Nos últimos dias o mundo da tecnologia vivenciou uma disputa entre bilhonários para o controle da OpenIA, empresa de intelligência artificial responsável pela criação do ChatGPT.
![Elon Musk e Sam Altman](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2025/02/image-9-2.jpg)
O fundador da SpaceX e controlador da Tesla e do X, Elon Musk, apresentou uma oferta de compra da OpenIA por US$ 97,4 bilhões (cerca de R$ 600 bilhões).
A oferta foi desdenhosamente recusada pelo CEO da OpenIA, Sam Altman, que respondeu com uma mensagem irônica: “Não, obrigado, mas se vocês quiserem podemos comprar o Twitter por US$ 9,74 bilhões”. Ou seja, apenas uma fração dos US$ 44 bilhões que Musk pagou em 2022 para comprar a rede social.
Os dois empresários estão em pé de guerra há anos, desde que Altman decidiu iniciar uma parceria com a Microsoft. Operação que Musk sempre criticou, e que gerou um processo judicial entre os dois.
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Essa não é apenas uma guerra entre dois homens poderosos, mas o reflexo de duas visões opostas da inteligência artificial, do futuro da humanidade e da maneira como a tecnologia deve ser desenvolvida e controlada.
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Mas como tudo começou e para onde esta disputa poderá levar o mundo da tecnologia?
Uma gigante que surgiu de uma briga
Julho de 2015. Musk comemorou seu 44º aniversário em um resort na Napa Valley, Califórnia.
Depois do jantar, ele e o fundador do Google, Larry Page, sentam-se no gramado perto da fogueira e discutem o futuro da inteligência artificial.
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Page fala de sua utopia digital: um futuro em que máquinas se fundem com humanos. Outras inteligências se juntariam a humana. Elas competeriam pela conquista de recursos e que vença a melhor.
Musk responde que se isso acontecer, as máquinas destruirão a humanidade. Page o chama de especista: alguém que desiste de desenvolver novas formas de vida digitais do futuro para defender sua espécie.
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Musk considera isso um insulto: ele rompe a amizade com Page e começa a pensar em um projeto alternativo ao do Google. Detalhe: Musk, que é praticamente um morador de rua do Vale do Silício, passava muitas noites na casa de Page.
Algumas semanas depois, Musk convidou Sam Altman para jantar. Os dois tinham se conhecido alguns anos antes e o fundador da SpaceX tinha se tornado uma espécie de mentor para o empresário digital.
Naquela noite, na sala de jantar do Rosewood Hotel em Menlo Park, nasceu o OpenAI.
Antes amigos, agora adversários
Alguns anos antes, um amigo em comum levou Altman para visitar a SpaceX, deixando-o impressionado com as tecnologias de foguetes de Musk.
Mais do que isso, a sua maneira de raciocinar e a certeza absoluta que transparecia em suas palavras quando falava sobre a colonização de Marte capturaram sua atenção.
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“Ele é a referência de determinação”, disse ele mais tarde aos amigos, com admiração.
O próprio Musk, normalmente pouco generoso na hora de julgar os outros, demonstrou grande consideração por aquele jovem gestor de apenas trinta anos.
Altman já havia conseguido promover, por meio de sua aceleradora, a YCombinator, o desenvolvimento de novas tecnologias em diversos campos, da ciência da computação à biomedicina, passando pela genética.
Desde 2014, os dois trocavam e-mails nos quais analisavam os riscos associados ao desenvolvimento da inteligência artificial.
Ambos estavam convencidos de que, se desenvolvida sem controles e sem uma visão ética, mas apenas com fins lucrativos, essa pesquisa poderia gerar monstros.
A Deep Mind, então líder absoluta em pesquisa de intelligência artificial, tinha acabado de ser comprada pelo Google que, abandonando suas origens como uma empresa que queria fazer o bem à humanidade, e se tornando apenas uma protagonista do mercado de ações, uma máquina formidável de produzir lucros.
Naquela noite, no restaurante do hotel Rosewood, Musk e Altman decidiram criar um laboratório de pesquisa de intelligência artificila capaz de superar a Deep Mind.
Concebido como uma fundação filantrópica: uma empresa movida não pela busca do lucro, mas por um verdadeiro desejo de fazer o bem à humanidade, oferecendo a todos o fruto de suas inovações. Assim surgiu o nome OpenAI.
Altman pensou em um projeto de US$ 100 milhões. Musk imediatamente aumentou a aposta: um bilhão.
Para chegar lá, ele envolve seus amigos da “Máfia do PayPal“, o grupo de empresários por trás do sucesso do site de pagamentos, como Peter Thiel e Reid Hoffman.
No final, Musk será o maior investidor, enquanto dois brilhantes cientistas da computação se juntam ao grupo: Ilya Sutskever e Greg Brockman.
Musk afastado, Altman tomou o controle
Ocupado demais com o crescimento da Tesla, SpaceX e outras empresas, Musk acabou deixando a gestão da OpenAI para Altman.
Tudo correu bem até 2018, quando os dois entraram em rota de colisão.
Altman se convence que avançar na intelligência artificila requer recursos enormes. Por isso, uma empresa sem fins lucrativos não é mais suficiente.
Musk o acusou de trair os acordos na base dos quais a OpenAI nasceu e decidiu sair batendo a porta.
Primeiro, deixou o conselho de administração, denunciando genericamente conflitos de interesse. Em seguida, saiu completamente da empresa, sendo substituído pela Microsoft.
Por sua vez, Altman denunciou que Musk saiu depois de tentar, sem sucesso, obter controle total do laboratório de pesquisa.
Com o tempo, surgiu outra interpretação: Musk se convenceu de que o caminho que a OpenAI tomou para desenvolver a nova tecnologia não era o mais promissor.
O caminho escolhido pelo Google, com o seu DeepMind, seria o correto. Poucos meses depois, o Google desenvolveu a revolucionária tecnologia do transformer.
Até que Altman, preocupado que outros cheguem antes dele ou talvez para multiplicar o banco de dados sobre o qual trabalhar e atrair novos financiamentos, pede que seus técnicos preparem um modelo de IA mais fácil de usar, para ser oferecida a todos: nasceu o ChatGPT.
Lançado em novembro de 2022, o ChatGPT representou uma revolução da inteligência artificial, até então reservada a poucos. Foi sucesso retumbante.
Altman, procurado por chefes de governo do mundo inteiro, torna-se um palestrante internacional e divulga as potencialidades da nova tecnologia, aclamada em todos os lugares em conferências e debates televisionados.
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Musk, ameaçado em seu papel de estrela global da tecnologia, não gostou nada disso, e criou às pressas seu xAI e o modelo Grok, acusando seu antigo sócio e protegido de ter traído os princípios éticos que haviam estabelecido juntos ao lançar o OpenAI e de ter se colocado nas mãos da Microsoft.
Em seguida, Musk tentou desacelerar a corrida dos desenvolvedores de IA reunindo um grupo de mais de mil cientistas e empreendedores que pediram formalmente a interrupção de todas as atividades de pesquisa por seis meses.
Algo impossível de obter e controlar. Talvez apenas uma tentativa de Musk de ganhar tempo para recuperar terreno em relação a concorrência.
Enquanto isso, Sutskever e outros membros do conselho da OpenIA se convenceram de que a subsidiária com fins lucrativos criada por Altman para atrair a Microsoft agora está no comando também da empresa-mãe, que continuou sendo sem fim lucrativos.
Em novembro de 2023 o conselho da empresa filantrópica se reuniu sem a presença de Altman, enquanto ele estava em Las Vegas para assistir aos ensaios do Grande Prêmio de Fórmula 1, e o demite.
O executivo corre de volta para a sede, organiza a resistência junto aos engenheiros e cientistas da computação, que ameçaram demissões em massa.
Os conselheiros foram forçados a recuar, convidando Altman a retornar ao seu assento.
De volta ao controle, Altman acelerou na transformação da OpenAI em uma empresa comercial em parceria com a Microsoft.
Em fevereiro de 2024, Musk reagiu formalizando suas antigas críticas em uma queixa perante um tribunal da Califórnia.
Em junho, surpreendentemente, seus advogados retiraram a queixa.
O mundo da tecnologia se perguntou a razão dessa mudança de rota, suponto uma negociação secreta ocorrendo nos bastidores.
Enquanto isso, Musk iniciou outro processo em agosto, desta vez contra a Microsoft e a OpenIA juntas, acusando-as de práticas monopolistas.
Ao mesmo tempo, se tornou também um protagonista na política americana ao lado do então candidato Donald Trump.
Em novembro, após a vitória eleitoral do Partido Republicano, quando foi anunciado que teria um papel no futuro governo, Musk entrou com uma nova e mais agressiva queixa judicial contra a OpenAI. O resto é história recente.
Assim como outros magnatas do Vale do Silício, que sempre foram hostis a Trump mas que agora mudaram radicalmente de posição, Altman também foi até a residência de Mar-a-Lago para prestar homenagem ao novo presidente.
Mas Altman foi além. Embora constantemente atacado por Musk que chega a acusá-lo de ter usado “perfídia e engano em proporções shakespearianas”, no palco de um festival de tecnologia ele se diz terrivelmente triste com a atitude do CEO da Tesla, que ele define como “meu mega-herói” .
A trégua durou pouco. Quando Altman aparece na Casa Branca ao lado de Larry Ellison, da Oracle, e Masayoshi Son, chefe do SoftBank, para anunciar o Stargate, um plano de US$ 500 bilhões para o desenvolvimento de infraestrutura de inteligência artificial, com a benção de Trump, Musk perdeu a peciência e ridicularizou a iniciativa.
Para ele, Altman e seus parceiros estão vendendo fumaça, pois esse dinheiro todo não existe. Depois, oferta hostil para comprar o OpenAI.