Na manhã de 5 de setembro de 1972, momentos de turbulência e silêncio envolveram o saguão do hotel das autoridades, em Munique. Lá estavam hospedados todos os membros do Comitê Olímpico e personalidades ligadas aos Jogos na cidade. O grupo terrorista palestino Setembro Negro invadira o local onde estava a delegação israelense.
A turbulência no saguão vinha das conversas entre a multidão que se espalhava nas dependências, chocada com o ataque ocorrido naquela madrugada. O silêncio surgia quando, na TV, cenas do sequestro e de mortes eram mostradas ao mundo.
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Um brasileiro, com 7 anos na época, presenciou todo esse episódio. Alberto Murray Neto estava com seu avô, o major Sylvio de Magalhães Padilha, então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), naquela que foi a primeira Olimpíada que ele presenciou.
“Munique, em 1972, foram meus primeiros Jogos Olímpicos”, conta Murray a Oeste. “Aquela tragédia ficou marcada na mente de uma criança. Eu me lembro bem do clima de terror que se instalou na cidade. Meu avô era membro da Comissão Executiva do Comitê Olímpico Internacional (COI). Nós tínhamos a orientação da polícia alemã para não deixar o hotel do COI, que estava cercado por forte segurança armada.”
Murray é advogado, tornou-se um especialista em esportes, como ex-atleta da equipe de atletismo do Pinheiros nos anos 1970 e 1980. Também foi, entre outros, árbitro da Corte Arbitral do Esporte e membro do Comitê de Ética do COB.
Ao lado do então garoto, estavam os membros do COI, chefes de Estado, reis, autoridades. Prevalecia um clima de susto. Ninguém sabia se algo a mais poderia ocorrer, se haveria outras ações terroristas na cidade.
“Eu e minha família passamos o dia na televisão do hotel”, conta Murray. “Víamos aquelas cenas dos terroristas encapuzados e armados na televisão. Meu avô, também presidente do COB, passou o dia reunido com os demais membros da Comissão Executiva do COI e com as autoridades alemãs.”
O mundo estava estupefato. Depois, sem contar o 11 de setembro de 2001, choque similar ocorreu no dia de 7 de outubro de 2023, quando o grupo terrorista Hamas invadiu o sul de Israel, assassinou cerca de 1,2 mil pessoas e sequestrou outras 235. Naquela ocasião, em 1972, não eram milhares, mas a dor também foi enorme.
Tragédia depois da glória olímpica
Quando Murray chegou ao saguão, os oito homens mascarados já haviam ingressado no alojamento da equipe israelense. O treinador Moshe Weinberg, de 33 anos, e o levantador de peso Yossef Romano já haviam sido mortos a tiros. Os terroristas estavam no piso do prédio de dois andares e já haviam feito nove reféns, todos membros da delegação de Israel.
Eles utilizaram o terror como uma forma de divulgar a causa palestina na ocasião. Eram também revoltados contra os jordanianos, pela matança que ocorreu no país no ano anterior, em 17 de setembro, quando os palestinos foram expulsos pelo governo local. Daí o nome Setembro Negro.
“A certa altura, eles, os membros da Comissão Executiva do COI se ofereceram para serem trocados pelos reféns israelenses”, conta Murray. “Naturalmente que os terroristas recusaram.”
No início da noite, dois helicópteros exigidos pelos criminosos levantaram voo da Vila Olímpica. O destino era o aeroporto local, para onde o grupo de oito terroristas levava os nove reféns.
Atiradores estavam posicionados, direcionados para o Boeing 727, que já tinha policiais disfarçados dentro. A missão dos atiradores, no entanto, foi abortada quando se suspeitou que a ação era suicida.
Os policiais, no entanto, chegaram a entrar no avião e a abrir fogo. Nesse momento, os terroristas detonaram uma granada e explodiram o helicóptero, onde morreram quatro atletas.
Outros foram mortos a tiros. No total, morreram 11 membros da delegação israelense. Cinco terroristas e um policial também morreram.
Os outros terroristas foram presos, mas, em outubro seguinte, trocados por causa de um sequestro de avião da Lufthansa. Pousaram ovacionados na Líbia. Anos depois, morreram em operações do serviço secreto israelense, retratadas no filme Munich, dirigido por Steven Spielberg.
As cenas tornaram ainda mais forte a importância do esporte para aquele menino que começava a conhecer o lado cruel do ser humano.
“Assistimos pela televisão ao massacre que ocorreu no Aeroporto de Munique”, lembra Murray.
O mundo, naquele momento, entrava em uma nova fase de conflitos, entremeada por iniciativas de paz, muitas delas por meio das competições esportivas.
“No dia seguinte, o culto ecumênico que aconteceu no estádio olímpico foi tocante”, afirma o advogado.
Para ele, a própria continuidade dos Jogos, decidida pelo COI, foi uma demonstração, válida para todos os tempos, de que a violência e o terror não prevaleceriam sobre a vida e a esperança.
“O presidente do COI, Avery Brundge, acertou ao não cancelar os Jogos Olímpicos naquele momento.” afirma ele. “Esse foi o pior momento de toda a história olímpica.”
Dias antes, o nadador norte-americano Mark Spitz, de origem judaica, havia se consagrado ao ser o primeiro atleta a ganhar sete medalhas de ouro.
Spitz deixou a cidade mais cedo, por causa do massacre. A partir de então, a segurança dos Jogos nunca mais foi a mesma.
Por ele ser judeu, autoridades quiseram proteger Spitz. Viam-no como alvo dos terroristas. Ele foi escoltado até Londres, pelo que se sabe, por fuzileiros norte-americanos.
Aqueles Jogos, para o nadador, foram os últimos. Com apenas 22 anos, Spitz se aposentou das competições depois da glória e do sofrimento em Munique.