Dos agora 238 reféns em Gaza, depois da morte da soldado Noa Marciano, 32 são latinos. Acredita-se, e se espera, que eles estejam vivos.
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Mas a incerteza, conforme afirma o voluntário chileno Rodrigo Gonzales, 42 anos, criou uma situação rara até para a condição humana: filhos se sentem órfãos sem saber se são, pais sentem a morte dos filhos sem saber se morreram, familiares vivem com o vazio da perda sem saber se ela é real.
“É uma situação de uma dor fora do comum, porque os familiares não têm o controle de nada”, diz Gonzales. “Não têm informações, não sabem o que acontece, se morreram ou não, se estão tomando os remédios, se alimentando. É como se os familiares estivessem vivos mas mortos, porque já não fazem mais nada, não dormem, quase não comem.”
Assim que os ataques ocorreram, Gonzales, que tem uma agência de publicidade, parou de trabalhar em seu negócio para atuar, com dinheiro de seu próprio bolso, como voluntário.
Inscreveu-se na central em Tel-Aviv, que vai distribuindo as missões a cada dia. Ele viaja pelo país para dar suporte aos familiares, cuja maioria perdeu suas casas e teve de se mudar para cidades como Herzlia, Eilat e Tel-Aviv.
“Não sei explicar por que tomei essa decisão, senti que tinha de fazer isso, me tocou”, afirma. “Essas pessoas são como meus irmãos, precisam de ajuda e é importante que elas encontrem esse apoio. Muita gente, em meio a essa situação brutal, ainda perdeu sua casa e teve de sair da cidade.”
Gonzales diz que centenas de milhares de pessoas fizeram o mesmo. Deixaram de lado seus afazeres para se dedicarem a ajudar os amigos e familiares a transitar por esse drama cujo fim é uma incógnita.
“Diria que pelo menos metade do país está engajada nisso”, destaca. “Meu objetivo é fazer o que é necessário para que o mundo não se esqueça dos reféns, o tempo passa, as pessoas vão voltando para suas vidas, para os seus trabalhos, para a família e eles ficam lá, presos. Não podemos deixar que fiquem esquecidos.”
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As tarefas variam. Em um dia, ele viaja para uma cidade para ver como estão os familiares que estão sem um filho.
Em outro, vai para o lado oposto do país para acompanhar uma entrevista de uma filha cuja mãe foi sequestrada.
A função dele é estar ao lado, acompanhar, ouvir, dar força, suprir as necessidades, chamando por atendimento psicológico, consultas médicas e outras questões.
“Hoje estive com um homem que teve o filho sequestrado”, conta o voluntário. “Ele estava sem ânimo para conversar, queria ficar só, deixei. O ânimo deles varia. Em um dia, estão animados, esperançosos. No outro, estão depressivos. Varia muito de momento a momento, de pessoa para pessoa.”
Quando serviu no Exército, voluntário se deparou com escudos humanos
![Hamas túneis reféns](https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/11/whatsapp-image-2017-10-09-at-15241-pm.jpg)
Em Israel há 22 anos, Gonzales serviu no Exército, inclusive em operações na Faixa de Gaza. Entrou em esconderijos do Hamas, fez buscas, seguiu os rastros de terroristas.
Ele conta que viu exatamente o que se tem falado atualmente e do que, segundo diz, boa parte do mundo não quer saber.
“Vi eles usando escudos humanos, confirmei com meus próprios olhos como eles colocam arsenais em locais civis, senti as dificuldades em atacá-los porque eles não permitiam que os civis saíssem de seus lados”, observa.
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“Sinto pelos dois lados, de Israel e dos palestinos, para mim é doloroso ver qualquer criança sofrer. Se o Hamas não for contido agora, a humanidade inteira corre perigo.”
Como latino, Gonzales está incrédulo em relação à posição de países como a Bolívia, o Chile (onde nasceu), a Colômbia e a Venezuela.
Todos têm reféns compatriotas sob o controle do Hamas. O grupo terrorista pode tê-los levado aos seus túneis escuros e apertados.
“Esses países não têm dado nenhum tipo de suporte para seus cidadãos, é impressionante”, ressalta. “É inacreditável. A Bolívia até cortou relações com Israel neste momento. Está sem embaixada, não há nenhum representante a quem as famílias do sequestrado possam recorrer.”
A postura do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que tem criticado Israel e não reconheceu o Hamas como grupo terrorista também tem causado uma péssima impressão entre os defensores dos direitos humanos em Israel, segundo Gonzales.
“Somos todos latinos e de sangue quente”, lembra o chileno. “Somos apegados à família, aos amigos, às relações humanas. Cuidamos da mamãe, do papai, fazemos isso por hábito. Quando vejo um presidente com essa frieza em relação a um dos lados, dói no coração.”