(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de agosto de 2024)
No quadro de neurose avançada em que veio cair a vida pública de hoje no Brasil, passou a ser perfeitamente normal registrar como “ameaça à democracia” toda e qualquer ação humana que traga algum tipo de desconforto aos ministros do STF. É automático. Se alguém indaga, por exemplo, se está certo o ministro Fulano de Tal participar de “eventos” no exterior pagos por empresários com causas pendentes no alto judiciário, ou julgar processos em que as suas mulheres trabalhem nos escritórios de advocacia das partes, a condenação é imediata. Para o STF, tudo o que desagrada os ministros é um “ataque” ao tribunal e, portanto, à própria democracia.
É óbvio, dentro desse ambiente de paranoia oficial, que as gravações há pouco publicadas pela Folha de S.Paulo, demonstrando o uso do TSE para ajudar inquéritos penais conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes no STF, foram imediatamente condenadas como mais um atentado ao “Estado Democrático de Direito”. Todos os colegas de Moraes, o governo Lula em peso e os sistemas de apoio de ambos se uniram para transformar um relato jornalístico de fatos indiscutíveis em denúncia contra os que trouxeram esses fatos a público. Há um método, naturalmente, nessa indignação. Com o barulho para defender a “democracia”, não se fala no essencial: o que foi dito, realmente, nas gravações.
Tem sido assim, há cinco anos, com todas as notícias que trazem à luz do sol o que o STF está fazendo. Dizer que o inquérito perpétuo (“acaba quando acabar”, diz Moraes) aberto em 2019 para investigar notícias falsas, atos “antidemocráticos” e qualquer coisa derivada da atividade humana é ilegal, como acreditam dezenas de juristas, é tido como agressão direta às instituições. É uma “articulação de extrema direita”, também, afirmar que não houve tentativa nenhuma de golpe na baderna do dia 8 de janeiro de 2023 — por se tratar de um crime impossível. Pedir a divulgação dos vídeos comprovando que Moraes não foi agredido no aeroporto de Roma, como alega, é fascismo.
A doutrina segundo a qual Alexandre de Moraes e o Estado de Direito são a mesma coisa é uma aberração política, jurídica e moral. É também uma trapaça oportunista. O STF, o governo Lula e quem mais tira proveito da parceria entre os dois utilizam essa contrafação para submeter o Brasil à situação de país sem lei. Eles, sim, sabem muito bem o que estão fazendo quando lançam suas declarações de guerra em “defesa da democracia”. Estão garantindo a manutenção do seu Estado policial, a promoção dos seus interesses materiais e, acima de tudo, a sua própria impunidade para o que já fizeram, estão fazendo e ainda vão fazer.
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