Em 2016, milhões de brasileiros foram às ruas clamar pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, a crise institucional, política e econômica causada pela cleptocracia petista inflamou aquelas que se tornariam as maiores manifestações da história da República.
Cartazes com mensagens antipetistas eram empunhados aos montes pelos manifestantes. Contudo, não foi apenas a insatisfação com o Partido dos Trabalhadores que estampou as cartolinas. “Menos Marx, Mais Mises”, um bordão desconhecido até aquele momento, passou a ser registrado pelas câmeras da imprensa. A frase era vista não apenas em cartazes, mas também em faixas, camisetas e adesivos. Posteriormente, o lema se tornou título de um livro, chamado Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil.
Esse momento catapultou o nome da Escola Austríaca de Economia, da qual Ludwig von Mises é um dos principais expoentes. Suas bases, fincadas na liberdade de mercado e nas liberdades individuais, passaram a influenciar os movimentos políticos liberais e conservadores que surgiram no país depois da queda de Dilma Rousseff. Mas o que é, de fato, a Escola Austríaca de Economia? Para responder a essa questão, Oeste entrevistou o economista Ubiratan Jorge Iorio, um dos grandes especialistas no assunto.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
1 — O que é a Escola Austríaca de Economia?
Trata-se da que melhor consegue explicar a economia do mundo real — e o faz de maneira simples e inteligível para qualquer pessoa, com lógica irrepreensível e dentro das limitações que a realidade impõe a todas as ciências sociais. Dentre todas as abordagens econômicas existentes, a Escola Austríaca é a mais liberal, no sentido de enfatizar a importância da economia de mercado e das liberdades individuais. Os intelectuais mais conhecidos dessa escola de pensamento econômico são Carl Menger, considerado seu fundador; Ludwig Von Mises, que demonstrou a insustentabilidade econômica do socialismo e escreveu Ação Humana, considerada sua obra mais importante; e Friedrich Hayek, laureado com o Nobel em 1974, que desenvolveu a teoria dos ciclos econômicos e escreveu O Caminho da Servidão, seu livro mais conhecido. Em meu curso A Escola Austríaca e a Economia Brasileira, cujas inscrições acabam de ser abertas, explico os fundamentos dessa escola de pensamento econômico, mostrando as diferenças entre a visão de mundo liberal e a antiliberal e a impossibilidade, no longo prazo, de conciliação entre ambas. Também faço uma retrospectiva da economia do Brasil do início do período republicano até os dias atuais.
2 — Quais são as principais diferenças entre a Escola Austríaca e as demais escolas de estudos econômicos?
Quando se estuda a Escola Austríaca, analisa-se não apenas a economia, mas as relações dela com a política, o direito, a história, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a epistemologia e a filosofia política. Aquele típico homo economicus, a que todos os estudantes de Ciências Econômicas são apresentados nas universidades, não existe. É fruto da imaginação, uma construção imaginária útil do ponto de vista teórico, mas desconectada com a realidade do dia a dia. A partir daí, surgem as diferenças em relação às demais escolas. Uma diferença é que a Escola Austríaca não se limita a estudar os problemas econômicos isoladamente. Outra é que a Escola Austríaca dá ênfase às escolhas individuais, que chama de ação humana, que sempre são feitas ao longo do tempo e em ambiente de alguma incerteza que não pode ser medida. Uma terceira é o subjetivismo presente nas escolhas, o que leva a Escola Austríaca a olhar com desconfiança modelos matemáticos de comportamento, assim como modelos econométricos de previsão.
3 — Quais países adotaram, pelo menos parcialmente, as ideias difundidas pelos economistas austríacos?
Os mais conhecidos são o Reino Unido, no período de 1979 a 1990, com Margaret Thatcher como primeira-ministra; e os Estados Unidos, entre 1981 e 1989, sob a presidência de Ronald Reagan. Ambos adotaram políticas interna e externa conservadoras, bastante influenciadas pelas ideias de Hayek. No Reino Unido, as grandes reformas estruturais promovidas pela primeira-ministra deram fim a uma grande crise causada pelos governos trabalhistas e permitiram um longo período de crescimento autossustentado e recuperação da influência britânica no cenário mundial. Nos Estados Unidos, as reformas pró-mercado de Reagan também proporcionaram um período de prosperidade, com sua política de recuperação econômica mediante estímulos à oferta, conhecida como “Reaganomics”, e com medidas de desregulamentação, redução dos gastos governamentais e cortes de impostos.
4 — Por quais motivos os economistas austríacos são marginalizados nas universidades brasileiras?
Penso que a explicação para essa queda na popularidade acadêmica tem pelo menos dois motivos: o primeiro é que as explicações dos austríacos para a Grande Depressão e suas consequentes recomendações quanto ao que os governos deveriam fazer não eram muito agradáveis aos ouvidos dos políticos, quando comparadas às de Keynes. Enquanto os primeiros recomendavam apenas liberdade, austeridade fiscal e controle monetário, Keynes apregoava que os governos deveriam gastar mais para estimular a demanda, ou seja, entre o comportamento parcimonioso da formiga e o esbanjador da cigarra, políticos preferem sempre optar pelo último, que lhes é duplamente conveniente, seja porque lhes dá mais popularidade, seja porque o dinheiro que gastam não é o deles. O segundo motivo é que a teoria econômica passou a se afastar de suas origens clássicas na filosofia moral e a aderir ao positivismo, o que a levou a adotar métodos cada vez mais semelhantes aos das ciências naturais. A teoria econômica tornou-se alheia ao mundo real por ignorar as relações que sempre existiram e vão existir da economia com as demais áreas de conhecimento do campo social. Por isso, a Escola Austríaca foi sendo marginalizada pela nova “sabedoria” convencional, revestida de matemática e métodos econométricos.
5 — Qual a relação da Escola Austríaca com o libertarianismo?
Os libertários representam o ramo mais radical da Escola Austríaca. Entretanto, a maioria dos austríacos não é libertária, porque sua fundamentação original é o liberalismo clássico, de teor conservador. A esse respeito, é curioso que muitos libertários defendam pautas bem semelhantes às “progressistas”, como aborto, liberação de drogas, defesas de “minorias”, feminismo e outras, embora haja divergências quanto aos meios. O ponto essencial é que para um libertário, como o próprio nome indica, a liberdade é “tudo” ou quase tudo na hierarquia dos direitos. A raiz da Escola Austríaca está fincada na terra mais conservadora do liberalismo clássico, e, portanto, considera que a hierarquia dos chamados direitos naturais deve ser, primeiro, a vida, e depois a liberdade e a propriedade.