O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta quinta-feira, 31, um cessar-fogo temporário na cidade de Mariupol, alvo sistemático dos ataques russos nas últimas semanas, para permitir a retirada de civis. A medida permitirá o estabelecimento de uma rota para Zaporizhzhia.
O ministério também propôs que a operação de saída ocorra com a participação de representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
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Antes da invasão russa, Mariupol tinha cerca de 400 mil habitantes. Depois dos ataques, a cidade abriga pouco mais de 100 mil. Não há energia nem água na região, e a população é submetida a bombardeios e disparos de artilharia.
Esse cenário motivou líderes internacionais, como o presidente francês, Emmanuel Macron, a defender o envio de uma missão humanitária para ajudar os civis a seguirem para áreas mais seguras. O Kremlin, no entanto, rejeitou a proposta. Para Vladimir Putin, a ofensiva na cidade será interrompida apenas caso o Exército da Ucrânia se renda incondicionalmente.
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“O lado russo compromete-se a abrir um corredor humanitário após receber uma declaração oficial por escrito das autoridades ucranianas sobre sua prontidão em cumprir as condições que estabelecemos”, disse o chefe do Centro de Controle de Defesa Nacional, coronel-general Mikhail Mizintsev.
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Sofia, uma senhora de origem grega descreve a situação em Sartana, vilarejo em Mariupol. Durante a entrevista com o correspondente de guerra Patrick Lancaster, estrondos são ouvidos.
O vídeo está no YouTube: Church & School Targeted By Militants in Russia
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– Olá! Posso te fazer uma pergunta? -Eu não pareço bem agora. – Não, está bem. – Qual é a pergunta? – Você pode me dizer onde estamos agora? – Cidade de Mariupol, aldeia de Sartana. É uma aldeia grega. Este é o centro dela. Tudo isso que você vê é o que temos, os prédios destruídos… Bem, guerra é guerra. – O que aconteceu? Como foi há um mês em comparação com agora? – Um mês atrás estava tudo bem, todo mundo costumava trabalhar, todo mundo de alguma forma sobrevivia. E foi isso que aconteceu, você vê? – Agora a RPD e a Rússia estão no controle aqui, certo? – Pelo que vejo é assim. – Quando as forças ucranianas estiveram aqui pela última vez? – Começou no dia 24, hoje já faz um mês. – Certo, um mês. Então, no dia 24 os ucranianos partiram, certo? – Eu não sei nada. Eles estão bombardeando, quando isso acontece a gente começa a se proteger com as crianças. Como você pode entender algo naquele momento? Quem está atirando em quem? Ninguém gosta disso. As pessoas ficam sem casa, alguém fica sem filhos, alguém perde os pais. A guerra não é boa para ninguém. – O que é a República Popular de Donetsk para você? – Eu não sei sobre o DPR. Suponho que você mesmo conheça toda a história. Não sou política. – Sim. Houve um referendo aqui há 8 anos ou não? – Sim, claro que houve. A maioria das pessoas pediu a língua russa, mas eles decidiram nos ucranizar, para que todos falem ucraniano. Bem, eu não sei. Se eu sou um adulto e estudei ucraniano e russo na escola, mas não posso falar ucraniano o tempo todo. Era proibido falar russo na loja. – Mesmo? – Houve alguma tensão. Os funcionários pagaram multas por não dizerem “boa tarde” em ucrâniano nas lojas. – Uma multa? – Eles pagaram uma multa, dinheiro, por não falarem ucraniano. Vendedores. – Entendi. – Não posso entender isso, não sou política. Eu só vivo chorando e pronto. Comecei a ficar nervosa, então saí para limpar. Só para mim. Você precisa fazer algo útil. Não sei onde estão minhas três netas sem pais. Nós as enviamos, elas estavam com medo, chorando. E agora não sabemos onde estão nossas netas. É assustador, sabe? Alguém não pode dividir cofres e sacos de dinheiro e pessoas pobres como nós correm e se escondem e só querem viver. Você entende? Já estamos acostumados com o fato de não ter dinheiro, tudo é caro, já estamos acostumados. Nós só queremos viver. – Quem é o culpado por tudo isso? – Não posso responder isso, não sei. Eu não sou política. Tenho pena dos dois. Por que é necessário morrer? Para quê? Nós precisamos conversar. Precisamos encontrar uma linguagem comum. Devemos fazer quaisquer concessões. Esta é a minha opinião. Mas não para matar. Isto não está certo. Tenho pena dos dois, são pessoas. E fomos amigos a vida toda, estivemos juntos, russos e ucranianos. Metade da nossa aldeia também é grega. É uma aldeia grega. Eu sou grega. Tantos ucranianos vivem aqui com suas famílias, eles se casaram. Tantos russos aqui. Sempre vivemos juntos. Eu não entendo o que começou aqui.. Eu falava russo e eu sou grega. Quando fui para a escola, tudo era em russo, comecei a aprender russo, estudei inglês e ucraniano. – Você nasceu lá na Grécia? -Não, eu nasci aqui. É tudo história.Catherine II reassentou os gregos ao redor do mar de Azov. Ela não queria que o território fosse tomado por turcos, muçulmanos. Ela queria que os ortodoxos estivessem aqui. E assim ela estabeleceu os gregos, eles pescaram aqui, eles construíram casas. Todas as aldeias ao redor de Mariupol são gregas. Mas nós aprendemos ambas as línguas, russo e ucraniano. – E grego tamém? – Agora eles estão ensinando grego moderno. Não grego antigo. Só Deus sabe quem é o culpado por isso. E os governantes que iniciaram isso. – Qual o seu nome? – Queremos paz, vamos viver. Já estamos acostumados a não ter nada. Se ao menos houvesse paz, mas nós perdemos isso também. -Qual o seu nome? – Sofia.