Segundo denúncia dos Repórteres sem Fronteiras, o número de casos do coronavírus poderia ser 86% menor se o mundo tivesse sido avisado antes
A China é um dos países mais autoritários do mundo. De acordo com o Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) de 2019, a China ocupa a 177ª posição entre 180 países avaliados.
Segundo a RSF, é possível afirmar que, sem a censura e o controle impostos pelas autoridades do Partido Comunista, os meios de comunicação chineses teriam informado mais cedo a população a respeito do coronavírus. Essa conduta poderia ter poupado milhares de vidas no mundo todo e, quem sabe, até evitado a pandemia.
A Universidade de Southampton, no Reino Unido, publicou uma análise em que demonstra que o número de infectados poderia ser 86% menor se as medidas contra a epidemia tivessem sido tomadas duas semanas antes do dia 20 de janeiro. Utilizando a cronologia da crise, a ONG mostra como a censura ajudou na disseminação da pandemia pelo globo.
Em 18 de outubro, o Centro Johns Hopkins de Segurança em Saúde, com o apoio do Fórum Econômico Mundial e da Fundação Bill e Melinda Gates, realizou a simulação de uma pandemia de coronavírus, com o assustador resultado de 65 milhões de mortes em 18 meses.
Caso a internet na China não fosse terrivelmente censurada, as autoridades do país teriam se interessado por esse estudo, visto que ele se inspirou na epidemia de Sars (síndrome respiratória aguda grave), causada também por um coronavírus e que deixou mais de 800 mortos em 2013.
Em 20 de dezembro, a cidade de Wuhan já contava com 60 pacientes do coronavírus ainda desconhecido. Apesar da grave situação, os meios de informação não foram avisados pelas autoridades. Caso a pandemia não tivesse sido escondida no início, muitas pessoas teriam parado de visitar o mercado de Wuhan, local onde a doença teria feito suas primeiras vítimas, bem antes de ele ter sido fechado, em 1º de janeiro.
O diretor do departamento de gastroenterologia do Hospital Número 5 de Wuhan, Lu Xiaohong, começou a suspeitar que a doença era transmitida entre humanos em 25 de dezembro. Como a China impõe até penas severas de prisão a quem divulga informações a jornalistas, o médico não pôde alertar a imprensa, o que poderia ter levado o governo a agir antes para deter a doença.
Em 30 de dezembro, um grupo de médicos liderados pela diretora da emergência do Hospital Central de Wuhan, Ai Fen, divulgou um documento de alerta na internet censurada do país. O grupo foi ameaçado pelas autoridades por divulgar rumores mentirosos.
Caso a imprensa fosse livre e as mídias sociais não estivessem sob controle, o público teria ficado consciente da situação e poderia ter exercido pressão para que as autoridades tomassem medidas de contenção do coronavírus.
A China informou a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a nova doença em 31 de dezembro e no mesmo dia começou a censurar qualquer palavra relacionada ao termo epidemia no WeChat, a maior rede social do país, com mais de 1 bilhão de usuários. Sem a censura, jornalistas e especialistas poderiam ter transmitido informações e conselhos de proteção para o público através da plataforma.
Em 5 de janeiro, uma equipe do Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai liderada pelo professor Zhang Yongzhen conseguiu sequenciar o genoma do vírus, mas foram proibidos de divulgar a descoberta. Em 11 de janeiro, os pesquisadores vazaram as informações para a comunidade científica internacional, o que levou ao fechamento do laboratório pelo Estado chinês.
Se as autoridades tivessem agido com transparência, a descoberta teria sido comunicada imediatamente à comunidade científica do mundo inteiro, e com isso pesquisas para o desenvolvimento de vacinas teriam se iniciado antes.
Em 13 de janeiro, registrou-se o primeiro caso de coronavírus fora da China. A vítima era um turista chinês de Wuhan em visita à Tailândia. Caso a mídia internacional tivesse acessado as informações que as autoridades da China estavam escondendo, a pandemia global poderia ter sido evitada.
A evolução desse episódio demonstra por que a liberdade de informação e imprensa constitui algo fundamental, e essa pandemia, assim como o desastre de Chernobil, na então União Soviética, deixa claro que ditaduras não sabem lidar com situações difíceis.