Uma passagem “secreta” na fronteira entre a Argentina e a Bolívia, localizada entre as cidades de Aguas Blancas e Orán, é um dos maiores pontos de contrabando entre os dois países. Precário, escondido e arriscado, o local abriga um vasto esquema de comércio ilegal.
Uma reportagem do jornal argentino La Nación investigou a rota clandestina e revelou detalhes sobre os valores envolvidos no contrabando, além dos perigos enfrentados pelos trabalhadores informais da região.
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De acordo com o jornal, existe uma única entrada oficial na fronteira entre as duas cidades e, paralelamente a ela, passa o caminho usado pelos contrabandistas. O local leva o nome de Finca La Carina, em homenagem à filha do proprietário das terras.
🇦🇷⭕️[AHORA] Aguas Blancas, el interventor de la ciudad DENUNCIA ante cancillería que BOLIVIA 🇧🇴utiliza vehículos oficiales para logística de 'gomones' en la frontera, desde los cuales se ingresan productos ilegales y COCAÍNA hacia Argentina 🇦🇷 pic.twitter.com/5S9rKKuUHS
— TBD News. 📢 (@ArgentinoProm_) February 1, 2025
Todos os veículos precisam passar pelo posto de controle oficial, mas fazem uma parada a cerca de 500 metros para descarregar o contrabando.
O local é uma estrada rústica, não pavimentada, onde os carros fazem um desvio e a mercadoria é transferida para as costas de pessoas que a carregam manualmente estrada acima. Esses carregadores refazem todo o trajeto, transportando objetos pesadíssimos.
Segundo o La Nación, os itens contrabandeados variam. Incluem geladeiras, televisões, máquinas de lavar e, principalmente, roupas e sapatos. “É o porto ilegal mais movimentado e precário do país”, relata o jornal. “Não há nada igual, toneladas de mercadorias entram diariamente sem nenhum papel ou a ajuda de máquinas que suportem o peso.”
O custo desse esquema é alto. Os carros que transitam por La Carina precisam pagar um pedágio de US$ 1 mil na entrada e outro US$ 1 mil a meio caminho. Somente depois desses pagamentos os motoristas encontram os carregadores.
E o processo ainda envolve mais dinheiro. Argentinos são os principais compradores de mercadorias de fornecedores ilegais bolivianos. São esses vendedores que, por sua vez, encontram os “pasadores” — ou “passadores”, em português —, pessoas responsáveis por transportar as mercadorias.
Um passador cobra US$ 14 mil para levar a carga até a costa de Aguas Blancas e US$ 30 mil para Orán. Esse valor cobre o transporte de uma “lona”, espécie de saco de estopa grande, que é usado como unidade de medida.
Depois dos pagamentos, acontece o contrabando em si, a partir de uma praia na Bolívia, na qual jangadas feitas com câmaras de caminhão, chamadas de “gomones”, recebem as mercadorias e as cobrem com lonas. Homens empurram, remam e controlam essas embarcações com força manual.
Não há qualquer auxílio mecânico. A única ajuda disponível é a correnteza do rio, que passa ao pela costa de La Carina.
As barcaças são descarregadas rapidamente, e as mercadorias passam para as costas dos passadores. Eventualmente, um policial usa um scanner portátil para verificar os itens e garantir que não há drogas entre os produtos. Mesmo sendo uma operação ilegal, os policiais não prendem os carregadores.
Depois disso, os carregadores levam o máximo possível de mercadorias em vans ou kombis até o próximo ponto. Lá, fazem outro descarregamento manual e passam os objetos por scanners semelhantes aos usados em aeroportos e portos.
Mas existe um limite de tamanho para os itens: a largura do Canal do Panamá, medida usada por navios ao redor do mundo. Se a carga for maior, ela precisa ser deixada na praia, e há a possibilidade de ser transportada de forma ilegal — nas costas de uma pessoa.
Nesses casos, os carregadores são os que mais sofrem. Eles carregam grandes quantidades de peso diariamente, o que afeta severamente seus corpos.
VIDEO DOCUMENTO:
— MARCELO FAVA (@MARCELOFAVAOK) December 7, 2024
TREMENDO CONTRABANDO AHORA EN FRONTERA AGUAS BLANCAS (ARGENTINA), BERMEJO (BOLIVIA), COMPLETO DESCONTROL.
ESTAS IMAGENES, FUE TOMADA PARA NUESTRO PERFIL ESPECIALMENTE POR UN PERIODISTA BOLIVIANO AMIGO.
SE PUEDE OBSERVAR CON TOTAL IMPUNIDAD BOLIVIANOS CRUZAN EL… pic.twitter.com/nn8CVhv0hG
“Aos 40 anos, não nos podemos mexer, mas não há outra forma de ter emprego”, relatou um desses trabalhadores ao La Nación. Esse homem, diz o jornal, estava “encharcado de suor, num calor feroz do meio-dia, depois de, talvez, já ter carregado várias toneladas”.
Polícia combate o tráfico de drogas na região do contrabando
As revistas de mercadorias não têm como objetivo impedir o contrabando de objetos, mas sim o tráfico de drogas. “Não somos traficantes de drogas, estamos trabalhando”, disse um dos carregadores ao La Nación. “Não temos nada a ver com esse mundo, estamos aqui para ganhar a vida.”
Quando a Gendarmaria, a Polícia Federal, a Segurança Aeroportuária e a prefeitura montaram a operação na área, o foco era justamente o tráfico de drogas. O número de policiais no local não para de crescer.
Eventuais problemas com drogas geram violência, como trocas de tiros, mortes e confrontos. Há patrulhas que vão para a serra durante 48 horas, com provisões e sem sinal, para interceptar drogas, diz um dos chefes da Gendarmaria da região ao jornal argentino. “Tentamos levá-los a um lugar uma vez por dia para sabermos que estão bem, mas nada mais.”
A área é, de fato, marcada por grandes quantidades de drogas. Parte delas se esconde dentro dos fardos de mercadorias, mas também há jovens que servem como “aviões”. Eles flutuam ao longo do rio, agarrados a pacotes de drogas de 20 quilos, com a missão de entregá-los no destino final.
Muitos desses jovens não sabem o que estão transportando, mas recebem cerca de R$ 5 mil pela tarefa.
Por causa disso, roubos de mercadorias acontecem com frequência na região, assim como trocas de tiros e confrontos. Devido a isso e às operações policiais, o tráfico de drogas diminuiu em La Carina.