Por Márcio Coimbra*
Ao tombar, a capital Cabul acabou com o sonho da humanidade em ver florescer um regime livre e aberto, capaz de integrar as diversas forças que compõem a sociedade afegã. Nascida nos escombros do 11 de setembro, existia a vã esperança de que as forças de segurança conseguissem, ao longo de duas décadas, iniciar uma abertura e sedimentar os alicerces de uma democracia. Infelizmente nada funcionou.
Dentre todas as antigas províncias persas, o Afeganistão é aquela com identidade mais confusa, pois em seu território se dividem uzbeques, hazaras, tajiques e pashtuns e outras minorias étnicas. Isso significa que não estamos falando de um país com maioria definida, como outros da Ásia Central — Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão ou Paquistão. No Afeganistão, o xadrez étnico é o primeiro passo para entender a situação perigosa que reina na região.
Isso explica, em parte, o problema da estabilidade do país, um fenômeno que mergulhou o Afeganistão no período obscuro de presença do Talibã, que, ao abrigar a Al-Qaeda, serviu de base para os atentados em 11 de setembro de 2001. Retirar o Talibã do poder foi fácil, mas criar as bases para fincar os alicerces de um regime democrático na região mostrou-se uma tarefa muito mais difícil, seja com apoio militar da Otan, seja com a assistência das agências das Nações Unidas.
A retirada das tropas ocidentais, especialmente as norte-americanas, já era algo discutido havia anos. Uma promessa de diversos governos que se concretizou durante a administração Trump, que negociou a saída do país em um acordo de paz assinado em Doha, Catar, em fevereiro de 2020. Estava incluída ali a retirada de todas as tropas dos Estados Unidos e da Otan, conversações entre o Talibã e o governo afegão e um compromisso de impedir a Al-Qaeda de operar em áreas sob o seu controle.
Diante das evidências, vemos que Trump cometeu um imenso erro, e Biden concretizou o equívoco. Apesar de a opinião pública desejar o fim da presença militar na região, a confusa saída dos Estados Unidos resulta no erro em lidar com o Talibã, e acreditar que haveria conversações e acordo entre ele e o governo afegão. Na medida que o Talibã percebeu o país vulnerável, agiu de forma rápida e praticamente sem nenhuma resistência voltou ao poder 20 anos depois. Não há por que acreditar que ele tenham mudado sua filosofia radical nessas duas décadas. Por isso, a apreensão.
Agora deve haver a proclamação da ditadura teocrática totalitária do Emirado Islâmico do Afeganistão, sepultando os ganhos democráticos e todas as liberdades conquistadas nos últimos 20 anos, um brutal golpe para a maioria do povo, agora refém de uma ética medieval que reinará no país. Impossível impedir o sentimento de abandono e desalento de toda uma nação. As tentativas desesperadas de deixar o país mostram o tamanho da agonia daqueles que acreditaram que tudo havia mudado.
A queda de Cabul, da forma como vimos, terá impactos brutais no jogo de poder global. Do lado do Talibã, acerto de contas e eclipse de Direitos Humanos. No tabuleiro geopolítico, um reposicionamento de China e Rússia. Uma mudança que pode movimentar de forma sensível os pilares de estabilidade internacional. O mundo agora precisa lidar com esta nova e triste realidade.
Leia também: “O fiasco de Joe Biden”, artigo de Ana Paula Henkel publicado na Edição 74 da Revista Oeste
Márcio Coimbra é presidente da Fundação Liberdade Econômica. Ex-diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Cientista político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007), da Espanha.
E Viva joe biden! Votaram nele sabendo quem era. Agora aguentem. Resta a esperança do retorno de TRUMP.