Cientistas do laboratório de imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) estão desenvolvendo uma vacina contra o novo coronavírus.
Por meio de uma estratégia diferente das adotadas por indústrias farmacêuticas, os pesquisadores brasileiros esperam, nos próximos meses, obter um protótipo que possa ser testado em animais.
“Acreditamos que a estratégia que estamos empregando para participar desse esforço mundial para desenvolver uma candidata a vacina contra a covid-19 é muito promissora e poderá induzir uma resposta imunológica melhor que a de outras propostas que têm surgido, baseadas fundamentalmente em vacinas de mRNA”, disse à Agência Fapesp o diretor do laboratório de imunologia do Incor, Jorge Kalil.
Utilizada no desenvolvimento da primeira vacina experimental contra o Sars-CoV-2, anunciada no final de fevereiro nos Estados Unidos, a plataforma tecnológica de mRNA se baseia na inserção na vacina de moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico.
A ideia é que o sistema imunológico reconheça essas proteínas artificiais para posteriormente identificar e combater o coronavírus real. Já a plataforma que será utilizada pelos pesquisadores do Incor fundamenta-se no uso de partículas semelhantes a vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus-like particles).
Estruturas multiproteicas, as VLPs possuem características semelhantes às de um vírus e, por isso, são facilmente reconhecidas pelas células do sistema imune. Porém, elas não têm material genético do vírus, o que impossibilita a replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.
“Em geral, as vacinas tradicionais, baseadas em vírus atenuados ou inativados, como a do influenza [causador da gripe], têm demonstrado excelente imunogenicidade, e o conhecimento das características delas serve de parâmetro para o desenvolvimento bem-sucedido de novas plataformas vacinais”, observou Gustavo Cabral, pesquisador responsável pelo projeto.
“Mas, neste momento, em que estamos lidando com um vírus pouco conhecido, por questões de segurança é preciso evitar inserir material genético no corpo humano para evitar eventos adversos, como multiplicação viral e possivelmente reversão genética da virulência. Por isso, as formas alternativas para o desenvolvimento da vacina anti-covid-19 devem priorizar, além da eficiência, a segurança”, ressaltou Cabral.
A fim de permitir que sejam reconhecidas pelo sistema imunológico e gerem uma resposta contra o coronavírus, as VLPs são inoculadas juntamente com antígenos – substâncias que, ao ser introduzidas no corpo humano, fazem com que o sistema imune produza anticorpos.
Dessa forma, é possível unir as características de adjuvante das VLPs com a especificidade do antígeno. Além disso, as VLPs, componentes biológicos naturais e seguros, são facilmente degradadas, explicou Cabral.
Histórico
Gustavo Cabral fez nos últimos cinco anos pós-doutorados nas universidades de Oxford, na Inglaterra, e de Berna, na Suíça, onde desenvolveu candidatas a vacinas utilizando VLPs contra doenças, como a causada pelo vírus zika.
Por meio de um projeto apoiado pela Fapesp, Cabral retornou ao Brasil, onde iniciou no laboratório de imunologia do Incor, no começo de fevereiro, um estudo voltado a desenvolver vacinas contra o Streptococcus pyogenes – causador da febre reumática e da cardiopatia reumática crônica – e o chikungunya utilizando VLPs.
Com a pandemia da covid-19, o projeto foi redirecionado para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus.