(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de janeiro de 2024)
O presidente do Supremo Tribunal Federal, que parece viver uma paixão tórrida com os microfones, o som da sua própria voz e a celebração das virtudes que imagina ter, virou o mais ativo orador político do Brasil. Não poderia ser assim. Como juiz, ele tem a obrigação de ser juiz — e um juiz não pode passar o tempo todo falando como um animador de auditório na defesa das suas ideias, convicções e interesses. Como o público que lhe paga o salário pode esperar que seja imparcial nas suas sentenças, se está todo dia dizendo que é contra isso e a favor daquilo? Mas aí é que está: no Brasil de hoje o comando da discussão política não está no Congresso Nacional, que foi eleito pelo povo brasileiro, nem entre os governantes que os eleitores puseram nos cargos executivos, mas no STF — que não tem o voto de ninguém. É uma degeneração.
A última homilia do ministro Luís Roberto Barroso mostra, mais uma vez, o quanto o STF afundou na sua própria anomalia. Eles não percebem mais que o respeito pela instituição só pode ser conquistado como consequência dos seus atos, da sua seriedade e da sua isenção. Acham outra coisa: o Supremo só será um grande tribunal se as suas “lideranças” ficarem fazendo elogios a si mesmas. Barroso, em seu discurso mais recente, disse que “o STF fez muito bem ao Brasil” e enumerou as dádivas que nos foram fornecidas por Suas Excelências. Quem teria de falar disso não é ele, e sim os supostos beneficiários das bondades do STF — mas pelos padrões de conduta vigentes hoje neste país a auto louvação é não apenas aceita como aplaudida. Ficamos sabendo, assim, que o STF nos salvou de uma ditadura, venceu o “golpe de Estado” do 8 de janeiro, impediu que a covid destruísse o Brasil etc. etc. Tudo bem: quem quiser acreditar nisso tem o direito de acreditar. O que não está certo é dizer que quem critica o STF são os “bolsonaristas”, e que os “ataques” ao tribunal só acontecem porque suas decisões causam desagrado à certas pessoas.
STF organiza exposição sobre manifestações do 8 de janeiro
É falso. Os que criticam as ações do STF incluem muito mais gente que os “bolsonaristas” — basta verificar, com um mínimo de serenidade, quem são os autores das críticas. Mais que isso, o que se condena no STF não é o teor jurídico das decisões; ninguém ignora o fato de que uma sentença judicial sempre agrada o vencedor e desagrada o perdedor. O problema, e aí o presidente do STF não dá um pio, é que as mulheres de ministros advogam em causas julgadas pelos maridos. Cidadãos estão sendo condenados a até 17 anos de cadeia por terem participado de um quebra-quebra em Brasília — e por terem supostamente praticado, ao mesmo tempo, os crimes de “golpe de Estado” e de “abolição violenta do Estado de Direito”. Um cidadão tem um bate-boca com um dos ministros no Aeroporto de Roma e se vê levado a julgamento no Supremo Tribunal de Justiça do país, no arrastão judicial dos “atos antidemocráticos”. A empresa J&F é dispensada de pagar os R$ 10 bilhões que devia ao Tesouro Nacional, em cumprimento ao acordo que fez para escapar de cinco ações penais por corrupção ativa. As provas materiais de corrupção contra a Odebrecht são declaradas como “imprestáveis” e destruídas.
Nada disso ter alguma coisa a ver com “defesa da democracia”, ou com máscara para covid, ou com “extrema direita” e outras assombrações. Está errado porque é contra a lei. E é por isso, na verdade, que o presidente do STF age todos os dias como chefe de facção política. Não está interessado em Constituição, processo legal e seu dever como juiz. Como ele mesmo diz, quer “fazer História”.
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