(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 16 de fevereiro de 2022)
Não é a primeira vez em tempos recentes, e nem deve ser a última, que a opinião pública mundial é levada a acreditar, por força de algum repente neurótico de governos em busca de causas, que o mundo vai acabar daqui a quinze minutos. A assombração que levantam é de mais uma “guerra” — nos Estados Unidos, na Europa e de preferência no planeta inteiro. Trata-se de uma impossibilidade material; guerra de verdade, no século 21, é coisa privativa de país subdesenvolvido. Mas nada detém o impulso de criar pânico, e por conta disso temos essa gritaria histérica que se formou em torno da “invasão” da “Ucrânia” pela “Rússia”. Alguém invadiu alguém, com tropa, tanque e bomba atômica? Não. Poderia ter invadido? Não. Resultado: quem se preocupou com isso perdeu completamente o seu tempo.
Foi a mesma coisa, tempos atrás, quando a Coreia do Norte ia disparar o seu “arsenal nuclear” em cima de Nova Iorque e Donald Trump ia apertar um botão capaz de detonar não só a Coreia e vizinhanças, como o resto da Terra. Na ocasião, os “analistas internacionais”, esses que a televisão chama para falar depois do horário nobre, garantiam, com caras de agente funerário, que a “guerra mundial” estava ali, batendo na porta. A humanidade, lamentavam, estava à beira de ser destruída por dois débeis mentais que para a nossa desgraça, comandavam sabe lá Deus quantos mísseis e outras armas de “destruição em massa”. Não aconteceu rigorosamente coisa nenhuma, como não poderia mesmo ter acontecido, e hoje ninguém se lembra mais do assunto. Coreia do Norte? Trump?
Foi a vez da Rússia e da Ucrânia, nesses últimos dias. Os “peritos em política externa” vem prometendo, com toda a seriedade do mundo, uma guerra mundial — mais uma — por divergências militares na Europa. A Ucrânia quer entrar na organização armada que existe para “conter” a Rússia. A Rússia não quer que ela entre; levou tropas para fronteira, exibiu fotos de tanques de guerra andando pelas estradas, e o resto do roteiro que se escreve para esse tipo de ocasião. É óbvio que a Ucrânia se declarou disposta a mudar de ideia, a Rússia deu uma recuada nas tropas e o que sobrou foi o presidente Joe Biden, que passou os últimos dias tentando representar o papel do xerife que vai defender os coitadinhos, dizendo que a invasão “ainda pode acontecer”. Daqui a pouco ele desiste, a mídia vai mudando de assunto e o público em geral fica no prejuízo — ameaçado, mais uma vez, por um monte de nadas.
A excitação nervosa, nesta guerra anunciada e não entregue, ganhou um reforço particularmente cômico, com a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia. Até uma criança de dez anos de idade sabe que uma viagem dessas não é marcada de véspera, com a intenção expressa de coincidir com um bate boca militar entre governos; tem de ser preparada longamente, e estava marcada há muito tempo. Mas tentaram fazer as pessoas acreditarem nas possibilidades mais extravagantes. Bolsonaro seria um irresponsável, ao “jogar o Brasil” no meio de uma “guerra entre potências estrangeiras”. Ou, ao contrário, seria um demagogo, querendo fingir que sua visita à Rússia segurou a barra geral, e evitou um “conflito armado” — mais ou menos como Lula e o seu “acordo de paz”, anos atrás, entre o Irã e ninguém. Falaram, com todas as letras, que “se” não estourasse a guerra durante a visita — assim mesmo, com esse “se” — o Brasil teria tido muita sorte, e outras bobagens do mesmo tamanho. Como seria possível pensar a sério que a Rússia, ou qualquer outro país, vai se preocupar com Bolsonaro para começar ou não uma guerra?
É óbvio que a visita se passou na normalidade burocrática de sempre. É esperar, agora, pela próxima crise mundial.