizar a dívida com juros desse tamanho. E essa é a preocupação do Banco Central. Se tiver uma trajetória explosiva de dívida, teremos dois canais onde isso aparecerá nitidamente: câmbio para cima, e portanto inflação subindo, e desaceleração econômica.”
Sortes do Brasil são economia resiliente e vizinhança complicada
Para o economista-chefe do BV, o que está salvando o Brasil é uma economia mais resiliente do que o mercado estava prevendo.
Saiba mais: FMI prevê crescimento da dívida púbica do Brasil e aponta superávit primário somente a partir de 2027
“A economia brasileira vem se mostrando muito robusta”, explicou Padovani. “O que salva é a pauta exportadora, a força impressionante do agro e o aumento das atividades petrolíferas. No ano passado, 43% do crescimento foi Vale, Petrobras e agronegócio.”
A taxa de desemprego no menor nível desde março 2012, data do começo da série histórica do IBGE, também tem efeitos positivos inesperados.
“Com mercado de trabalho aquecido, massa salarial em alta, além do benefício para o consumo o risco de inadimplência diminui”, explicou Padovani.
Segundo o economista, “esses números positivos são efeitos das reformas feitas pelos governos que se sucederam entre 2016 e 2021, como independência do Banco Central, Marco do Saneamento, reforma trabalhista, reforma da previdência, entre outros”.
Para Padovani, a economia brasileira está crescendo em seu Produto Interno Bruto (PIB) potencial, por volta de 2%, “e esse crescimento vai continuar nos próximos anos nos mesmos patamares”.
Saiba mais: Dívida Pública Federal sobe e fecha maio em quase R$ 7 trilhões
Por causa disso, a inflação dificilmente vai conseguir convergir para a meta prevista pelo Banco Central, se mantendo por volta de 4% até 2026. “Esse é o drama”, disse o economista. “Com isso, o BC não vai conseguir cortar juros.”