(Por J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 27 de outubro de 2021)
Para um país que privatiza muito pouco, e consegue manter de pé até hoje, com diretoria e tudo, a estatal da era petista que foi criada para construir o “Trem Bala”, falar em privatização da Petrobras é uma miragem. Não se privatiza nem o “Trem Bala”, que não existe; imagine-se então privatizar um dinossauro do tamanho da Petrobras. Como acontece com tantas outras empresas estatais, ela é refém de seus verdadeiros proprietários: os interesses políticos e econômicos que não abrem mão de manter na era das cavernas a estrutura do Estado brasileiro. A Petrobras é deles. Estão dispostos a tudo para que continue exatamente do jeito que está.
A fantasia da privatização da estatal do petróleo voltou há pouco à atualidade; é um incômodo, para o governo, ser o responsável único por uma empresa que define o preço dos combustíveis junto ao consumidor, mas não tem, na verdade, controle nenhum sobre o preço que está definindo. Gasolina e diesel caros, e ficando mais caros? Culpa da Petrobras e, por tabela, culpa do governo — mesmo que nenhum dos dois tenha nenhuma capacidade para regular o preço internacional do petróleo.
Privatizar a Petrobras não apenas iria livrar os governos brasileiros, todos eles, do ônus de responder pelo preço do diesel e da gasolina. Muito mais do que isso: seria a única forma de o brasileiro receber um único real, alguma vez na vida, deste patrimônio que é seu apenas no papel. Desde a fundação da Petrobras, em 1953, com a lorota de que “o petróleo é nosso”, o povo nunca viu um miserável tostão desse seu petróleo — e nem vai ver enquanto a empresa for estatal. A menos que tenha tirado dinheiro do próprio bolso para comprar ações, não participa de coisa nenhuma.
O lucro da Petrobras, produzido diretamente pelo consumo dos seus produtos por parte do povo brasileiro, não vai para o povo brasileiro, seu dono legítimo. Vai, inteirinho, para o caixa do “Estado”, depois de forrar o Tesouro com seus impostos, e ali desaparece como se tivesse entrado no Triângulo das Bermudas. Vai servir para o “Fundo Partidário”, o auxílio-paletó dos magistrados e a lagosta do Supremo. O que adianta, para a população brasileira, ser dona de um negócio desses?
O pior de tudo é que a Petrobras caminha para a extinção, quando não houver mais ninguém querendo comprar gasolina; a empresa, a essa altura, não valerá mais um centavo, e aí não vai adiantar nada ficar querendo “privatizar”, porque não haverá nada a ser privatizado, a não ser um monte de ferro-velho. Como qualquer empresa que vive unicamente do petróleo, a Petrobras está condenada a desaparecer no futuro, como desapareceram as grandes companhias de navegação à vela, os fabricantes de máquinas de escrever e os monopólios do telégrafo.
Se for vendida hoje, quando ainda tem compradores — e se o dinheiro for distribuído diretamente à população pela Caixa Econômica Federal, como se faz no “Auxílio de Emergência” — os verdadeiros donos da Petrobras verão entrar, pela primeira vez em 68 anos, alguma coisa em seu bolso. Se ela continuar sendo, como sempre foi, um “patrimônio estratégico da nação”, vai apenas virar sucata.