O “STF dos EUA” iniciou na segunda-feira 26 o julgamento de Joseph Kennedy, treinador de futebol americano. Kennedy foi processado e demitido, em 2015, pela Escola Secundária de Bremerton, em Washington, onde lecionava, porque orou no meio do campo depois de alguns jogos do seu time.
“Eram breves orações silenciosas”, disse Kennedy durante o julgamento, de acordo com o portal BBC News. Segundo a escola, as orações de Kennedy não eram privadas e os alunos poderiam se sentir pressionados a se juntar a ele, o que é proibido por lei.
Kennedy trabalhava na escola desde 2008 e orava em campo depois dos jogos. De acordo com ele, inicialmente orava sozinho, mas depois os alunos se juntaram. Com o passar do tempo, Kennedy começou a dar palestras curtas e com referências religiosas aos alunos.
Kennedy disse que nunca exigiu dos jogadores que se juntassem a ele. Depois de um jogo em 2015, o treinador do time adversário viu Kennedy orando e comunicou ao diretor. A escola informou a Kennedy que as orações poderiam ser interpretadas como um incentivo à religião, o que não é permitido por lei.
Kennedy se recusou a parar com as orações. Durante um outro jogo, em outubro de 2015, a oração do treinador atraiu olhares do público e da mídia. A escola então o colocou em licença remunerada. O contrato do treinador terminou e ele não se candidatou novamente à vaga.
O processo
No final de 2015, o treinador processou a escola por infringir seu direito constitucional de liberdade religiosa. Esse foi o início de uma batalha judicial que já dura seis anos e que coloca em xeque muitos aspectos da Primeira Emenda Constitucional dos EUA — que protege a liberdade de expressão e de exercício religioso, e proíbe o Estado de estabelecer uma religião.
O advogado de defesa argumentou que, ao orar, Kennedy estava apenas expressando suas opiniões religiosas pessoais e que a escola o estava punindo pelo exercício da liberdade de expressão.
Já o advogado de acusação disse que as orações de Kennedy foram muito mais do que orações privadas — que eram exibições na propriedade da escola — e que poderia coagir os estudante e atletas com diferentes crenças religiosas.
A laicidade nos EUA
De acordo com Thiago Rafael Vieira, especialista em Estado constitucional e liberdade religiosa, a laicidade é uma maneira de o Estado e a igreja se relacionarem.
Cada nação recebe pressupostos históricos e teóricos, e a partir disso se relaciona com a religião. “A laicidade se relaciona de formas diferentes em cada país.”
Vieira explica que os EUA foram formados, em grande parte, pelos puritanos — cristãos protestantes ingleses —, que estavam fugindo da perseguição religiosa na Inglaterra. E que, chegando aos EUA, justamente por fugir dessa perseguição, decidiram que o Estado não poderia interferir na igreja e a igreja não poderia interferir no Estado.
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“Existe um muro de separação para que o Estado proteja a liberdade religiosa individual”, disse Vieira. Os EUA foram a primeira nação a aplicar na Constituição o Estado laico, antes mesmo da França. No Estado da Virgínia, em 1776, já existia um documento em que a liberdade religiosa era citada.
De acordo com Vieira, a laicidade dos EUA é bem diferente da brasileira. “É um país formado por agregação, cada estado tem autonomia e soberania”, disse. “Não é um estado laico colaborativo como o nosso, é mais rígido”.
A laicidade no Brasil permite que a religião trabalhe em conjunto com o Estado em busca de um bem comum. “A religião tem um papel forte na opinião pública.”
De acordo com a lei de Washington, quando um professor ora em ambiente público — pertencente ao Estado —, mesmo que ele não obrigue os alunos, ele interfere na liberdade religiosa.
Segundo Vieira, o caso de Kennedy pode ser uma virada de chave para a laicidade nos EUA, “pode se tornar benevolente”.
Leia também: “Deus Nas Urnas”, reportagem de Silvio Navarro e Rute Moraes publicada na Edição 102 da Revista Oeste.