(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 10 de janeiro de 2022)
É raro, hoje em dia, passar muito tempo sem que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) comprovem com algum ato concreto, individual ou coletivo, quanto contribuem para os piores usos e costumes da vida pública brasileira. Nisso aí pode-se contar tranquilamente com todos eles: da mesma forma como produzem insegurança jurídica permanente, com decisões que ignoram a lei para atender interesses políticos e pessoais, é garantido que vão sempre optar pelo lado do mal quando se trata de gastar o dinheiro do pagador de impostos.
Uma matéria do jornalista Lúcio Vaz, na Gazeta do Povo, comprova pela centésima vez essa degeneração serial. O presidente do STF, ministro Luiz Fux, gastou um total de R$ 1,6 milhão com suas viagens em jatinhos da Força Aérea Brasileira em 2021 — quase tudo em viagens de ida e volta para a sua casa do Rio de Janeiro, ou 96 voos. Não há o mais remoto vestígio de interesse público em nenhuma despesa dessas — todas elas são estritamente pessoais. Por que diabo o cidadão teria de tirar dinheiro do seu bolso para pagar os voos particulares do ministro Fux? Não há resposta possível para isso.
Não estão incluídos neste total os gastos com os batalhões de agentes de segurança pessoais do ministro; o STF decidiu que tais despesas, como tantas outras, são “secretas”. Qual o propósito de esconder uma informação como essa? É tudo abertamente mal-intencionado — e feito de propósito. Fux, na verdade, superou o recorde anterior do ministro Antônio Dias Toffoli, que conseguiu socar em cima do pagador de impostos até uma viagem para assistir à canonização da Irmã Dulce, em Roma.
Fux, naturalmente, não é o único que abusa de sua função e utiliza a FAB, cada vez mais, como uma empresa de táxi-aéreo. Na verdade, essa é uma doença incurável da vida diária entre os sultões de Brasília — os que estão sentados, o tempo todo, nos galhos mais altos da árvore do Estado. É uma das mais agressivas demonstrações do escândalo permanente de um setor público pervertido — que vive como a nobreza dos tempos do rei Luís XV e que, para sustentar os seus privilégios, trata os brasileiros como escravos, cuja principal função nesta existência é trabalhar para encher-lhes o bucho e pagar-lhes os jatinhos.
Da próxima vez que for ao posto de gasolina, fizer uma ligação no celular ou acender a luz de casa, lembre-se que uma parte do que você está pagando — e pode ser até 30% do total — vai servir para que o ministro Fux continue voando de cima para baixo em avião da FAB. Que tal? Excelente emprego dos impostos, não é mesmo?
É o que se chama normalmente de “disfunção” — aquele tipo de patologia que impede um órgão de funcionar como previsto e de cumprir, assim, as tarefas para as quais existe. O ministro Fux e seus 96 voos em 2021 provam, uma vez mais, que o STF deixou de ser funcional neste país.
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