Os problemas das grandes empresas são grandes demais para ser ignorados. Elas têm poder, gritam e são ouvidas. As pequenas correm o risco de perecer, perdidas no silêncio da omissão
Não se trata de fake news. Não falo dos trágicos números de mortes de vítimas da covid-19. Nesses tempos de pandemia, a taxa de letalidade a que me refiro é das micros, pequenas e médias empresas nacionais. Milhares morrem a cada hora, e esses números não aparecem nem são acompanhados com atenção.
Em condições normais, 80% das empresas que iniciam suas atividades ficam pelo caminho no primeiro ano. Só 80% das sobreviventes conseguem terminar o segundo ano. Isso significa que apenas 4% das empresas abertas em determinado ano chegam ao início do terceiro ano.
As referidas taxas acontecem em “condições normais” de temperatura e pressão, muito diferentes daquelas em que vivemos hoje. Em “condições normais”, já enfrentamos impostos extorsivos, custo financeiro indecente e ambiente hostil ao empreendedorismo.
Por conta disso, não precisamos de cálculos estatísticos complexos para deduzir que a taxa de letalidade das micros, pequenas e médias empresas deve ser absurdamente maior que 80% no fim de 2020.
Segundo estudo da consultoria McKinsey, no Brasil 39% da população economicamente ativa é dona do próprio negócio. De pequenos restaurantes a grupos de costureiras, a devastação tem magnitude épica, e o cenário piora a cada dia adicional de confinamento e distanciamento social.
Além do drama pessoal dos empreendedores e de suas famílias, que dependem do negócio para o próprio sustento, temos uma questão econômica de significativa relevância. É desalentador não ver esse segmento devidamente representado nem ter seus problemas colocados na frente e no centro das discussões econômicas.
Se nos Estados Unidos as pequenas empresas estão berrando após um pacote de ajuda de US$ 360 bilhões, o que você imagina que acontece ao sul do Equador? Considerando-se, grosso modo, nossa economia sendo um décimo da americana, seria absurdo esperar US$ 36 bilhões de dólares, ou R$ 180 bilhões de reais?
Conforme apresentação do diretor de fiscalização do Banco Central (BC), Paulo Souza, sobre o Relatório de Estabilidade Financeira (REF), a linha emergencial para a folha de pagamento de pequenas e médias empresas atendeu cerca de 9,4 mil empresas e 124,2 mil empregados até 27 de abril, sendo liberados R$ 156,4 milhões. Repito: R$156,4 MILHÕES, com M e não bilhões com B!
Para colocarmos no devido contexto, segundo o Sebrae existem 9 milhões de micros e pequenas empresas, que respondem por cerca de 27% do PIB.
Fica claro que o pacote foi grande na intenção anunciada e irrisório no efeito.
Com o chapéu de pequeno empresário, fiz uma pesquisa de campo e falei com dois bancos de varejo nesta semana (um azul e um vermelho) sobre as fatídicas linhas especiais do BNDES para as pequenas empresas. Apesar da boa vontade dos gerentes, os spreads são altos (porque o risco de crédito é alto, porque existe oligopólio no setor financeiro e outros problemas anteriores à crise) e a dificuldade para ter acesso às linhas, mesmo caras, é muito grande.
O impacto da crise econômica provocada pela pandemia é ainda mais devastador para esse segmento do PIB. Se pretendemos uma economia liberal, em que a iniciativa privada tenha papel preponderante, na qual o espírito empreendedor seja o combustível para nosso tão sonhado desenvolvimento, o problema das pequenas empresas precisa ter a prioridade que merece.
É necessário um esforço adicional URGENTE do governo para que não seja tudo muito pouco e tardio demais.
Não existe liberalismo econômico sem milhões de pequenos empreendedores que trabalham dia e noite tentando fazer com que seus sonhos virem realidade. Esses empreendedores, que representam uma parcela significativa do PIB, precisam sobreviver à crise. Eles são responsáveis por, acredite, 99% das empresas existentes no país. Isso mesmo: apenas 1% dos CNPJ brasileiros são de companhias consideradas grandes.
Vale notar que as empresas pequenas e médias em atividade chegaram a 2020 tendo sobrevivido à Peste Petista e à depressão econômica causada pela Dilma Gerentona, que nunca havia administrado nem uma banca de jornal e causou morte empresarial em escala pandêmica.
Setores organizados se articulam, conseguem acesso a linhas de crédito, subsídios governamentais, renegociam suas dívidas com credores. Seus problemas são grandes demais para ser ignorados, até porque eles têm poder, gritam e são ouvidos. As pequenas correm o risco de perecer, perdidas no silêncio da omissão.
Os milhões de pequenas empresas são importantes demais para ser deixados à própria sorte. São a base da iniciativa privada. Sem elas, não existe liberalismo econômico.
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Sérgio Cavalcanti, 58 anos, empreendedor, é CEO e fundador da NationSoft Tecnologia. Trabalhou no mercado financeiro (Lloyds Bank, BankBoston, JP Morgan) e em Private Equity (Europ@Web). Foi um dos pioneiros da internet no Brasil, membro do conselho de companhias como Submarino.com e Lokau.com, entre outras. Tem quatro filhos, quatro netos e mestrado em gestão pela Universidade Stanford.
Sim! Correta a análise, especialmente qto aos pequenos dos pequenos! A sociedade, tem se mobilizado para, manter em pé esses pequenos. Posso citar um exemplo: agente de viagem, com sua agência fechada, tem alimentado com seus pratos magníficos, moradores de seu prédio, que em isolamento não podem sair, muitos inclusive por serem idosos! Soma de várias ações: iniciativa do agente de viagem (pela sua sobrevivência) somada a disposição dos pessoas (tb pela sua sobrevivência) em consumir produtos que estão pretos! Esse exercício já demonstra a capacidade do ser humano, abrindo novas formas de manter-se em pé! Empreendedores com negócios fechados, aprendendo na dor e definitivamente, como sempre já esperado, sem coragem de buscar a ajuda financeira! Os spreads são altos.
Correção:
… produtos que estão por perto! .
Excelente matéria. Vejo que em meio à pandemia, a maioria dos veículos de mídia estão se omitindo quanto a esse tema tão relevante. Só acho que a classe empresária deve focar a pressão em cima de governadores, prefeitos, deputados e senadores, pois eles são os maiores responsáveis pelo “shutdown” na vida das empresas. Cerca de 86% dos municípios brasileiros não possuem nenhum caso de COVID-19, e mesmo assim estão FECHADOS! Isso beira a loucura. Se os empresários não se organizarem para canalizar suas insatisfações, o desastre será maior ainda.
Aos invés de se esforçarem para solucionar os SÉRIOS problemas econômico-sanitários nacionais, envolvem-se em um caos político-jurídico sem prazo para terminar.
Corretíssima a análise.