Isaac ben Judah Abravanel (1437-1508) foi um filósofo e comentarista bíblico judeu, nos tempos em que a Península Ibérica tinha dominação islâmica. Como muitos de sua comunidade, aprendeu a lidar com finanças, característica adquirida pelo fato de, por muito tempo na Idade Média, os judeus não poderem ser proprietários de terras, andar a cavalo nem assumir funções públicas.
Com isso, a alternativa foi criar negócios próprios e atuar como financistas, uma função valiosa para os proprietários de terra e autoridades, que acabaram enriquecendo com tal ajuda.
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Foi isso que Isaac fez tanto no Reino de Portugal, quanto no Reino da Espanha, de Castela e Aragão, no momento em que a Península Ibérica passou para o controle espanhol, em 1492. Foi quando os judeus foram expulsos de lá. Depois da expulsão, Isaac foi para a Grécia, onde nasceu seu descendente Alberto, pai de Silvio Santos.
A mãe do apresentador brasileiro, Rebeca, também era judia, vinda da Turquia. Alberto e Rebeca se conheceram no Rio de Janeiro, onde Silvio Santos (Senor Abravanel) nasceu, em 1930.
Isaac se comunicava em ladino, língua falada pela comunidade judaica na Espanha e em Portugal. O ladino é uma língua hispânica oral e escrita dos judeus de origem espanhola e portuguesa. Traz caracteres em hebraico e termos em espanhol e português medievais.
“Há em várias ocasiões muitas semelhanças entre o ladino e o português do Brasil”, afirma a Oeste o doutor em literatura hebraica pela Universidade de São Paulo (US) Moacir Amâncio.
Com o objetivo de preservar tal língua, a Universidade Hebraica de Jerusalém realizou o primeiro curso em sua Escola Internacional de Verão Ladino. Na iniciativa, os alunos mergulharam nos estudos da língua e conheceram a herança judaica sefardita. Sefardita é um termo que remete aos judeus da Península Ibérica, cujo nome, em hebraico, é Sefarad.
Silvio, em um de seus programas no SBT, nos anos 1980, ao ser perguntado por uma telespectadora, falou com orgulho de sua origem.
“O homem que me deu origem consertou as finanças de Portugal, depois foi chamado pelos reis católicos, Isabel e Fernando, para a Espanha”, lembrou o comunicador, que morreu no último dia 17, aos 93 anos.
“Era o Dom Isaac Abravanel. Depois, quando chegou a Inquisição, os reis católicos disseram: ‘Você fica, e o povo judeu vai’. Ele disse: ‘Não, o povo judeu vai, e eu vou junto'”, completou Silvio Santos, com emoção.
“E foi para Salônica, na Grécia. De lá, então, meu pai, meu avô tiveram o título Senor Dom Abravanel. Aqui no Brasil não existe “Dom”, o título que meus antepassados ganharam no ano de 1400 e 90 e quantos. O dom Isaac Abravanel foi um dos que deram dinheiro a Colombo para que viesse descobrir a América, então disseram para o meu pai que ‘Dom é frescura’, e ele colocou Senor, Senor quer dizer ‘Dom Abravanel'”.
Depois que foram expulsos da Península Ibérica (1492 da Espanha e 1496 de Portugal), os judeus emigraram para países como Itália, Grécia, Bulgária, Holanda, Áustria ou para a costa norte da África, no Marrocos, sob domínio muçulmano. E levaram com eles o ladino, que se adaptou com alguns termos linguísticos locais e também com palavras em hebraico.
Forma de adaptação e proteção
Senor Abravanel passou a ser chamado de Silvio Santos por escolha própria. Silvio foi o nome pelo qual sua mãe o chamava, dando um caráter brasileiro ao nome Senor.
Então, já com essa mudança, ele preferiu alterar também o sobrenome, para se adaptar melhor ao país. E escolheu Santos, como uma maneira de ser protegido por todos os santos. O que refletia muito o seu otimismo em progredir na vida.
“O ladino também era uma forma de adaptação e de proteção, porque a língua era a espanhola, mas os caracteres eram hebraicos”, prossegue Amâncio. “Outras línguas surgiram de maneira semelhante em outros locais, como o iídiche”, disse, ao se referir à língua que utiliza o alemão, com caracteres em hebraico.
Assim como Isaac e o ladino, Silvio Santos buscou ferramentas para se adaptar, como judeu, a outras culturas. Mas nunca escondeu sua origem. Prova disso foi que pediu para ser enterrado em cemitério judaico.
Silvio e seu antepassado Isaac tinham muito em comum. Eram empreendedores, sabiam lidar com finanças. Tinham bom trânsito entre as autoridades e eram respeitados. Nesse sentido, Silvio cumpriu seu legado familiar.
Muito de Isaac permaneceu em Silvio. Por tal semelhança, não seria nada estranho se, no século 15, se ouvisse o antepassado cantar, em ladino (segundo o portal Sefarad), por vielas estreitas e praças com fontes:
“Agora e ora, de alegriya, vamos sorro e kantar; de el mundo no si lleva dinguno, vamos sorro e kantar.”