Desde a libertação de Paris, em 1944, os governos franceses se estruturaram com uma mescla de ideologia e pragmatismo. O general Charles de Gaulle (1959-1969), por exemplo, assim que entrou triunfante por Champs Eliseé, buscou reconstruir a França de forma independente, quando deu início à Quinta República.
Conservador, de direita, e com um estilo peculiar próprio, De Gaulle tinha como preocupação não deixar toda a tradição cultural francesa se influenciar pelo norte-americanismo que ganhava corpo.
+ Leia mais notícias de Mundo em Oeste
Desde a Segunda Guerra (1939-1945) apesar de aliado político, o presidente francês nutria antipatias pessoais por ingleses e norte-americanos. Os líderes Winston Churchill (primeiro-ministro inglês) e Franklin Roosevelt (presidente dos EUA) torciam o nariz e se olhavam a cada vez que viam De Gaulle, o “chato”, se aproximar.
Era um prenúncio das discordâncias que viriam no pós-guerra. Com De Gaulle, a França se retirou da Organização Militar do Atlântico Norte (Otan), em 1966, e só retornou nos anos 1990. Mas viveu o capítulo inicial da chamada Trente Glorieuses (trinta anos “gloriosos” de prosperidade, depois de 1945).
O conservadorismo francês, com este pragmatismo, se manteve nos períodos restantes, por meio do presidente Valéry Giscard d’Estaing (1974-1981) nos anos 1970. Ele sucedeu Georges Pompidou (1969-1974), também direitista, cujo esforço no governo foi o de manter fortes as instituições do país depois das revoltas estudantis de 1968.
O movimento, por um bom tempo, foi visto pela classe média como uma ameaça à estabilidade vinda de forças esquerdistas, o que manteve a direita no poder até 1981.
Neste período, Giscard d’Estaing, que era progressista em relação a alguns costumes, tentou, da maneira que pôde, aproveitar o final da onda de crescimento, interrompido pela Crise do Petróleo, em 1973. A escassez da commodity foi um baque mundial que obrigou a França a entrar em um período de austeridade.
Algumas realizações, no entanto, puderam ocorrer, no setor da infraestrutura, com o desenvolvimento da tecnologia nuclear e o projeto do Trem de Grande Velocidade (TGV) e defesa da integração europeia.
“Foi por iniciativa dele que os líderes dos países mais ricos do mundo se reuniram pela primeira vez em 1975, em um evento embrionário da cúpula do G7”, relatou a AFP.
A vitória de François Miterrand em 1981, dos socialistas, deu início a um período de gastos sociais, mas ao mesmo tempo de coabitação com a direita. Foi um governo no qual, em algumas ocasiões, o presidente não era do mesmo partido que o primeiro-ministro, como nos casos de Jacques Chirac (1986-1988) e Édouard Balladur (1993-1995).
A coabitação ocorre quando o partido do presidente não detém a maioria na Assembleia Nacional.
Chirac, com quem Miterrand teve fortes desentendimentos nos tempos de coabitação, foi eleito em 1995 para a presidência, quando a França novamente voltou a ser comandada pela direita. Permaneceu até 2007.
Houve nova aceleração do programa nuclear, atualmente responsável por mais de 70% da geração de eletricidade, e do liberalismo, com o comércio internacional se expandido para os mais distantes e até problemáticos países do Oriente Médio.
Chirac também teve de conviver com um primeiro-ministro opositor, no caso o socialista Laurent Fabius, entre 1997 e 2002, em função de não ter maioria legislativa.
De Sarkozi à ascensão de Le Pen
O direitista Nicolas Sarkozi (2007-2012), sucessor de Chirac, foi o primeiro a se deparar com mais intensidade com as chamadas demandas modernas. Entre elas estão o aumento do desemprego e a reforma da onerosa previdência que passaram a ameaçar a tão célebre qualidade de vida francesa.
François Hollande (2012-2017), socialista, o sucedeu e a situação ficou ainda mais complicada.
Hollande não obteve êxito ao reformar leis trabalhistas e aprovar programas de estímulos a empregos. Buscou, assim como Chirac, fortalecer a União Europeia (UE) sem enfraquecer o poder de cada um dos Estados.
Manteve uma aproximação cautelosa com os Estados Unidos. Outro problema com que se deparou foi o terrorismo internacional, com graves atentados no período em que foi o primeiro-ministro, o que expôs fragilidades em relação à segurança.
Eleito em 2017, Emmanuel Macron tentou em vão canalizar as divergências entre esquerda e direita. Mas sua política também fracassou no combate ao déficit e ao aumento da dívida do país, que tem se deparado com o custo excessivo das aposentadorias e a questão social gerada pela imigração.
A ascensão de uma direita clássica, assim, foi uma questão de tempo, uma resposta à ausência de êxito que os últimos governos, socialista e de centro, tiveram para lidar com os desafios dos tempos modernos.
“A decisão de dissolver a Assembleia Nacional pôs, com efeito, fim ao panorama político que resultou das eleições presidenciais de 2017”, disse, segundo o Le Monde, o ex-primeiro-ministro Edouard Philippe. Dez dias antes, ele tinha criticado Macron por, segundo Philippe, ter “matado” a maioria.
Há a possibilidade de a França voltar a ter um governo de coabitação. Macron, muito provavelmente, se assim ficar confirmado no segundo turno, terá de governar com o jovem Jordan Bardella, de 28 anos, como primeiro-ministro.
Bardella pertence ao Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, partido que venceu no turno inicial das eleições legislativas. A Nova Frente Popular, um grande bloco de partidos de esquerda, terminou em segundo lugar, com 28% dos votos. O bloco centrista do presidente Macron, ficou em terceiro lugar, com 20% dos votos.
Macron optou pela dissolução do Parlamento e antecipação das eleições depois de seu partido, o Renaissance (centro), ter sido derrotado pela RN nas eleições para o Parlamento Europeu. A França vive um momento delicado, com o déficit público e a dívida do país se tornando fontes de cobrança dentro da cartilha exigida pela UE.
Pela Constituição, o presidente francês não é obrigado a nomear um primeiro-ministro que não o agrade, mesmo que este tenha o apoio da maioria dos deputados.
Mas, neste caso, a própria Constituição abre brecha para uma moção de censura pela Assembleia Nacional, com a possibilidade até de queda do primeiro-ministro, o que levaria o país a uma crise ainda maior. Desta vez, sem a perspectiva da coabitação.
A França com a direita vai endireitar (Pleonasmo) o país.