Uma crise de confiança, potencializada pela ausência de transparência, pode ser fatal para a estratégia chinesa
Por Márcio Coimbra*
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A pandemia de coronavírus pode se tornar um importante ponto de inflexão na geopolítica mundial diante de uma bem cultivada imagem da China que, aos poucos, se desfaz. Enquanto o mundo enfrenta as consequências da pandemia iniciada em Wuhan, as questões sobre a dependência econômica do país oriental se espalham pelo mundo, pondo em xeque o modelo chinês de expansão global.
A mais importante guerra travada pela China neste momento reside no controle da narrativa. O governo trabalha para produzir propaganda efetiva e real que impeça a desconstrução do bem gerido retrato erguido pelo Partido Comunista nas últimas décadas. O tema vai além, pois a gestão da imagem do país se confunde com a legitimidade de Xi Jinping e sua liderança, expressada na capacidade de lidar com uma questão sanitária que se desdobrou em crise com brutais reflexos econômicos e de confiança.
Nenhuma nação se aproveitou melhor da expansão da globalização nas últimas décadas do que a China. Com uma imagem bem construída e estratégias de expansão cuidadosamente planejadas, o país soube atrair investimentos, mercados e dependência de diversas nações perante sua demanda econômica. Diante das dúvidas levantadas pela expansão do coronavírus, um movimento milimetricamente conduzido por décadas pode sofrer um de seus mais importantes reveses.
O resultado até o momento tem sido que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações que possuem operações no país. Os problemas começam pela ausência de proteção no que diz respeito a propriedade intelectual, passam pelos recentes aumentos nos custos de produção e desaguam agora na questão da segurança sanitária para os empregados. Os desdobramentos dos desafios enfrentados por Pequim diante da pandemia são maiores do que se imagina, o que pode gerar enorme reflexo no desenho dos fluxos de comércio internacional.
Outro ponto a ser considerado é o modelo político chinês, baseado em um partido único com liberdades limitadas, um sistema que funciona com bons ventos e correntes comerciais em condições favoráveis. Torna-se, entretanto, arriscado para os negócios na medida em que outros fatores entram na equação. Uma crise de confiança, potencializada pela ausência de transparência governamental em diversas frentes, pode ser fatal para a estratégia chinesa no cenário externo, com sérios desdobramentos nas cadeias globais de comércio. Nesse cenário, regimes democráticos constitucionais estáveis podem, a médio prazo, reocupar uma posição de maior protagonismo nos negócios internacionais.
O mundo ainda se pergunta se uma ação efetiva do governo chinês diante da pandemia poderia ter impedido a disseminação do vírus. Segundo artigo da Universidade de South Hampton, uma intervenção inicial e combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Estima-se que essa ação poderia ter reduzido o contágio em 66% na primeira semana, 86% na segunda e 95% na terceira. Se isso tivesse sido feito com antecedência, dizem os pesquisadores, teríamos evitado a situação atual.
Certamente o mundo que emergirá dessa pandemia será diferente. Isso começa e termina pelo papel, imagem e influência da China no xadrez político internacional. Ainda é preciso entender o grau de eficácia da gestão da crise chinesa em suas mais diversas frentes e como isso pode afetar as políticas do partido comunista e a liderança de Xi Jinping. Além disso, o regime fechado levanta suspeitas relativas ao grau de confiança da comunidade internacional diante de surtos pandêmicos que se originam em território chinês e sua efetividade em combatê-los no nascedouro. Para recobrar a confiança quebrada, o partido terá de fazer mais do que fornecer ajuda ao mundo para minimizar os efeitos da pandemia.
Este é o ano do rato na horóscopo chinês, que significa reinvenção e renovação. Um mundo pós-coronavírus reserva certamente um novo cenário e a possibilidade de recomeço. Expõe, também, o receio de que este seja o início do declínio de um país que até então tecia de forma contínua, lenta e gradual seus planos de expansão global. Mais do que nunca, a China precisa dos auspícios deste ano para repensar sua posição internacional.
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O TEMPO 31-10-20
* Márcio Coimbra é diretor-executivo do Interlegis no Senado Federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil)
Atenção brasileiros potenciais compradores de automóveis: que tal deixarmos as grandes carroças chinesas enferrujarem nós pátios das revendedoras ? Afinal de contas, não valem nada. Cheios de penduricalhos, com preços abaixo do mercado para atraírem os incautos. Porcarias sobre rodas.
Muito Boa a análise, mesmo sendo incompleta ( merece um livro ). Estamos vendo surgir uma nova “ordem mundial”, o Imperialismo individual de uma nação. Investirmos numa única “onda social” é muito tenebroso e o mundo já passou por isto, nunca é bom para a evolução social e espiritual do ser humano.
Algo me aflige e espero q mude: se mais de 90 % dos materiais médicos são produzidos em um único lugar (e chegam, em sua maioria, aos seus destinos com defeito – e contaminados) está na hora de o mundo avaliar se produzir somente na China realmente vale a pena! Isso está assim com tudo! 95% dos zíperes utilizados no mundo são produzidos na China! E assim com tudo! Passou da hora de repensar! (Sem contar a espionagem industrial, risco da propriedade intelectual)!
Exelente seu comentário.Acredito que
o capitalismo falhou e muito. O comunismo tá enfrentado ( China) uma reação de desconfiança, da comunidade Internacional.Quem viver verá.
Muito boa análise . Visão mais ampliada.
Concordo que isto se tornou uma corda bamba para China.
E claro se não fosse um regime tão fechado, deixando o outros continentes cientes da real situação, não estaríamos nesta dias das bruxas que temos hoje.
Acredito que tentaram usar isto a favor econômico, porém se tornou uma jogada muito arriscada.